Ia para casa dum amigo quando a encontrei. Era de noite, talvez umas 10 horas, na rua mais ninguém, e via-a sair dum prédio. Parei de seguida, durante alguns segundos. Reparei nos cabelos compridos e soltos, sem conseguir diferenciar ao certo a cor mas certo que escuros, deveria ter uns metro e setenta de altura. Trazia um vestido solto, azul. A mão esquerda corria por um pequeno muro enquanto descia umas escadas, passos lentos e olhos na calçada. O muro num estilo mais clássico e que acabava num vaso.
Acabou a escadaria e virou-se na minha direcção, passos rápidos a ganharem vida dentro do vestido. Levava umas chaves a brincarem no indicador esquerdo. Soprou um vento e, enquanto os meus cabelos imóveis, os dela assaltaram-lhe à cara e consegui ver uma rasta, sorri. A mão que segurava as chaves foi acima e pôs os bandidos na ordem, a outra mão levava uma pequena mala castanha. À medida que me aproximava, os meus passos tornavam-se inexplicavelmente mais lentos e, para além da distância, ela continuava de olhar perdido e ocupada a brincar com as chaves. Deu-me uma vontade enorme de meter conversa, pensei na rasta e sorri de novo; voltei a olhá-la e as chaves a rodar, os olhos agora perdidos num gato umas janelas acima a pedir atenção, e o meu sorriso maior; pensei no que lhe poderia dizer e as minhas pernas quase que a inverterem sentido.
Havia agora uns 50 metros entre nós quando a vi entrar numa ramificação de carros estacionados, e parar diante de um. “Foda-se”, disse baixo, depois de pensar que se ia embora. Ela abriu um pouco a porta e com a porta veio uma luz de dentro. De repente, a cara mais clara, fácil de definir para quem capaz disso, a minha atenção ficou-se num piercing no sobrolho e novo leve sorriso da minha parte. A luz mais difusa e os seus olhos capazes de esconder o mundo, o vestido escorria-lhe pelo corpo e apercebi-me que era azul-claro, com um pequeno adereço que já não me lembro bem. Inclinou-se mais um pouco para se chegar ao assento e eu ainda com mais atenção. Acabou por entrar, deixando a porta aberta.
Baixei os olhos e o chão sujo, dei um pontapé numa pedra que saltava da calçada. "Qualquer coisa diferente", disse em voz baixa, e que agora preparava-se para sair de carro. Nesse momento, os meus pés mais esclarecidos apesar de eu afónico. Olhei o gato, ainda se encontrava na mesma janela, a miar da mesma forma. Na rua um ar baço, as luzes dos postes davam outro toque às coisas, um carro depressa a fazer notar o motor fora do sítio, fumo por trás dele, desapareceu à direita, sem o pisca nem o travão necessários à curva.
Aproximava-me cada vez e, ao subir de novo a cara, reparei que ela estava de pé, com uma mão a fechar a porta, (o barulho tão agradável) e a outra no telemóvel, provavelmente a escrever uma mensagem. O meu passo voltou a abrandar, engoli em seco, e deixei-me ficar a olhá-la, parada de frente para a porta. Ela deixou de escrever e pôs o telemóvel na mala, experimentou a porta a ver se estava fechada pois apercebi-me do barulho, levantou a cara e os olhos, de início baixos depois inteiros, na minha direcção. Baixei os meus e levei a mão direita à cabeça, "Diz qualquer coisa...", pensei.
Ao passar por ela, ouvia-a falar.
4 comentários:
tens razão, mas para mim por vezes faz-me confusão e dou-me maioritariamente com rapazes. para mim há que mostrar e dizer o que se sente, e não ser preciso alguem atento para perceber os bons sentimentos. mas verdade seja dita, até dá uma certa graça á vossa especie. ahah
Ah não tem problema, o blog não se queixa.
Tenho de vir cá ler-te com tempo, dei só uma vista de olhos, e a ver se faço comentários como "deve de ser" para variar um bocadinho!
Está maravilhoso, quero a parte II ! até me aconchegas-te a memoria, que saudades das minhas rastas, meu deus.
É a complexibilidade da mente humana, não esquesito, chamaria-lhe antes fascinante.
E comcerteza que espero, confio no teu bom gosto!
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