Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


sábado, 28 de novembro de 2009

Mais um minuto...

Está sentado numa sala, com uma chave no bolso mais pequeno.Pingos escapam pelo tecto, a madeira range quando alguém passa, os passos são tão lentos que parecem parar para tentar ouvi-lo. Além das paredes há apenas uma janela com os vidros partidos, quando acordou e se viu fechado naquele quarto foi até à janela onde gritou e gritou, ninguém respondeu. Um megafone estragado, uma girafa sem cordas vocais, falta de ar nos pulmões. Deparou-se com um espaço enorme, um enorme buraco entre a sua janela e a seguinte, mesmo estando as duas divisões ligadas pelo tecto, o corredor timha desaparecido. Rouco, deu um passo matrás, e de seguida um murro na janela, espalhando não só vidros como lascas pelo chão e pelo váuco abaixo, folhas de Outono, penas ao vento, uma moeda a tilintar entre círculos. Com a mão em sangue, lascas e vidros, sentou-se. Cabeça baixa, com a cabeça num espaço entre as pernas flectidas, cotovelos nos joelhos, pingos no nariz, passos e respirações no ouvido, murmúrios, pequenas poças, uma carpete húmida. A sala parece-lhe ir diminuindo em àrea, e por vezes sobe as costas para se ajeitar. Ossos a ganhar posição, raízes que vão virando a cara um lado ao outro, terra para trás. O sangue já coagulou, e na sua cebça tem a imagem de cada traço da parede, indo de vez em quando tomando nota do quanto as parede diminuíem; tem a intenção de sair. Um hamster a rodar, um cuco que já não sai do relógio, uma torneira a pingar, uma folha de papel rasgada em duas, metade para cada lado, ao sabor das mãos. A chave não diminuíe, e está seguro de ela abrir uma qualquer porta naquela parede. Não sabe se, para a chave coincidir com trinco, ja deixou escapar o momento, se está a passá-lo, ou se ainda tem de esperar. Mas na parede ainda não viu nenhum, nem tem ideia do que esperar depois, se outras salas, se outros pingos, se outros passos, se... Um ramo que se junta, corridas, sorrisos que se ouvem e chegam ao inconsciente. Caso não encontre a fechadura a tempo, terá de saltar pela janela ou acaba esmagado, ficando minutos com as pernas ao lado das mãos, o nariz a aspirar a humidade do tecto. Pode ainda encontrar o espaço mas, no exacto momento em que a tenta virar, ela ficar encravada e ser impossível abrir a porta, ficando depois a vê-la quebrar-se. Folhas de Outono, penas ao vento, uma moeda a tilintar entre círculos. Um aquario sem água, uma montanha de areia, um icebergue que se aguenta do Polo Norte ao Sul.

1 comentário:

Maria Francisca disse...

Está mesmo bonito, Nuno.
Adorei quando falaste em rouquidão, e como descreveste.
Sim, ficou melhor, depois da tua ajuda e com alguma persistência.