Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


domingo, 22 de março de 2009

Fim

Este é o último post do meu blog. (Nem nunca mais terei outro - promessa)
Não cheguei ao concorrer ao Prémio José Luis Peixoto. Eu, como bom tuga que sou, deixei tudo para o fim. Os tinteiros falharam e não tinha uma pen à mão, não imprimi. Não me importei. Aliás, para quê? Vou deixar as coisas como estão e fazer tudo clandestinamente. Lembro-me do grande Lobo Antunes que depois de fazer um livro leváva-o junto a uma arvore que tinha no jardim, acendia um fosfóro, e ficava a ver aquilo arder ajeitando as folhas com o pé para não restar nada. Comprava outro caderno e aí ia ele, lutando sozinho contra as suas palavras, longe de tudo. E isso é maravilhoso. Segundo ele, esperou que um feto desse um salto dentro dele e aí veio a Memória de Elefante, Os Cus de Judas, O Conhecimento Do Inferno, todos seguidinhos.
Apenas quando sentiu essa diferença decidiu-se a publicar. Tinha 37 quando saltaram cá para fora, começou a escrever aos 12. Aos 14 mandou uns textos para um sitio chamado Antologia das Revelações, ficou assustado quando viu a qualidade daquilo e nunca mais mostrou nada a ninguém durante esses anos. Diz que com o tempo foi aprendendo a descobrir a diferença entre livros bons e literatura fácil, ficou assustado. Depois, viu a diferença entre obra-prima e livros bons, aí foi o desespero total. Hoje, se não ganhar o Nobel, dou um tiro a cada um dos menbro do Comité. Não fica nada a dever ao Saramago; aliás, ultrapassa-o a brincar. E nas letras portuguesas, apenas Camões, Garret e Eça o superam, não tenho a menor dúvida.

Quanto a mim, espero que o meu feto não demore muito se chegar a vir, por vezes tenho medo de ter começado muito tarde, nem um ano disto tenho. Tenho apreendido umas coisas que ainda não mostrei a ninguém, algumas vieram dele, outros de Dostoiesvski, outras de Musil, outras de Hemingway; outras da Rita com o blog Moonlight Serenade - a primeira amiga da net a quem mostrei os textos e que logo que viu o seu blog; e o outros textos que me mondou e tenho bem guardado; fiquei aterrado;outras da Catarina com o seu blog Cherry, e onde me divirto imenso;outras da V que têm o blog, Parrots and Lions, mais culto e actual que conheço; outras da Joana com o seu, de facto, Coração em Demasia; outras da Baby Piggy - que, para além de me dizer qual é o seu verdadeiro nome, deve-me um murro na nariz e uma descrição hipotética da minha pessoa, olha ela a pensar que me esqueci - com o seu excelente (Coração?); e muitas da Maria, do blog Como Uma Apostrofe, que é de longe o melhor blog que eu conheço, como eu já lhe disse muitas vezes, é magia o que ela escreve, acredita, aprendi mesmo muito contigo, a forma como descreves o que sentes é muito original, espero que um dia publiques pois acho que terás muito sucesso.
Muito obrigado a quem viu este blog. Eu andarei por cá, a espionar de vez em quando os blogues que referi em cima. Eu preciso mesmo de fazer isto, desculpem.
It´s Hard to Explain:

quarta-feira, 11 de março de 2009

"São rosas senhor"

Um amigo contou-me que ia a passar na rua e de repente viu um homem a ralhar com um indiano a vender flores enquanto andava de costas
-vai mas é trabalhar. È por causa de pessoas como tu que isto está assim, só vêm para cá roubar
ia tão orgulhoso que não reparou noutro homem que ia passar mesmo ao lado dele, sem uma nem duas espetou-lhe logo um gancho de direita que o fez cair, mandou-lhe um soco com a esquerda no estômago e quando ele se preparava para se recompor disse-lhe
-mas alguém te mandou levantar? O senhor chegue aqui que este animal deve-lhe um pedido de desculpa
juntou-se uma grande roda ao lado dos três e lá acabou por pedir desculpa, olhando muito seriamente o chão. O homem que lhe bateu continuava a segurá-lo e perguntou-lhe
-sentes-te rebaixado?
-sim
espetou-lhe um carolo na cabeça que o fez cair outra vez e voltou-lhe a perguntar
-sentes-te rebaixado?
-não
havia já quem se preparava para ir embora até que lhe voltou a falar
-estás rebaixado?
-não
voltou-lhe a dar um carolo e repetiu o mesmo
estás rebaixado?
-sim
o homem ficou agachado no chão até todos irem, o indiano voltou a vender as suas rosas, o outro foi-se embora sem olhar para trás.
(vou tentar pôr mais do que tenho feito, mas ainda tenho de rever umas coisas)

quinta-feira, 5 de março de 2009

E não fosse o vento nem tinha piada...

