Estava ainda no corredor que dava acesso à sala, quando uma rapariga, que vinha do outro lado, levantou a cara e chegou-se junto a ele, beijando-o de surpresa. Não a conhecia mas o primeiro impulso fê-lo aproveitar e respondeu, aproveitou mais um bocado e deixou a mão direita cair-lhe pelas costas abaixo. Quando pararam e ela já sorria, olhou-a nos olhos e algo lhe causou impressão, algo de insaciável. Pensou que ela poderia ter acabado com alguém e arrependeu-se de ter respondido.
-È apoio? Se for preciso está uma cadeira ali atrás. - inclinou o corpo para trás e apontou sem tirar os olhos dela. Ela deu um passo atrás e olhava-o com vontade de vomitar, os olhos agora parados e os braços abertos à espera duma resposta.
-Estúpido. - e virou-se para a ver sair. Depois, levou a mão ao cabelo e percorria a sua cabeça, abanou-a ligeiramente e seguiu em frente, até à pista, onde mal entrou uma luz verde passou sobre ele e o obrigou a fechar os olhos.
Abriu um túnel no meio das pessoas que dançavam e encontrou um colega de turma. Este sorriu para ele e chegou a boca mais perto do ouvido dele.
-Queres ir beber um shot com o pessoal? - perguntou o colega.
-Já sabes que eu não bebo água.
-Deixa-te de tretas. Anda lá, tamos a fazer competição.
-Eu não bebo para fazer competição.
-Então bebes para quê?
-Para esquecer competições.
-Olha, vai-te foder. Se não queres não bebas que ninguém te obriga. Sempre com manias tu.
O amigo virou costas e ele fez o mesmo. Até à saída odiou a música que se ouviu e perguntou-se porque ainda continuava a vir a sítios como este. Mal saí, levou as mãos aos bolsos e encolheu-se o máximo por causa do frio. Virou uma rua à direita e viu um amigo dele que costumava por ali estar de noite, sentado nas escadas dum prédio ainda em construção. Aproximou-se, assim que o viu o amigo sorriu-lhe, ele fez o mesmo. Sentou-se igualmente nas escadas e, um pouco melhor abrigado, tirou as mãos dos bolsos.
-Frio, não é? Uma grande seca, só estraga o negócio. - disse o amigo. - Estava em casa a combinar as cenas com eles e calhou-me a mim. Mas já está quase tudo tratado, vai ser fácil.
-O que é que vão gamar?
-Um velho tem um mini-mercado ali adiante. O Paulo já trabalhou lá e disse que nem câmaras têm. E o gajo também não lhe pagou o ordenado.
-È o que deve com juros.
-Ora nem mais.
O amigo tirou a mochila das costas e apareceram duas ganzas já feitas, uma das quais levou com a mão à frente da cara dele.
-Queres?
-Não, deixa estar.
-Menino. Ainda estou para ver a primeira que fumas sozinho. - olhou para ele de novo, agora mais atentamente - Que se passa? Tás esquisito, pá.
-Não é nada.
-Se não é nada, é porque é alguma coisa, ou não? E tu é que és o homem das letras. Já agora, aquele russo que me emprestas-te, não me lembro agora o nome, foda-se, muita fixe. Era meio doido, não era? Mas vá, diz lá o que vai dentro dessa cabeça de vento.
-Dostoiveski.
-Ãhh?
-O autor que te emprestei.
-Pois, mas isso agora não interessa. Vá, diz lá o que te chateia.
-È uma rapariga.
-Ohhhh… Eu logo vi que havia aí saias. Eh pá, tens de deixar de pensar tanto, já te disse que elas não gostam de quem pense muito, é como se tivessem de ser sempre elas a mandar. O melhor é deixá-las falar e nunca, mas nunca, tentes percebê-las, é impossível.
-Deixas-me falar ou não? È incrível a quantidade de treta que te saí pela boca. Não te sentes mal com isso, tantas filosofias?
-Pronto, pronto. Já vi que estás de mau humor, fala à vontade.
-Estava a entrar na discoteca e veio uma rapariga na minha direcção, nem tinha dado conta nem nada, não a conhecia, acho que nunca a tinha visto na vida. - E contou-lhe o resto da história.
-Era boa?
-Não me lembro bem... mas sim, acho que era muito gira.
-E tu fizeste-a ir embora!? Estou lixado contigo.
-Não consigo deixar de pensar em qual seria o problema dela. E acho que agora ainda a lixei mais.
-O problema dela? O que gostava de saber é qual é o teu. Então uma gaja, e ao que parece boa, mete-se contigo e tu dás-lhe para trás. E se ela fez isso é porque sabia muito bem o que queria. E tu foste estúpido, por isso que te preocupas agora, se tivesses aproveitado não estavas assim.
