Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


sábado, 13 de março de 2010

Consciência do Fracasso

O sal apalpa-me o nariz, deixado como memória das ondas
- presente do Sol.

Da ondulação aos remoínhos podem ir meros segundos. Sinto o caos principiar. 
Preparo-me caíndo no barco - ao jeito dos cobardes -
deixando as tábuas pegar em canetas para nas minhas costas assinar.
Os olhos fecham-se, e nos ouvidos surge
o filme duma devoração que irá demorar.
E aos poucos vejo-o, as cenas aparecendo 
- obrigo-me a vê-lo -
ansiando por nele entrar, ansiando por o destruir.

E é esta a minha imaginação - tão desinteressante...

até esperar a chegada do orvalho
- notando-o ao raiar -
e que acaba por me despertar.
Onde dormi?

Tempo perdido...

Afasto - em tentativa - a maré dos meus sentidos
(Ela que tal como a brisa é de vontade própria.)
e na mão, em meu redor, nada encontro.
Uma venda que tento meter...

Um martelo já na minha mão, algo que a faça deter!
Que me lembre os rostos gastos que das avenidas escondem
(num prédio enfeitado de fendas uma criança sorri à porta)
e que apesar de tudo, de passo em passo, continuam continuam...

Sonhos em saco roto. No quartel dá-se o toque
e é confundir-me na rua numa marcha de soldados.

Algo que aniquile a minha sensibilidade
pois nesta ilha todos os olhares
- inclusive os dos mais apresados - me tocam. Todo e qualquer olhar

[me sinto incapaz de responder.
Nas minhas costas plana um falcão
[acompanhando-me o ritmo.
Alheia às hesitações que tomo 
[sobre qual rua subir.
Que calçada evitar, em que olhos me medir...

A noite pôs-se - de mau tom acordar as pessoas.
E não posso agora, como se nada fosse
estender uma mão vazia com um barco desfeito em plano.  - Desfeito por mim ou pelo mar?
Perdi! E nada mais me ocorre dizer.

Entregar-me-ei ao luar, às ondas 
neste barco que acabará por se desentregar - culpa dum fio de esperança? -
e até ao último momento em cima da tona
terei nas estrelas companhia imutável.

Acabará por restar uma fina cortina
- ao mesmo tempo porta -
duma cabana deixada ao tempo.
Cabana cujas janelas não suportavam ouvir a variação do vento

e não foram feitas para aguentar.

Na mente - e não só -
a imaginação do que poderia ter sido.
Enlouquecer pela vontade de regressar, - sou capaz de regenerar, um canto de pássaro ouvir
uma paisagem, um sorriso - da ângústia me soltar, viver!

Dum fio de seda cuidar... e nele crescer.
O mundo um novo rosto.

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