Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


terça-feira, 30 de março de 2010

E olho para o ar - pois o ar agora é tudo.
O horizonte não mais uma linha
que delimita e outros locais esconde.
Mas o efeito duma caixa de lápis na mão duma criança
rabiscando dum lado para o outro.

Os raios de Sol em força nos meus olhos.
Sinto-me cegar.


O sorriso duma mulher é o sorriso duma mulher. Que mais poderia ser?
Do mesmo modo o canto dum pássaro escondido entre ramos não pode ser mais que isso.
( - Porque os distingo então? - )


Nos campos as balas deixaram-se abandonadas
[roubando o lugar às sementes.
Há minas que se descobrem a passo, e interiormente se ouvem.
À primeira vista... saí impune.


Mesmo as infiltrações que chegaram aos lençois de água
na aldeia os poços não deram sinais de veneno nos baldes que se tiravam.
[E continuam a tirar-se.
Abatimentos soterraram árvores.
Em fuga asas bateram dando outra cor aos céus
[poeira levantou-se.

Carreiros que passos foram construíndo com o tempo
ao efeito dum repetido pisar de erva que acalcou o solo
são agora simples traços em mapas antigos.


Preciso respirar.
Da confusão tirar o que me alimenta e fez feliz
[e recordar.
Sair desta terra saturada
na qual os meus pés se tornam pesados e mascaram-se no chão
[não os reconhecendo.

Já que agora sem rumo, simplesmente andar por uns tempos.
Celebrar espontaneamente a beleza.
Consiga respirar.

sábado, 27 de março de 2010

Àguas frias
invadem o meu corpo. Não é de meu poder evitar.
E por entranhas oiço pingar.


(Quem me ouve julgará que ao invés foi a lucidez a afectada
mas... como vejo! ]


O corpo - ele -
que se encheu de buracos
sem ao espelho dar sinal de qualquer mudança.


È raízes que - nas suas divagações -
tentam ganhar espaço em redor, usando suas extremidades.
Ventos que me percorrem
e seguem novamente a sua rota, do outro lado.
Chuvas que não é a pele que tocam,
aumentando as albufeiras das barragens.
Ao mal olhá-las
as nuvens sugam-me o ar dos pulmões. E de branco
passam a escuras carregadas, num céu infinito.


O chão das modernas cidades
é hoje impermeabilizado, e não aceita a menor gota
correndo ela para um grande monte, onde escondida do Sol e seus raios, leva
recordação folhas desprendidas e outros como recordação de caminhos
ao mesmo fundo labiríntico onde mesmo sem nada
acabaria.


Há zumbidos pelo espaço
e rostos que se assegura já terem sido vistos, mesmo não o sido
e mesmo que capaz de adivinhar seus movimentos.
Algo que sai das mãos
quando se apalpa no ar o vazio por mero apalpar
.e depois em concha pretende-se recuperar
o que em alto já vai.
O peso da gravidade
levando ao chão somente ramos secos e leves ervas verdes...


Fiquei contigo
sem ti.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Nunca antes as minhas lágrimas haviam corrido a face e pingado o chão, a minha boca fazer gestos estranhos ao ritmo de não-sei-o-quê, as minhas mãos não chegarem para o cabelo e os joelhos obrigarem-me a torcerem-me com a falta de ar a contorcer-me.
Só mesmo tu, atrás de prédios que não noto, não deixo de ver.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Chega a noite
(no asfalto o calor das rodas impregna-se. Dos vidros
poucos são os rostos que atentam ao passeio)
e as paredes do meu quarto concentram-se
um sólido que ao passar dos ponteiros menor.
As subidas ganham mais inclinação.
(Uma criança lança uma bola pela calçada acima e espera que volte atrás.)

Ao fechar os olhos - por impulso! - o vazio ouve-se mais.
Como um folha de papel arremassada ao lixo e que no movimento ganha asas.
A distância faz as vozes que na minham mente surgem
mais ímpossiveis de reencontrar.

Surge a vontade
de simplesmente errar pelas ruas...
Passar prédios - não interessam quais... - e ser cruzado por carros.
Ver rostos -mesmo sabendo que os que se deseja não encontrar.
(Sucedem-se olhares aos quais não respondo...)
Longe, deixar o que o mundo manda fazer. E num jardim
entre as folhas que nas minhas costas caem, sentar-me.

