Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


sábado, 24 de novembro de 2012

as pernas da mesa uma outra função
após extensão do membro
(as pernas da mesa igualmente membro
durante a passagem para nova categoria)

corpo decorativo em forma de lascas
lascas circundando o que até então figura geométrica
definida, forma e uma sombra como extensão dessa forma
que agora sombra nenhuma dado que colado ao chão


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Herberto Hélder (23 Novembro de 1930)


"Sendo Herberto Helder um dos maiores poetas europeus contemporâneos, a força motriz da sua obra reside na inquietude da vigilância, na vontade de revisitação e de questionamento incessante do seu acto poético. A sua poesia caracteriza-se por ser viva e irrequieta, transbordando os limites daquilo que enuncia, extravasando-se para além do seu contexto histórico-social e inaugurando novas zonas de exploração que lhe concedem a designação de «poética de vanguarda»."


O AMOR EM VISITA

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes
ele - imagem inacessível e casta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.

Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.
Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa;
e enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
- Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.

Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.

E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a morte
e a alegria da morte.

Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.
- Então cantarei a exaltante alegria da morte.

Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua órbita viva.

- Porém, tu sempre me incendeias.
Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
- Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura.

Entontece meu hálito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espada
se perde no arco.
E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra - invento para ti a música, a loucura
e o mar.

Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo -
eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada beleza.

Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.

Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida - e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe
a força maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna.

Mais inocente que as árvores, mais vasta
que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu espírito cego e abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violência a imobilidade aquática.
E os astros quebram-se em luz sobre
as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira - para que tudo cante
pelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e beleza,
eu sei quanto és o íntimo pudor
e a água inicial de outros sentidos.

Começa o tempo onde a mulher começa,
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola,
a sombra canta baixo.

Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua,
onde a beleza que transportas como um peso árduo
se quebra em glória junto ao meu flanco
martirizado e vivo.
- Para consagração da noite erguerei um violino,
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada
darei minha voz confundida com a tua.

Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.

Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho, o tempo onde
a vária dor envolve o barro e a estrela, onde
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida
ingénua e cara, o que pressente o coração
engasta seu contorno de lume ao longe.
Bom será o tempo, bom será o espírito,
boa será nossa carne presa e morosa.
- Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.

Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, ó urna
salina, imagem fechada em sua força e pungência.
E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado
em torno das violas, a morte que não beijo,
a erva incendiada que se derrama na íntima noite
- o que se perde de ti, minha voz o renova
num estilo de prata viva.

Quando o fruto empolga um instante a eternidade
inteira, eu estou no fruto como sol
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada
matriz de sumo e vivo gosto.
- E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das nuvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.

Se te apreendessem minhas mãos, forma do vento
na cevada pura, de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses
em minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?
- No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.

Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.

As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso
jovem da carne aspiram longamente
a nossa vida. As sombras que rodeiam
o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha
inspirada, o mar, os centauros do crepúsculo
- aspiram longamente a nossa vida.

Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho, no mosto aberto
- no amor mais terrível do que a vida.

Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.

E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.

De meu recente coração a vida inteira sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma
de crepúsculos e crateras.

Ó pensada corola de linho, mulher que a fome
encanta pela noite equilibrada, imponderável -
em cada espasmo eu morrerei contigo.

E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Coisas a espreitar

Tenho andado a pensar muito sobre o tema ultimamente, como deve ter reparado quem me segue. E depois de Badiou (de cuja análise não me afasto), deixo aqui mais umas sugestões para quem quiser compreender um pouco mais sobre o que é e como se manifesta esse tal sentimento?/ estado?/ ilusão?/ processo?/ relação?/ partilha?, caso seja possível aprender e compreender algo de tal magnitude e, muito mais, tentar, de certa forma, colocar essa aprendizagem em "práctica" (mesmo que eu não seja de opor teoria a práctica).
Aquiaqui, e, também, aqui e aqui. E, já agora, isto:

P.S. Dispeço-me por uma interpretação que gosto bastante, apesar de relativamente simples.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012


"Há o perigo de um grito lindíssimo quando andas assim comigo no invisível."
Mário Cesariny

um dedo após dedo que já não dedo e outra coisa agora
pois dada a perda na sequência passa-se a dedo
antecedendo outra coisa que não sei precisar

no plano do qual a janela me separa
- sem separar completamente -
imagino algo que pela sua condição
não mais para além de imaginação
- havendo um mais para além da imaginação

sexta-feira, 16 de novembro de 2012


“Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.”

Memória - Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 14 de novembro de 2012


“Não digas: “o mundo é belo”. Quando foi que viste o mundo? Não digas: “o amor é triste”. Que é que tu conheces do amor? Não digas: “a vida é rápida”. Como foi que mediste a vida? Não digas: “eu sofro”. Que é que dentro de ti és tu? Que foi que te ensinaram que era sofrer? Os teus ouvidos estão enganados. E os teus olhos. E as tuas mãos. E a tua boca anda mentindo, enganada pelos teus sentidos. Faze silêncio no teu corpo. E escuta-te. Há uma verdade silenciosa dentro de ti: A verdade sem palavras que procuras inutilmente, há tanto tempo, pelo teu corpo que enlouqueceu.”

