Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

I
Sentei-me.

Sons vieram dos cantos rodeando-me.
Com o braço atrás das costas toquei no trinco que não rodou.
Apalpei a superfície da qual um passo atrás tinha passado
e a porta era agora cimento, pequenas irregularidades frias. Parede.
No meio uma cadeira circular, pequena de madeira
cujos pés segredaram-me lascas ao sentar.

A lâmpada incandescente piscava em cima, falhando
curto-circuitos corajosos de aprisionar pequenos voadores no ferro que a revestia.
Na sala apenas aquele local era visível. Uma circunferência nos azulejos.
Uma gota caía e caía, correndo depois pelos canais.

II
Estava de cabeça baixa
e não me levantei quando do chão vi uma bola soltar.
Ouvia o ar a ficar para trás.
Voltava à superfície, beijando-a. Dado o impacto
saía novamente do meu campo de visão.

O toque fazia-me regressar.
Os olhos trocaram o vazio por aquele ponto
[ainda que inexpressivos de tamanha surpresa.  
Incapazes de se mover.

III
Cruzo ruas atravessando pessoas.
Prolongo em mente sons minúsculos, ináudiveis até então.
A faixa de gama normal é um único som, do mesmo jeito
os carros que por mim passam e as pedras que uma ficam atrás.

E das ruas não procuro setas e mapas para um tal monumento visitar
mas uma harmonia que não vejo e procuro sem dela estar certo
por nela me imaginar finalmente em paz. E ando, e ando.
A minha cara, para quem vê
não possui qualquer vida.

E a cada passo que dou só procura uma coisa,
ser um com quem minha alma roubou. Finalmente, a união negada.

IV
Onde está o meu passado? Os meus dias?
O tempo que é? Ah! que cadeira esta que se pega ao corpo
e o consome por dentro.

Os meus braços adoraria roubar aos joelhos (gesto de repouso)
E ao dá-los à face
da cadeira levantar-me.

Enfrentar cada medo meu
e deles tornar memória inconsciente.
Talvez até, no máximo, momentos de riso futuro.

3 comentários:

pecado original disse...

Vives em estado Boderline mas estás bem consciênte do quanto queres estar insconsciênte. Porque será que essa cadeira é tão pesada?

'stracci disse...

Levanta.te! Quanto mais tempo permaneceres sentado, mais difícil será depois ergueres.te.

pecado original disse...

Nuno não tens de perto nem de longe uma estrutura de personalidade Boderline, o termo foi só para ilustrar :)

Tu fazes-me pensar;)