Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


quinta-feira, 5 de março de 2009

E não fosse o vento nem tinha piada...

(Atenção: não levar a sério novamente)
È engraçado como quando leio Dostoievski me dá sempre uma súbita vontade de congeminar secretamente raciocínios absurdos
(aparvalhar é o termo técnico)
e se a isto junto uma ou duas crónicas de Lobo Antunes aí é que o caldo se entorna. O que vai um pouco contra a corrente dos seus leitores habituais. A verdade é que Dostoievski construi tão bem os seus textos que ao mesmo tempo me faz sentir inteligente
(coisa que não sou)
e burro
(desta característica tenho cerradas dúvidas)
ao passo que Lobo Antunes me dá vontade de gozar com pseudo-intelectuais que se vão destacando nas mais diversas áreas do conhecimento
(vai desde remotas especulações filosóficas até à melhor forma de assentar tijolo, não esquecendo em momento algum a política aos seus apuradíssimos gostos artísticos)
destes senhores, nunca esqueço os que se aventuram a escrever e por uma razão que me passa totalmente ao lado tentam sempre definir a vida em meia dúzia de palavras, o amor idem, a solidão idem, … idem, etc idem, nada idem. E nisto continuam, por vezes acompanhadas com promessas mirabolantes como
“10 maneiras de encontrar o amor da sua vida (ilustrações para totós)”
“tenha tudo o que pretende renegando o mal que há em si (técnicas de relaxamento e sessões de espiritismo grátis – números na contracapa com estabelecimentos em todo o país)”
como é obvio estou a inventar. È obvio que sou eu que estou errado. Aliás, tendo em conta estes títulos e o facto de não os tomar em consideração posso presumir de onde vêm todos os problemas que me apoquentam e como estou errado nos meus desígnios. Já que o meu sonho de frase é algo do tipo:
“Se Deus pilhasse Deus a jeito pregava-lhe uma sova e peras”
(brincadeira minha)
pois com toda a certeza seria algo do género:
“Eu não bebo água porque os peixes têm relações lá dentro”
Mas de facto, e não querendo fugir ao tema
(eu que tantas vezes fujo ao tema)
ando esquisito, não sei, algo está diferente. Talvez seja por me privar da Vodka a um tempo mas não quero crer, decerto que é muito mas que isso
(tem de ser muito mais que isto)
se não nem a minha vida tinha sentido
(das coisas que me lembro, tentar dar sentido à minha vida com uma bebida…)
Bem, mas isso agora de pouco importa, o que quero mesmo dizer é que passei o dia todo a relacionar tudo o que via com lógicas completamente absurdas. Ora querem ver?
(pouco vale se não querem)
para começar, hoje estava inspiradamente irritado
(não, irritado não)
humorado, digamos. A verdade é que me enchi de humor sórdido na véspera devido ao meu Dostoievski e com uma subtil indiferença era facilmente capaz de irritar quem me chateava
(e como isso me deu gozo)
de forma que os obrigava a serem também subtilmente indiferentes mas com a diferença de apenas eles se importarem
(e isso sim é que me deu um especial gozo)
enquanto me torcia de tanto rir por dentro. E se por algum motivo me exigissem um pedido desculpa
(não exigiram)
eu é que os exigiria a eles por não perceberem a minha necessidade de afastamento, pois na verdade a culpa de estarem irritados era deles
(e como isto me continuava a animar, por momentos sentia-me diferente)
para então depois, aí sim me desculpar.
Outra das minhas brigas do dia foi com o vento
(não sei se repararam mas eles hoje estava demasiado trocista, senti-me traído)
além de me fazer notar em coisas absolutamente espantosas, enquanto seguia triunfalmente contra a sua direcção mesmo que tivesse de fazer um caminho mais longo, a minha inteligência seguia o caminha contrário, ou seja, estava a ficar cada vez mais estúpido
(o que me valeu foi aperceber-me que não era a inteligência mas sim o cabelo e outras partes circundantes)
mas a verdade é que durante momentos pareceu-me que era capaz de seguir em frente ao ficar cada vez mais estúpido
(tentem lá agora refutar esta lógica)
isto encheu-me de coragem e quanto mais esse titã se agigantava mais eu ia com força
(nunca me reneguei)
razão que me fazia dar quase um salto quando ele baixava de intensidade
(só para ter uma pequena amostra de quem estava a enfrentar)
e esses passos que dum momento para o outro se agigantavam davam-me a ideia de transpor o tempo, coisa de 27 milésimos de segundo
(vejam bem a minha precisão, recorde-me perfeitamente de cada momento pois no fundo foi essa a minha mais gloriosa vitória)
que me dá a ideia de poder morrer feliz pois mesmo que nunca consiga escrever como Musil ou fazer a versão contemporânea de 100 Anos de Solidão, já me sinto vingado do mundo
(e na verdade, que maior propósito pode um homem ter)
muitos sonham em prevalecer com o tempo, pois bem, eu antecipei-me a ele, o que me dá a inegável ideia de ser mais importante.
Bem, mas como viram, até agora nada de anormal. O estranho mesmo é pela primeira vez da minha vida me dar para me sentar num banco, agarrar na caneta e escrever como se não estivesse mais ninguém por perto. E se por acaso alguém disse alguma coisa
(desta vez também não disseram, começo a achar que tenho um ar feroz)
apontava para umas bolachas que tinha desencantado num supermercado por serem baratas e mentalmente mandava-os ir passear. Aqui o insólito foi um pouco que não devia à Natureza mais de 8 anos a avaliar pela sua estatura e que acompanhado pela mãe seguia imediatamente atrás de mim na fila a pedir-lhe baixinho
-mãe, queria um chocolate
e eu que estava mesmo para apanhar um desisti quando a mãe lhe disse que não, não seria capaz de suportar tal injustiça na minha cabeça
(quer dizer, não eu, o puto)
mas depois pensei melhor e decidi levar um que era olhado com veneração pelo puto e um certo despeito da minha parte. Sentei-me calmamente no banco que ficava mesmo defronte à saída e esperei que ele saísse para tranquilamente começar a desenrolar um Mars, estou certo que só não decidiu ir ter comigo e em menos de três tempos por-me no chão por me considerar um ser inferior, alguém que nem por consideração ou súplica se aceita espancar,
(um caso perdido digamos)
pois os olhos dele espelhavam toda essa certeza. E se não fosse a mãe a puxá-lo não tenho dúvidas que ainda me apontava a língua. A sorte que eu tenho.
E até agora foi isto, mas daqui a pouco há mais Dostoievski e talvez mais peculiaridades.
(não esquecer que o dia ainda não acabou)