(Atenção: não levar a sério novamente)
È engraçado como quando leio Dostoievski me dá sempre uma súbita vontade de congeminar secretamente raciocínios absurdos
(aparvalhar é o termo técnico)
e se a isto junto uma ou duas crónicas de Lobo Antunes aí é que o caldo se entorna. O que vai um pouco contra a corrente dos seus leitores habituais. A verdade é que Dostoievski construi tão bem os seus textos que ao mesmo tempo me faz sentir inteligente
(coisa que não sou)
e burro
(desta característica tenho cerradas dúvidas)
ao passo que Lobo Antunes me dá vontade de gozar com pseudo-intelectuais que se vão destacando nas mais diversas áreas do conhecimento
(vai desde remotas especulações filosóficas até à melhor forma de assentar tijolo, não esquecendo em momento algum a política aos seus apuradíssimos gostos artísticos)
destes senhores, nunca esqueço os que se aventuram a escrever e por uma razão que me passa totalmente ao lado tentam sempre definir a vida em meia dúzia de palavras, o amor idem, a solidão idem, … idem, etc idem, nada idem. E nisto continuam, por vezes acompanhadas com promessas mirabolantes como
“10 maneiras de encontrar o amor da sua vida (ilustrações para totós)”
“tenha tudo o que pretende renegando o mal que há em si (técnicas de relaxamento e sessões de espiritismo grátis – números na contracapa com estabelecimentos em todo o país)”
como é obvio estou a inventar. È obvio que sou eu que estou errado. Aliás, tendo em conta estes títulos e o facto de não os tomar em consideração posso presumir de onde vêm todos os problemas que me apoquentam e como estou errado nos meus desígnios. Já que o meu sonho de frase é algo do tipo:
“Se Deus pilhasse Deus a jeito pregava-lhe uma sova e peras”
(brincadeira minha)
pois com toda a certeza seria algo do género:
“Eu não bebo água porque os peixes têm relações lá dentro”
Mas de facto, e não querendo fugir ao tema
(eu que tantas vezes fujo ao tema)
ando esquisito, não sei, algo está diferente. Talvez seja por me privar da Vodka a um tempo mas não quero crer, decerto que é muito mas que isso
(tem de ser muito mais que isto)
se não nem a minha vida tinha sentido
(das coisas que me lembro, tentar dar sentido à minha vida com uma bebida…)
Bem, mas isso agora de pouco importa, o que quero mesmo dizer é que passei o dia todo a relacionar tudo o que via com lógicas completamente absurdas. Ora querem ver?
(pouco vale se não querem)
para começar, hoje estava inspiradamente irritado
(não, irritado não)
humorado, digamos. A verdade é que me enchi de humor sórdido na véspera devido ao meu Dostoievski e com uma subtil indiferença era facilmente capaz de irritar quem me chateava
(e como isso me deu gozo)
de forma que os obrigava a serem também subtilmente indiferentes mas com a diferença de apenas eles se importarem
(e isso sim é que me deu um especial gozo)
enquanto me torcia de tanto rir por dentro. E se por algum motivo me exigissem um pedido desculpa
(não exigiram)
eu é que os exigiria a eles por não perceberem a minha necessidade de afastamento, pois na verdade a culpa de estarem irritados era deles
(e como isto me continuava a animar, por momentos sentia-me diferente)
