Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


terça-feira, 27 de abril de 2010

Artérias ganham a forma de espinhos, vias nasais de repente insuficientes, pernas não habituadas ao toque da calçada que juntamente à força do vento torna-me irriquieto, mas facilmente derrubável. O sistema nervoso um assador, o calor concentra-se no meu pescoço, sustento toneladas pelas costas. Vejo-me concentrado num quadrado, e de olhar baixo vou largando uma bola de papel amarrotado e vê-la subir e descer, começa a parar e devolvo-a ao ar, tentando tornar mais fresco o ar, imperceptível o Tempo.

Atmosphere

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Olhei para o lado e reparei em mim, a saltar da arriba. O movimento, com certeza ele, denunciou-me e fez os meus olhos, por breves instantes, levantar. Ficou somente a paisagem inicial e uma pequena marca onde anteriormente estiveram os pés, e deixei-me permanecer sentado, com o cabelo a servir de molde ao vento, enquanto no mar o meu corpo entre ondas e rochas se afogava, tocando e ouvindo a espuma que se havia formado.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Actualmente não consigo fazer o simples relato dos sonhos que banalmente tenho e as situações que de improviso imagino, pois acabada a primeira linha o sorriso dá lugar a gotas que me moldam a face.

As ondas deixaram o lago
e nestes momentos os pássaros voam a rasar.
As gotas não mudaram na nascente
e entre as rochas, escorrendo
são como um atestado à eternidade.

Mas do céu nenhuma gota
e o tom que escureceu as nuvens nos últimos meses continua
Observando na foz sedimentos que ficam.
[Cobertos no fundo ou expostos no areal.
E numa superfície de cristal
 - Um grão de areia ao Sol? -
pequenos tornados começam duma brisa.
Enchendo-a do gênero de folhas
que em Outonos caiem e correm como em sopro
na direcção do mar.

Deveria furar as coberturas.
Dar marteladas nos meus dedos
cozer a minha boca.
Pelos mesmos poros que em tempos crivaram a respiração
soltar o constante noveiro
- ouvindo em altifalante os agudos assobios do vento.

Que me destrua agora
ou algo...

sábado, 17 de abril de 2010

Àguas vão vertendo
e no interior já há as flores que secam.
Grãos aparecem com o levantar dos dedos
passando à mão um toque áspero.

O solo abate
e aquando de passos mais apressados
descola-se a rocha.

E o ar lembra o dos desertos
com seus montes despidos
e miragens ondulantes
[aumentando com os passos.
Posto o Sol
observo estrelas e imagino´
até das areias deixar de ter distinção
e ocupar espaço.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Levantei os olhos
e por detrás dos cabelos que abanavam - como troncos ao ventos
vi um areal ao horizonte
[comigo ainda em alto mar.

Os meus braços interromperam as suas braçadas
[e por segundos fiquei suspenso
com a boca criando bolhas
pelas pequenas ondas que me faziam subir e descer.
E ao ritmo da ondulação
também a ilha com as suas montanhas
[elas que capazes de esconder as nuvens
usa o processo de se mover.

E a esta distância
imagino-me deitado
[com o Sol a relembrar-me a existência de pele
e de olhos focados num ponto do céu
encontrando imagens da viagem até à areia chegar.

Sal a cortar os braços
raios a avermelhar as costas
olhos em nervos...

Retomado o corpo, o que ver?

terça-feira, 13 de abril de 2010

Não é que esteja destruído, mas apenas num outro estado.
"Eu é outro."* Consiga chegar-lhe.

*Rimbaud
O vento moldava-me o cabelo em correntes
e a areia que da terra se soltava
roçava como faca pelo meu corpo.
O ar quente dificultava-me a respiração
e o mar ali em baixo.
[Saltei.

Ouvi-me perfurar ondas
e na minha memória, em fragmento
a espuma que deixava para trás
 largando-se como um monte de folhas apanhado no chão
[caíndo noutro lado.
E simplesmente tornei-me nadador
sem sentir a diferença em respirar
ou o toque de águas frias
[o meu peito manteve-se quente.
com orgãos e ossos gritando-me para saltar.

Neste momento fiquei em reconhecimento
[levado com a maré para longe da costa, onde
longe de arribas somente no horizonte me deixe levar.


domingo, 11 de abril de 2010

Agora ando com o vento
e sou um saco que se levantou à sua mercê
[e sem rumo roda.

As ruas não têm mais nome
nem as cores se diferenciam - apenas cores e ruas.
Eu que era capaz do mundo alienar-me
e mesmo entre multidões passos e conversas chegava ao silêncio
[e sonhava
tenho agora todos os sons do meu corpo
a escaparem sem saber para onde.

A respiração tornou-se insuficiente
e vejo prisões em todo o lado.

- A sensação de nunca mais ver o Sol a descoberto
e a brisa que do jardim vinha e enchia os pulmões. -

A atenção separou-se da alma
e tornei-me aliado da dor.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Passado
deixas-me esquecer-te?

Em sonhos mergulhar.
Livre da prisão em que me sinto
e do peso que no peito encerro.

Quero correr, preciso correr
[sem sinal ver.
Atingir a mete já sem as pernas
e sentir que se poderia continuar para sempre.

Esquecido
sentar-me numa grande rocha
vendo as águas do rio correr.