Tentar com que o fogo que dentro mim mesmo sem oxigénio alastra
- e que pelas divisões invade em fumo -
não vá somente pela resposta fugaz de abrir as janelas.
 - Como sem o sonho deixado para trás - 
O verde tende a passar, a água falha em alguns cantos, os pombos levantam voo ao passar. 
Nas paredes que ficam infiltrações deixam-se...
por buracos perigosas correntes de ar.

sábado, 20 de março de 2010

Dor

Doí-me o coração, ultimamente têm-me doído cada vez mais, e desta vez não é metáfora nenhuma. Fisicamente sinto-o a pedir ajuda ao resto do meu corpo, a ter cuidado com movimentos rápidos, a tentar não me dobrar tanto, evitar esforços também - eu que até foi o melhor nas corridas de resistência na minha turma, e ainda esta semana cheguei a surpreender o meu irmão e algumas pessoas que estavam por perto durante um sprint que fiz.
O músculo que me doí é apenas esse, parece implorar por mais espaço, ou simplesmente deixar-se fluir. Talvez esteja a sarar, ou então pode ser o vulcão a libertar as últimas lavas, não sei. O que sei é que A amo mesmo muito, mais do que suspeitava, e agora não posso fazer nada por isso, agora já não. Parece-me ainda que, no único momento que me foi realmente concedido para fazer alguma coisa, era eu que, a meu entender, não podia. E assim, o silêncio que sempre imperiou e poderia ter criado um vasto reino, espalhou-se desornadamente pelas ruas, não deixando qualquer indicação. Com as pedras da calçada a caírem à minha frente, num espaço vazio que se abre sempre que possa tentar um mudar de direcção, apesar de vê-las no instante antes. Nem me atrevo sequer a tentar baixar-me e segurar uma nas minhas mãos a ver o que acontece, não me atrevo a desorganizar ainda mais.

"Por delicadeza perdi a vida." - Rimbaud

quarta-feira, 17 de março de 2010

Do canto onde estou escapam vazios.


Há bolhas que se soltam afastadas de mim
e deixam um espaço que se estende na atmosfera.


Os objectos afastam-se
do meu canto vejo objectos e mais a afastar-se
e o vento que trazia folhas na minha direcção mudou agora de direcção.
- Para onde?


Comigo a contorcer-me
a tentar ganhar espaço às paredes
com os dedos a raspar o soalho.
- Oiço as minhas unhas a provocar eco na divisão em baixo.

Na àrvore do pátio há um vidro em seu encontro...
Uma folha que se espalma
- que por corte se desprende, luz a mais incendeia, falta de espaço fica sem ar -
e luta para se manter verde.

Smokers Outside the Hospital Doors

sábado, 13 de março de 2010

Consciência do Fracasso

O sal apalpa-me o nariz, deixado como memória das ondas
- presente do Sol.

Da ondulação aos remoínhos podem ir meros segundos. Sinto o caos principiar. 
Preparo-me caíndo no barco - ao jeito dos cobardes -
deixando as tábuas pegar em canetas para nas minhas costas assinar.
Os olhos fecham-se, e nos ouvidos surge
o filme duma devoração que irá demorar.
E aos poucos vejo-o, as cenas aparecendo 
- obrigo-me a vê-lo -
ansiando por nele entrar, ansiando por o destruir.

E é esta a minha imaginação - tão desinteressante...

até esperar a chegada do orvalho
- notando-o ao raiar -
e que acaba por me despertar.
Onde dormi?

Tempo perdido...

Afasto - em tentativa - a maré dos meus sentidos
(Ela que tal como a brisa é de vontade própria.)
e na mão, em meu redor, nada encontro.
Uma venda que tento meter...

Um martelo já na minha mão, algo que a faça deter!
Que me lembre os rostos gastos que das avenidas escondem
(num prédio enfeitado de fendas uma criança sorri à porta)
e que apesar de tudo, de passo em passo, continuam continuam...

Sonhos em saco roto. No quartel dá-se o toque
e é confundir-me na rua numa marcha de soldados.

Algo que aniquile a minha sensibilidade
pois nesta ilha todos os olhares
- inclusive os dos mais apresados - me tocam. Todo e qualquer olhar

[me sinto incapaz de responder.
Nas minhas costas plana um falcão
[acompanhando-me o ritmo.
Alheia às hesitações que tomo 
[sobre qual rua subir.
Que calçada evitar, em que olhos me medir...

A noite pôs-se - de mau tom acordar as pessoas.
E não posso agora, como se nada fosse
estender uma mão vazia com um barco desfeito em plano.  - Desfeito por mim ou pelo mar?
Perdi! E nada mais me ocorre dizer.

Entregar-me-ei ao luar, às ondas 
neste barco que acabará por se desentregar - culpa dum fio de esperança? -
e até ao último momento em cima da tona
terei nas estrelas companhia imutável.

Acabará por restar uma fina cortina
- ao mesmo tempo porta -
duma cabana deixada ao tempo.
Cabana cujas janelas não suportavam ouvir a variação do vento

e não foram feitas para aguentar.

Na mente - e não só -
a imaginação do que poderia ter sido.
Enlouquecer pela vontade de regressar, - sou capaz de regenerar, um canto de pássaro ouvir
uma paisagem, um sorriso - da ângústia me soltar, viver!

Dum fio de seda cuidar... e nele crescer.
O mundo um novo rosto.
Do you love me?
or
Do you hate me?