para então depois, aí sim me desculpar.
Outra das minhas brigas do dia foi com o vento
(não sei se repararam mas eles hoje estava demasiado trocista, senti-me traído)
além de me fazer notar em coisas absolutamente espantosas, enquanto seguia triunfalmente contra a sua direcção mesmo que tivesse de fazer um caminho mais longo, a minha inteligência seguia o caminha contrário, ou seja, estava a ficar cada vez mais estúpido
(o que me valeu foi aperceber-me que não era a inteligência mas sim o cabelo e outras partes circundantes)
mas a verdade é que durante momentos pareceu-me que era capaz de seguir em frente ao ficar cada vez mais estúpido
(tentem lá agora refutar esta lógica)
isto encheu-me de coragem e quanto mais esse titã se agigantava mais eu ia com força
(nunca me reneguei)
razão que me fazia dar quase um salto quando ele baixava de intensidade
(só para ter uma pequena amostra de quem estava a enfrentar)
e esses passos que dum momento para o outro se agigantavam davam-me a ideia de transpor o tempo, coisa de 27 milésimos de segundo
(vejam bem a minha precisão, recorde-me perfeitamente de cada momento pois no fundo foi essa a minha mais gloriosa vitória)
que me dá a ideia de poder morrer feliz pois mesmo que nunca consiga escrever como Musil ou fazer a versão contemporânea de 100 Anos de Solidão, já me sinto vingado do mundo
(e na verdade, que maior propósito pode um homem ter)
muitos sonham em prevalecer com o tempo, pois bem, eu antecipei-me a ele, o que me dá a inegável ideia de ser mais importante.
Bem, mas como viram, até agora nada de anormal. O estranho mesmo é pela primeira vez da minha vida me dar para me sentar num banco, agarrar na caneta e escrever como se não estivesse mais ninguém por perto. E se por acaso alguém disse alguma coisa
(desta vez também não disseram, começo a achar que tenho um ar feroz)
apontava para umas bolachas que tinha desencantado num supermercado por serem baratas e mentalmente mandava-os ir passear. Aqui o insólito foi um pouco que não devia à Natureza mais de 8 anos a avaliar pela sua estatura e que acompanhado pela mãe seguia imediatamente atrás de mim na fila a pedir-lhe baixinho
-mãe, queria um chocolate
e eu que estava mesmo para apanhar um desisti quando a mãe lhe disse que não, não seria capaz de suportar tal injustiça na minha cabeça
(quer dizer, não eu, o puto)
mas depois pensei melhor e decidi levar um que era olhado com veneração pelo puto e um certo despeito da minha parte. Sentei-me calmamente no banco que ficava mesmo defronte à saída e esperei que ele saísse para tranquilamente começar a desenrolar um Mars, estou certo que só não decidiu ir ter comigo e em menos de três tempos por-me no chão por me considerar um ser inferior, alguém que nem por consideração ou súplica se aceita espancar,
(um caso perdido digamos)
pois os olhos dele espelhavam toda essa certeza. E se não fosse a mãe a puxá-lo não tenho dúvidas que ainda me apontava a língua. A sorte que eu tenho.
E até agora foi isto, mas daqui a pouco há mais Dostoievski e talvez mais peculiaridades.
(não esquecer que o dia ainda não acabou)

