Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


terça-feira, 16 de junho de 2009

Cabul

Cabul à vista

"Um rapaz afegão olha para Cabul do cimo de uma colina. A cidade construída para poucas centenas de milhar de pessoas agora acolhe uma população estimada em mais de quatro milhões, muitos abrigados em tendas ou casas de palha. Segundo as organizações internacionais, esta situação está a complicar os esforços dos refugiados para reconstruírem as suas vidas."
in Público

Ficção:
O meu irmão está agora lá em baixo, não sei a fazer o quê. Se logo calho em perguntar-lhe, bate-me e diz que não é nada comigo, sou muito novo e não passo dum inútil.
Não sei onde ele está mas pergunto-me se ele por acaso já esteve aqui - se lhe perguntasse, diria que só gosto de mariquices. A minha mãe tem medo que ele acabe como o meu pai. Eu mal posso sair de casa sem que ela me diga alguma coisa. Assim que tiver 16 anos nunca mais me metem a vista em cima. Um dia perco a paciência e bato-lhe. Duvido muito que já tenha visto isto. O Rashid, amigo meu e que ensina o Corão no Templo, disse-me que as raparigas são umas parvas. Eu concordo.
Olho para baixo e pergunto-me se o meu irmão já viu isto. Têm mais 2 anos do que eu, tempo suficiente teve ele. Agora mal para em casa, sou capaz de apostar onde vai.
Onde é que já se viu pior que a cabeça delas; não conheço nenhum homem que tenha medo de morrer - o Rashid não tem, ele disse-me. No máximo ficamos cá uns anos a mais para matar um ou dois americanos se for preciso - o Rashid disse-me que isso abre as portas do Céu. A estúpida da minha mãe é que não quer isso, diz que mete a mim e ao meu irmão - "um leva pelos erros do outro, vejam lá o que fazem" - porta fora se alguma vez souber que andamos nisso. Se ela soubesse...
Agora duvido um bocado que o meu irmão tenha aqui vindo - tenho de mostrar isto ao Rashid; mas ele já deve conhecer, è um Senhor! Ele contou-me das virgens quando morremos. È bem feito. Pensarei nos momentos em que a minha mãe me teve ao colo para ganhar mais raiva. Terão muita sorte se o máximo que eu lhes fizer for nem sequer lhes falar.
O meu irmão é que tem razão, colo é para maricas - e não há um único americano que não seja maricas.
Logo à noite, se o chegar a ver, digo-lhe que estou pronto para pôr a cinta de bombas - esta vista quase que nem notará. Ele vai ficar contente.

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