-Tu não me deves estar a ouvir, de certeza. Eu não devia era ter-lhe respondido, nem depois ter dito o que disse. Acabava logo ali.
-Acabava para ti.
-E como é que eu podia adivinhar? Mas assim meti-me nisto. Pode parecer egoísta, mas se ela não me tivesse beijado acho que nem teria dado que estava ali. Mas agora não consigo parar de me preocupar com ela, dá-me vontade de correr os bares e discotecas da cidade toda à procura dela, pareceu-me toda lixada. E fazer o que fez não resolve nada.
-Mas quem és tu para dizer que não resolve nada? O destino pôs-ta á tua frente e só tinhas era de aproveitar, foi tudo o que o destino te pediu.
-Que se foda o destino! Não acredito nessa merda. Eu bem lhe vi os olhos, não me perguntes como mas sei que alguma coisa não estava bem.
-E sempre a dar no mesmo, estás sempre a inventar. Já pensaste que ela poderia querer apenas uma curte? Já pensaste nisso?
-Duvido muito. E não é só isso, é comigo também. Foda-se, sinto-me tão vulnerável. Bastou um beijo dela e fiquei logo todo maluco, não me consegui controlar, como se não estivesse em mim até lhe ver os olhos. Estive tão mal, não acredito que estive tão mal. E acho que o que lhe disse foi como que a responder a isso, a vingar-me de alguma maneira. Porra, só dá-me vontade de vomitar. - abanou a cabeça - E dizer tudo isto, porra, tu conheces-me, sabes que não sou destas tretas, sempre a falar, foda-se! E a culpa disto é tua, tu é que me fizeste falar e agora tenho de a encontrar. - abanava a cabeça, levou as mãos à cara e deixo-as escorrer pela face, subindo-a. De seguida levantou-se
-È assim pá, que é queres? Nada a fazer, um gajo não consegue resistir. Olha, dá mas é aí uma passa. - e pôs-lhe de novo a ganza à frente da mão.
-Deixa estar, não me apetece. Porta-te. - e saíu a correr.
15 comentários:
Descreves um ambiente como ninguém.
Ouvir? Até parece que quem esteve a falar só foste tu, e que estavas a ter um daqueles pseudo-discursos e que eu te estive a aturar.
Não te isoles tanto, pode ser que nunca te tenham cativado mas se o fizeres como cativar?
Vais ver, às vezes as pessoas parecem uma coisa mas no fim...
Olha, a minha melhor amiga, a Margarida C' (dos blog's) eu antes detestava-a. Não a suportava mesmo. Pintei uma pessoa completamente diferente da realidade. E no fim ela é hiper hiper hiper parecida comigo. (Mas não somos umas gémeas, isso seria enervante. -.-)
Percebes o que digo? :)
Tens que tentar, eu sei que é dificil.
Bolas, se fossemos gémeas não suportaria.
Conselhos? A sério?
Sim, eu quero que oiças. Vai fazer-te bem.
(Não consigo controlar a minha preocupação com as pessoas e o alcance do seu 'bem-estar', desculpa.)
Pessoas como eu? (Desculpa, mas quando me dizem isso nunca percebo. Sempre me achei... 'normal' (?) acho eu.)
Se estou bem assim agora sinto-me mais descansada, ahah.
Ideias? Muitas.
Tempo para todas..?
O teu e-mail comoveu-me, Nuno. Nunca pensei que te fosses dar ao trabalho, ao tempo de me dedicares algo assim. Foi um gesto tão bonito que não existem palavras para to agradecer. Surpreendeu-me tanto, sabes? Tu dás-me força. Tu não desistes de mim e eu guardo-te um imenso carinho por tal.
Um beijo da mulher que não desistirá de ti, vez alguma. ')
Se eu te disser tudo depois perde a piada
Não, não estiveste. Não te preocupes.
Estava cansada e fui dormir um bocadinho(dão).
A sério? Podias ter dito logo isso, mas percebo porque não o fizeste. Acho que sim.
(Por acaso é irónico dizeres isso hoje. Acabei a 2ª parte disso.)
Não, nada disso.
Nós antes nem eramos assim grandes amigos. Eramos só conhecidos do blog. Se quiseres, tudo bem.
Eu gostava.
Ai mas queres fazer a mesma históra com uma diferente versão?
Podemos criar outras personagens, ambientes, histórias, pessoas e enredos...
Dá-me o teu mail, é mais fácil.
Mas dá-me na mesma. É mais fácil falarmos por lá.
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