Cecília Meireles

segunda-feira, 12 de novembro de 2012


diz que não sabe do medo da morte do amor
diz que tem medo da morte do amor
diz que o amor é morte é medo
diz que a morte é medo é amor
diz que não sabe

Alejandra Pizarnik

(Encontrado aqui: http://www.facebook.com/FabricaEscrita )

sábado, 10 de novembro de 2012

Amor e Badiou


Alain Badiou, filósofo francês, tomado por Zizek como um Platão ou um Hegel, é um dos poucos na sua área - ver aqui - que se dedicam a reflectir sobre Amor. Recentemente foi editado em livro uma espécie de entrevista que Badiou concedeu sobre este tema, como o título "In Praise of Love", e em relação ao qual resolvi deixar neste blogue os seguintes excertos:


"I think - in quite different terms, naturally - along the same lines, namely that love encompasses the experience of the possible transition from the pure randomness of chance to a state that has universal value. Starting out from something that is simply an encounter, a trifle, you learn that you can experience the world on the basis of difference and not only in terms of identity. And you can even be tested and suffer in the process."

"Provided it isn’t conceived only as an exchange of mutual favours, or isn’t calculated way in advance as a profitable investment, love really is a unique trust placed in chance. It takes us into key areas of the experience of what is difference and, essentially, leads to the idea that you can experience the world from the
perspective of difference. In this respect it has universal implications: it is an individual experience of potential universality, and is thus central to philosophy, as Plato was the first to intuit." 

"Jacques Lacan reminds us, that in sex, each individual is to a large extent on their own, if I can put it that way. Naturally, the other’s body has to be mediated, but at the end of the day, the pleasure will be always your pleasure. Sex separates, doesn’t unite. The fact you are naked and pressing against the other is an image, an imaginary representation. What is real is that pleasure takes you a long way away, very far from the other. What is real is narcissistic, what binds is imaginary. So there is no such thing as a sexual relationship, concludes Lacan. His proposition shocked people since at the time everybody was talking about nothing else but “sexual relationships”. If there is no sexual relationship in sexuality, love is what fills the absence of a sexual relationship.
Lacan doesn’t say that love is a disguise for sexual relationships; he says that sexual relationships don’t exist, that love is what comes to replace that non-relationship. That’s much more interesting. This idea leads him to say that in love the other tries to approach “the being of the other”. In love the individual goes beyond himself, beyond the narcissistic. In sex, you are really in a relationship with yourself via the mediation of the other. The other helps you to discover the reality of pleasure. In love, on the contrary the mediation of the other is enough in itself. Such is the nature of the amorous encounter: you go to take on the other, to make him or her exist with you, as he or she is. It is a much more profound conception of love than the entirely banal view that love is no more than an imaginary canvas painted over the reality of sex.

In fact, Lacan also engages in philosophical ambiguities in relation to love. The idea that “love is what fills the absence of a sexual relationship” can indeed be interpreted in two ways. The first and most obvious is that love is what the imagination employs to fill the emptiness created by sex. (...) But Lacan also thinks quite the opposite, that love reaches out towards the ontological. While desire focuses on the other, always in a somewhat fetishist manner, on particular objects, like breasts, buttocks and cock... love focuses on the very being of the other, on the other as it has erupted, fully armed with its being, into my life thus disrupted and re-fashioned."

"I mean truth in relation to something quite precise: what kind of world does one see when one experiences it from the point of view of two and not one? What is the world like when it is experienced, developed and lived from the point of view of difference and not identity? That is what I believe love to be."

"When I lean on the shoulder of the woman I love, and can see, let’s say, the peace of twilight over a mountain landscape, gold-green fields, the shadow of trees, black-nosed sheep motionless behind hedges and the sun about to disappear behind craggy peaks, and know - not from the expression on her face, but from within the world as it is - that the woman I love is seeing the same world, and that this convergence is part of the world and that love constitutes precisely, at that very moment, the paradox of an identical difference, then love exists, and promises to continue to exist. The fact is she and I are now incorporated into this unique Subject, the Subject of love that views the panorama of the world through the prism of our difference, so this world can be conceived, be born, and not simply represent what fills my own individual gaze. Love is always the possibility of being present at the birth of the world."

"I think we should approach the question of love from two points that correspond to everyone’s experience., love involves a separation or disjuncture based on the simple difference between two people and their infinite subjectivities. (...) In other words, love contains an initial element that separates, dislocates and differentiates. You have Two. Love involves Two.

