Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


segunda-feira, 29 de junho de 2009

08-04-1994

Estavam sentados no jardim, ouviam música como de costume, uma roda com o rádio no meio, mas choravam. Chegou um amigo. Era ainda cedo, tinham estado numa festa na noite anterior, a ouvir a mesma música que agora, com o volume no máximo. Uma mulher não conseguia levantar a cabeça, ninguém dizia nada.
-O que foi?
Baixaram todas a cabeça.
-O Kurt...
O rapaz que falou não conseguiu acabar, desatou a chorar a meio. Na rádio acabou a música e contaram o que aconteceu. Kurt Cobain havia sido encontrado morto. O amigo que chegou caí no chão. Ninguém olhou, agora estavam todos de cara baixa, alguns abraçados. Uma mulher começou a falar:
-Ele era eu. Não me interessa que eu seja uma rapariga, ele era eu e muito mais. Ele era tu – apontou para o amigo que tinha chegado há pouco e que agora se tinha levantado - e todos nós que aqui estamos a ouvi-lo agora. Era o único como nós, apenas mais um no meio de tantos. Mas era a nossa voz. Não me interessa o que pensem de mim agora, não me interessa que me vejam a chorar, estou-me a lixar. Ninguém aqui teve de mudar de estilo, não teve de começar a fazer outras coisas para se identificar com ele. Ele já era como nós mesmo antes de ser famoso e continuou a sê-lo. Usava roupas velhas, dormia em qualquer lado, passava os dias com uma guitarra na mão em casa dos amigos. Sinto-me uma egoísta mas não conseguem ver o quão triste isto é? Nós morremos com ele. Não fisicamente e isso não interessa nada, mas agora estamos calados, para sempre. Mais valia nunca ter existido, mais valia pensar que era eu a única. Ele era só o Kurt Cobain e agora já não. E nem sequer o cheguei a conhecer. Não cheguei a saber quem era o Kurt...
Estavam todos com a cabeça nas mãos. Na rádio, passou a “Hear-Shaped Box”.


(Este texto demorou 3 vezes mais do que devia por ter parado vezes sem conta por umas irritações nos oljos, deve ser da chuva. Ele era só o Kurt, não o cantor que mais me ensinou sobre integridade artística, mas a pessoa. Era só o Kurt.)

P.S: Por favor, tentem evitar comparações.

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