quarta-feira, 4 de março de 2009

Nunca soube porquê

(Atenção: Não levar a sério)
Não sei porquê mas sempre tive uma especial admiração por raparigas magras, não de grande estatura, preferencialmente loiras ou dum castanho claro, sentadas de forma desorganizada, isto é
sem se sentar, algo o fazia na sua vez, como um outro corpo para libertar a alma
pois o olhar escondida-se em pontos que mais ninguém vê, como se tivessem um comando com o botão
"Pause"
mentira, "Pause" nenhuma, apareceu-me isto sem querer e não me apeteceu tirar, talvez até possa ser um palavra noutra língua - isto em mandarim ou checo, quem sabe? - e como eu só conheço as que usam nas máquinas: o inglês, que só por si me parece uma lingua mecânica
(Meu Deus, era capaz de pagar uma promessa só por ser português e ter esta maravilhosa língua)
talvez meta um
"Stop"
ou uma outra coisa qualquer, agora não interessa
e desligavam-se de tudo isto. Depois imaginava-me a ir ter com elas,
ou melhor, no caso que imagino: com ela
e na pose mais estúpida que no momento e sem explicação possível se apuderava do meu corpo e eu incapaz evitar, atirava com isto para completar
-por vezes também gosto de estar assim sozinho
e ficava à espera que depois dessas "mágicas" palavras de imediato se interessa-se por mim e começavamos uma grande discussão filosófica sobre o papel do horizonte na solidão, mas ela, tal como todas as mulheres, têm um poder estranho que mesmo sem fazerem por isso acabam sempre por controlar tudo, o que no meu caso acaba sempre por dar cabo de qualquer plano
-Ai é?
ou seja, traduzindo
«o caramelo que me calhou»
isto seria o mais certo se alguma vez me desse na cabeça tal aventura, felizmente tenho uma coisa em mim chamada bom senso que uma vez por outra me impede de passar figuras tristes. Até porque se visse bem, estava a ir contra o que dizia
-Ah tu gostas de estar sozinho
e eu sem nada dizer pois como sempre nada digo
-ninguém diria
mas digo eu e é verdade, mas vá-se lá perceber, nunca acreditam em mim mesmo que diga
-se for como dizes até nos podemos entender
vendo as minhas hipoteses a diminuar tentava perceber o que pensava
«otário»
e eu
«ou inventas agora alguma ou»
«otário»
enrolava as mãos e ela a desistir de mim
«vens aí com falinhas mansas»
eu
«podia dizer-lhe que me percebeu mal...»
não, nada disso se não parecia igual a todos os outros
«são todos iguais»
o que me levava a defender
«eu sei que não sou igual aos outros, inventa uma rapaz»
mas sem inventar, ela
«já ias, não?»
eu para comigo
«és sempre a mesma coisa»
neste momento desvia a cara confiante do seu raciocínio
«estúpido»
nisto eu
«até parecia uma rapariga fixe»
de modo que não tinha outra solução que não ir embora e crucificar-me
«estúpido»
isto já com ela de volta aos seus pontos, eu de novo
«estúpido»
com os meus amgigos a rirem-se pelo meu regresso apressado
-não percebes nada disto rapaz
(eu a imaginar pedras na minha mão para lhes atirar, havia de os fazer correr!)
e isto vindo de quem anda a chatear as amigas da irmã mais nova
-tens muito para aprender
e esse
-tens muito para aprender
isso sim é que me chateava à seria.

terça-feira, 3 de março de 2009

Estudos sobre Pintura

Na faculdade onde ando existe um curso de Artes Gráficas e hoje houve inúmeras alunas que vieram para o jardim pintar, mas uma despertou-me expecialmente a atenção pois preferiu sair do Jardim e ir sozinha sentar-se num pavilhão que está um pouco mais afastado. Isto fez-me lembrar a forma como posso ligar a Pintura à escrita, coisa que muitas vezes tento. No caso da Pintura, os nossos olhos devem funcionar de maneira diferente e não retratar o que está á nossa frente mas essencialmente tentar o que falta fisicamente mas que ao mesmo tempo existe no nosso espaço mais intimo e conseguimos imaginar. Eu não percebo nada de Literatura e muito menos Pintura, mas quando leio tento procurar essencialmente as palavras que não estão escritas mas que ao mesmo tempo estão lá, imagino-me assim a criar um novo texto. Isto torna estas duas áreas muito iguais. Apenas o resultado é diferente. Mas, enquanto considero a escrita mais introspetivo, vejo o desenho algo mais próximo dos Deuses, algo transcendente. Os olhos, ou seja, a visão, são a grande diferença, é dificil pintar com eles tapados, mas escreve-se muito melhor quando está escuro e não nos deixamos influenciar pelos erros que já cometemos, ou quando já se esta naquela fase antes do sono, onde quem manda já não é bem a nossa vontade mas sim as palavras. Chegam a escrever-se quase por si próprias, como se tivessem vida, a minha mão não passa dum simples instrumento. Como se já estivesse num sonho e tudo se passa-se sem razão. Isto impede-nos de errar mesmo errando.
A minha vontade era chegar ao pé dessa rapariga e dizer-lhe isto, mas não fui. Não por ter medo de parecer maluco, mas porque se estivesse a escrever não gostava que me interrompessem. E apesar de não ter visto nenhum dos quadros, o único que me despertava atenção era o dela pois foi a única que quis aspirar ao silêncio. E ao contrário das outras, olhava a maior parte do tempo para ao papel e não falava com ninguém.
P.S: Desculpem, não percebo nada disto. Mas enganando-me a mim próprio, talvez seja essa a minha força.