The second point is that precisely because it encompasses a disjuncture, at the moment when this Two appear on stage as such and experience the world in a new way, it can only assume a risky or contingent form. That is what we know as “the encounter”. Love always starts with an encounter. And I would give this encounter the quasi-metaphysical status of an event, namely of something that doesn’t enter into the immediate order of things. (...) The encounter between two differences is an event, is contingent and disconcerting, “love’s surprises”, theatre yet again. On the basis of this event, love can start and flourish. It is the first, absolutely essential point. This surprise unleashes a process that is basically an experience of getting to know the world. Love isn’t simply about two people meeting and their inward-looking relationship: it is a construction, a life that is being made, no longer from the perspective of One but £rom the perspective of Two. And that is what I have called a “Two scene”."

"However, love cannot be reduced to the first encounter, because it is a construction. The enigma in thinking about love is the duration of time necessary for it to flourish. In fact, it isn’t the ecstasy of those beginnings that is remarkable. The latter are clearly ecstatic, but love is above all a construction that lasts. We could say
that love is a tenacious adventure. The adventurous side is necessary, but equally so is the need for tenacity. To give up at the first hurdle, the first serious disagreement, the first quarrel, is only to distort love. Real love is one that triumphs lastingly, sometimes painfully, over the hurdles erected by time, space and the world."

"I am really interested in the time love endures. Let’s be more precise: by “endure” one should not simply understand that love lasts, that love is forever or always. One has to understand that love invents a different way of lasting in life. That everyone’s existence, when tested by love, confronts a new way of experiencing time. Of course, if we echo the poet, love is also the “the dour desire to endure”. But, more than that, it is the desire for an unknown duration. Because, as we all know, love is a re-invention of life. To re-invent love is to re-invent that re-invention."

"I believe that love is indeed what I call in my own philosophical jargon a “truth procedure”, that is, an experience whereby a certain kind of truth is constructed. This truth is quite simply the truth about Two: the truth that derives from difference as such. And I think that love - what I call the “Two scene” - is this experience. In this sense, all love that accepts the challenge, commits to enduring, and embraces this experience of the world from the perspective of difference produces in its way a new truth about difference."

"But chance, at a given moment, must be curbed. It must turn into a process that can last. This is a very difficult, almost metaphysical problem: how can what is pure chance at the outset become the fulcrum for a construction of truth? How can something that was basically unpredictable and seemed tied to the unpredictable vagaries of existence nevertheless become the entire meaning of two lives that have met, paired
off, that will engage in the extended experience of the constant (re)-birth of the world via the mediation of the difference in their gazes? How do you move from a mere encounter to the paradox of a single world where it is revealed that we are two? It is a complete mystery. And this is what really nourishes scepticism about love. People will say, why talk about great truth in respect of the quite banal fact that So and So met his or her colleague at work? That’s exactly what we must emphasise: an apparently insignificant act, but one that is a really radical event in life at a micro-level, bears universal meaning in the way it persists and endures."

"That is how chance is curbed: the absolute contingency of the encounter with someone I didn’t know finally takes on the appearance of destiny. The declaration of love marks the transition from chance to destiny, and
that’s why it is so perilous and so burdened with a kind of horrifying stage fright. Moreover, the declaration of love isn’t necessarily a one-off; it can be protracted, diffuse, confused, entangled, stated and re-stated, and even destined to be re-stated yet again. That is the moment when chance is curbed, when you say to yourself: I must tell the other person about what happened, about that encounter and the incidents within the encounter. I will tell the other that something that commits me took place, at least as I see it. In a word: I love you. (...) It isn’t at all easy to say “I love you”. That small sentence is usually thought to be completely meaningless and banal. Moreover, people sometimes prefer to use other more poetic, less commonplace words to say “I love you”. But what they are always saying is: I shall extract something else from what was mere chance. I’m going to extract something that will endure, something that will persist, a commitment, a fidelity. And here I am using the word “fidelity” within my own philosophical jargon, stripped of its usual connotations. It means precisely that transition from random encounter to a construction that is resilient, as if it had been necessary."

"The problem then resides in inscribing this eternity within time. Because, basically, that is what love is: a declaration of eternity to be fulfilled or unfurled as best it can be within time: eternity descending into time. That’s why it is such an intense feeling. (...) So love remains powerful, subjectively powerful: one of those rare experiences where, on the basis of chance inscribed in a moment, you attempt a declaration of eternity. “Always” is the word used to declare eternity. Because you cannot know what that “always” means or how long it will last. “Always” means “eternally”."


sexta-feira, 2 de novembro de 2012

a tentação de apagar o olhar
a visão fora e o olfacto e a audição à espreita
o olhar invertido e no olhar invertido
a tua voz, a tua voz
o corpo da tua voz em recordação
o corpo da tua voz em recordação e algo para lá da recordação
os olhos de novo, como se acordado em sobressalto
a respiração para lá do respirar pedindo ajuda à boca
sendo que da boca som outro fora
não sendo o de uma inspiração improvisada
palavra alguma pertencente a esta garganta incapaz
e algo que um pouco após a garganta
algo presente após canais que como espinhos se fazem sentir
igualmente incapaz