Não consegues usar a indiferença. Nem eu...

terça-feira, 9 de março de 2010

Angústia

"Será possível que Ela me faça perdoar as ambições continuamente esmagadas, – que um final feliz compense os anos de indigência, – que um dia de sucesso adormeça sobre o vexame de nossa fatal incompetência.

(Ó aplausos! diamante! – Amor! força! – maiores do que glórias e alegrias! – de qualquer jeito, por toda a parte, – demônio, deus – Juventude deste ser; eu!)

Que os acidentes de feitiços científicos e os movimentos de fraternidade social sejam queridos como a restituição progressiva da sinceridade primeira?...

Mas a Vampira que nos faz gentis nos manda divertir com o que ela deixa, ou então que fiquemos mais malandros.
Rolar até ferir, pelo ar e mar exaustos; até os suplícios, pelo silêncio do ar e das águas mortais; até as torturas que riem, em seu silêncio atrozmente encrespado."

Arthur Rimbaud

I`m strange



People are strange when you're a stranger
Faces look ugly when you're alone
Women seem wicked when you're unwanted
Streets are uneven when you're down

When you're strange
Faces come out of the rain
When you're strange
No one remembers your name
When you're strange
When you're strange
When you're strange

People are strange when you're a stranger
Faces look ugly when you're alone
Women seem wicked when you're unwanted
Streets are uneven when you're down

When you're strange
Faces come out of the rain
When you're strange
No one remembers your name
When you're strange
When you're strange
When you're strange

When you're strange
Faces come out of the rain
When you're strange
No one remembers your name
When you're strange
When you're strange
When you're strange

domingo, 7 de março de 2010


O mar em frente solta espuma nas rochas.
Em riste os olhos na cor branca
que dança pela orla. O ar está seco.

As ondas o horizonte finda
em finais de tarde propícios ao alaranjar da água.
E o Sol é como uma boca que vai morrendo
enquanto em terra o sal se impregna nas fendas.

E do alto do declive
a cadeira principia a tornar-se pesada
e o vento - desordeiro como só ele -
tenta os ouvidos -  provoca os cabelos que se movem em resposta -
e pela planície os olhos procuram (nem que apenas por hipótese)
abrigos.

E entre os dedos
escapam areias e terras, grãozinhos que mostram textura à pele 
e que pelo solo se pisa.

Haja o contacto com as ondas
que pelo declive devem galgar e vencer o abismo
(sem contudo o derrubar)
e já livre do sal que corroí
suavemente refrescar.

Entre ventos e marés...
um simples canal. Próprio.



Foto encontrada neste excelente blogue.
(E grande parte da inspiração também.)

Uma excelente cena, dum excelente filme

O cinema é, na minha opinião, acima de tudo o jogo de imagens na procura de algo, o que quer que se queira ou não transmitir. Estas, a meu ver, são daquelas que se podem encontrar no final do arco-íris.

sábado, 6 de março de 2010

Uma folha levada dum ramo seco
que no chão acaba por se desfazer.

Pequenos fios lutam por manter-se
(como um rio a secar visto de cima e seus afluentes)
dispostos em espinha entre outras tantas folhas
(pequenos restos de madeira, pedras)
seres vivos que em trânsito deixam marcas. 


Sem matéria (a folha)
tomando em atenção o vento
pelaa esperança de nele uma voz, uma mudança de direcção...
que à arvore a acabe por fazer voltar.

Do quanto se despiu
ficou nos fios a lembraça da cor que era
e a noção do verde que pode ser.
No chão com risco de se decompor
suspensa o sentimento de prisão e influência do vento.

Ligada à árvore, a plenitude dos seus fios.
Um contínuo rejuvenescimento
[e cor.

quinta-feira, 4 de março de 2010

A Fronteira do Amanhecer

Felizmente, evitei que adormecesse, pois tal como sou o meu final poderia ser parecido. Além de evitar ainda muito...



P.S: Já é o terceiro filme que posto onde entra este actor. Claramente um dos meus favoritos, não só por entrar em bons filmes.

quarta-feira, 3 de março de 2010

...e caso alguém se tenha mantido invicto, a bandeira branca que ainda lhe noto atrás das costas - mesmo agora com as minhas armas em repouso - diz-me que a porta ficou, talvez, apenas semi-fechada. E se o que em tempos vi e permitiu a criação de telas, no silêncio continua a aparecer e sorrataeiramente cria um sorriso em mim, então posso dizer que os horizontes se alargaram, por trás dos montes estou seguro que os riachos não cessaram. E nenhum rio em que agora me refresque, sei que terá o pH concordante. Deixarei de lado a descalibrização, pois mesmo que em outras águas consiga não só entrar a fundo mas também aumentar a sua biodiversidade, não demorar até os riachos me aparecerem em mente, com as luzes que à noite a Lua e as estrelas nesses espelhos reflectiam.
Apenas nessas chamas, o frio não aparece. Somente nessas águas, me sinto em pleno para boiar. Nem que o risco de mergulhar em cinzas se torne real.