Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Nada

Tinha frases bonitas para deixar aqui mas não
que diferença faz a sintaxe (e que desde a escola primária não
                                                                             [sei o que significa)
A escolha de palavras que possam aglomarar atrás delas centenas
tornando essas centenas invisíveis visíveis numa única máscara.
Jogos de palavras que só fazem sentido num determinado
                                                                               [contexto
sinceramente, não sei.


Tinha aquilo que alguns poderiam considerar, iludidos em relação ao meu propósito, conselhos.
(os quais nem eu sigo)
E mesmo que muito possa falar sobre eles
(o quanto já falei eu de amor, afastando-me dele?)
poderiam até - o mais certo - nem válidos ser.
Resquícios de dor em forma de flecha.


Tinha ainda frases que poderiam chocar mas não as ponho,
teorias apanhadas na rede, lado a lado com trutas e sardinhas.
Anseio por topos de montanhas gastas
só rocha e vento frio na face, sem os olhos conseguir abrir
(deles podendo dizer que se não os abro não é essencialmente por
                                                                                       [não querer)
Anseio por ilhas onde me perderia ao lado de animais cujo nome
                                                                                     [desconheço
areia a escapar pelos dedos, de repente a palma vazia
Anseio por tudo branco, como se duma qualquer primeira vez se
                                                                                              [tratasse.
(talvez esquecendo-me como qualquer primeira vez possa ter
                                                                                              [sido)


Cego, erro sem a nada tomar gosto.
Que posso saber sobre o mundo?
(que sabe o mundo sobre mim?)
Que posso saber sobre mim?
(sobre... quem!?)
Eu que do mundo posso dizer que quase não penso
e de mim quase nem falo, pelo menos de verdade.
(e curioso ao haver quem até das suas cobardias se orgulhe, anunciando-as bem alto ao mundo, talvez por parecer racional)
Trapos apanhados no chão para vestidos de palhaço.


Entro em rodas com o que no momento aparece
desgastando o que sempre por aqui cá esteve, rebolando por divisões.
Uma casa com paredes velhas que vão abaixo
deixando o que por dentro há contra ventos e chuvas,
as paredes que ainda restam cair,
ficando um chão com miragens por enfrentar.


Sem areia na mão, esses grãos que com o vento fogem
e me riscam a cara no topo de uma montanha
dizendo assim que não é no topo de uma montanha que estou.

Esse topo que, neste momento, até sei qual,
mas não vejo como o escalar sem nele criar deslizamentos se cair.
Um olhar desolador sobre materiais que me circundam e não
[voltam já
mais forte que qualquer fractura.

1 comentário:

pecado original disse...

Ler isto ao som de Element Of Freedom de Alicia Keys é melhor do que chocolate quente!