Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


terça-feira, 18 de agosto de 2009

Perto do cais

by Elliot Erwitt.

Foi à outra mesa e deixou-me o casaco, o casaco que, já lho disse, feio nele, tão preto - e ele loiro -, o casaco que fá-lo parecer gordo. Os meus ombros no chão devido ao casaco, nem se apercebeu, uma amiga acenou da outra mesa, ele respondeu e fez com que eu respondesse, "uma amiga" disse ele, passou um vento e eu disse "que frio", ele estava a sorrir e confinou a sorrir para mim enquanto eu lhe falava do frio, tirou o casaco enquanto dava a volta a mesa e colocou-mo às costas, deu uma pancadinha no ombro esquerdo que o fez descer uns 2 centímetros, "já venho" disse ele, com o olhar preso nela. No caminho parou junto ao empregado e deve ter pedido 2 cafés, um que está aqui a arrefecer e outro que o empregado levava na mesma bandeja e que deixou na mesa dela, largou uma moeda e vi-o abanar as mãos ao empregado, talvez a dizer tudo bem, bebeu-o mal ele se virou e, desde aí, têm-se mantido com a cara pousada no punho esquerdo enquanto conversa com ela. O meu café talvez já tão frio quanto a água do rio, e sinto bem o frio que dele vêm aqui neste barco, de manhã ele a falar-me numa surpresa. O cabelo bem do jeito que ele gosta, a maquilhagem, horas na casa de banho enquanto o ouvia queixar-se do tempo perdido e depois a rir-se, devagar, como se pensasse que eu não ouvia, e eu de olhos no espelho a esboçar um sorriso do seu riso e do meu tempo perdido, da surpresa que a manhã me reservava, eu já com planos, a visita à zona histórica da cidade como combinado com as minhas amigas para estas férias. Igreja e museus, nos intervalos lojas como é normal, uma recordação para a família, alguns amigos, parece-me que ele anda a precisar duma camisola nova e ontem vi uma bem gira, o jardim da cidade onde agora devem estar, se desse tempo subir a montanha e ver tudo de cima. Se lhe disser, talvez me responda que a montanha fica ali para sempre e aquela nem com um terramoto dos grandes lá vai, da amiga talvez já se terá esquecido. Aposto ainda num sorriso na cara quando voltar, talvez ganhe coragem e até o café saberá melhor, pergunto-me agora se já tão frio como o rio. Por enquanto, o barco lento tal como me disse, uma tarde inteira para aproveitar a paisagem, de uma ponta à outra da ilha, que coisa estranha, uma ilha deste tamanho com um rio, dizem que nasce numa fonte tão funda que nunca ninguém a viu.


P.S: Este saiu assim, salvo pequenos retoques, não fiz grandes correcções nem tentei misturar muito o texto. A foto parecia-me tão natural e disse-me tudo - adoro aquele olhar. Escrevi tudo em pouco mais de meia-hora, desculpem-me os inúmeros erros e a superficialidade, as estas horas a atenção já não é a melhor, além da dificuldade natural que é para mim tentar entrar na cabeça duma mulher.

7 comentários:

'stracci disse...

Adorei o facto de te pores a pensar "no feminino"! Soou bastante natural.

Maria Francisca disse...

Acho que às vezes escrever fora dos nossos olhos, da nossa cabeça, da nossa maneira de ser (ou até algo mais profundo como o sexo oposto) é algo muito complexo e, na realidade, pode causar certas dúvidas. 'É isto que eu penso que eles pensam/sentem, mas será que não sentirão isto?'. (Isto sou eu a divagar e extrapolar.)
Quanto ao teu comentário, acho que também já fui assim. Muito contrariada pela vida, achava que era injusta, etc e tal.
Mas no outro dia na praia é que me apercebi 'Espera lá, eu não a acho horrivel. Mas agora é que percebo o quão bela é.'
E achei que era preciso falar disso, dizer a toda a gente que está triste e que acha que a vida é difícil e injusta que afinal não é assim tanto. Fazê-las pensar nos pormenores. Porque na realidade, são eles que contam.
Um beijo *

qel disse...

não que tenha sido aquele texto em expecífico, talvez me tenha expressado mal. Foi só o facto de ter ficado sem te ler durante tanto tempo e depois ter lido aquele texto, foi essa sensação que isso me transmitiu, que me fez ver o quanto é que gosto de te ler :)
E este teu escrito foi mais uma prova disso. Apreciei o facto de teres conseguido tão bem entrar na pele de uma mulher. Nada mal ;) *

Joana M. disse...

Acho que lhe estás a ganhar o jeito. O de entrar na cabeça de uma mulher, não o da escrita: esse já o tens desde que te "conheço".



O teu comentário fez-me sorrir. Temi que fosses julgar pela lamechice, o coração em demasia. E gostei de saber que me achas de tamanho coração e que não julgas. Eu acho que, um dia, sentirás assim: o coração a sangrar e tu a sorrires por isso mesmo :p

Anónimo disse...

Que textos tens aqui, adorei ler-te. Este último está muito bom, se bem que acho que independentemente de sermos homens ou mulheres somos pessoas, logo a coincidencia de sentimento é muitas vezes comum.
Gostei mesmo muito, parabens pelo teu talento. Virei aqui mais vezes:)

Um beijinho:)*

MafaldaMacedo disse...

A mulher é uma complexibilidade constante, e estives-te muito bem no desafio que te propuseste a ti mesmo. Adorei-o.

pecado original disse...

E para entrares na cabeça dela e reproduzires isto já foi muito bom. :)