Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Reflexo

Por vezes desaparece, que efeito, e mesmo depois de ter estado deste lado, ora fugindo para um lado ou para um outro. As poeiras que se notam cair pela luz que escapa da janela escutam cada passo, movem-se em espiral depois de um suspiro maior, acompanhando-os até se transformarem num ponto que vai diminuindo no horizonte. Outras fica por perto, voltas e voltas sobre o soalho causando sombras e pequenos movimentos em velhos pedaços de madeira, noto aí as poeiras mais inquietas até que, distraído que estava pelo remoinho de pós, de repente surge e perpetua-se. Olhos fixos, os cabelos indo para trás obra de um movimento irregular por parte da mão, deixando-a por isso cair até aos lábios, onde dedos se cruzam e esquecem deles próprios, entretidos em reconhecer terreno, feições. Há pequenas inclinações por parte das pernas, o que me faz prestar novamente atenção ao raio de luz que vem da janela, até estas ganharem consistência e, então, ser o tronco o objecto em que a mão vagueia, sem que do olhar tenha existido um pestanejar, como se de algo mecânico embora, ao mesmo tempo, instintivo se tratasse. Senta-se, as palmas estendidas pelo chão, o olhar vago ocupando o espaço que fica entre os pés, escapando à parte que tenho estilhaçada ao nível dos seus ombros, pequeno segredo entre os dois.

P.S: Boas festas para todos.