À sua frente o frio da rua, quase a beijar o chão, uma calçada cinzenta, com pequeno exemplos aqui e ali a quebrarem o ritmo, intromissões, basta uma mão mais desesperada e logo quadradinhos a mover, areia atrás a subir-lhe aos olhos; rasteja.
Vozes em cima, talvez abafadas por uma mão, um espaço a seu redor, caminha ao longo das vozes, risos, perguntas, exclamações. Alguém passa a correr e pontapeia-o, as vozes num intervalo de suspense, procuram ar. A pessoa do pontapé nem um olho atrás, não deixa de correr, leva um ramo de rosas numa mão e não deixa de consultar o relógio. O suspence acaba, as vozes regressam, por momentos mais fortes.
Alguém desce do lugar das vozes e transporta a barreira, com a mão tenta chamá-lo, batendo-lhe devagar no ombro, pergunta O que se passa, os segundos correm com o mesmo rastejar, nenhuma resposta, essa pessoa acaba por se cansar e virar costas, leva a mão ao bolso e consulta o telemóvel, vira-se de novo para a pessoa no chão e chama-lhe nomes, cospe-lhe em cima, vira-se e desaparece na multidão, há quem o siga, para qualquer uma das direcções possíveis. Neste momento o aglomerado é maior, a barreira está desfeita, há quem por pouco não o pise. Muitos perguntam o que está a fazer, o som à volta adensa-se. Os olhos estão, em geral, baixos.
Os braços começam-lhe a doer mas não para, sente os braços incapazes de parar. No lugar do pontapé já não sente dor. Torce-se numa esquina e por pouco não é atropelado por um carrinho de bebé, o bebé lá dentro acaba por acordar e começa a chorar. De repente dá um salto de impulso e lança-se para a passadeira, o sinal estava vermelho, um táxi passa nesse momento, no dia seguinte já ninguém rasteja e abre alas no chão por aquelas bandas.
4 comentários:
very well. loved it.
E permanece o silêncio. Esse nunca acaba.
:o a brutalidade das tuas palavras, Nuno.
Voltei - estou de pé.
acredites ou não, fez-me falta este teu ver. incrivel, como sempre :)
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