11 comentários:

U disse...

E eu digo-te que tu descreves um dia com os pormenores que ninguém metia num texto. E mais, gosto desta tua maneira de te expressares. E agora vou ler o outro, não pude ontem. A matemática estraga-me tudo! |:

U disse...

Ai home -.- xD tiram-me do sério! Continua mas é estes textos :P

U disse...

Até parece que eu queria :O e mais tu não sabes que eles mudam de cor ._. vá, chama-me ladra do arco-íris!

U disse...

Sorrir é viver!
Pouco? :| então o que sou eu?!

U disse...

Já me chamaram de ideia, projecto animado, até inexistente, mas nunca espectro luminoso! xD
Ora, mas eu ando mais na zona dos azuis, verdes e cinzentos.

Unknown disse...

lol um dia em tanto!
p.s. pobre criança, a fazer-lhe inveja! *

U disse...

E dizem eles que eu devia dar valor a isso... Vá, eu não me queixo, mas não é assim nada, wooow xD

Joana M. disse...

a tua escrita é tão peculiar que dá gosto :'D

U disse...

Meu filho, nunca bati com a cabeça por medo de me magoar mas sim de perder o que sou! Ai se eu te apanhasse na rua xD (até sou capaz de imaginar mais ou menos como és)

U disse...

Vou tentar :D confirma-me depois!
E toca a escrever menino :P *

U disse...

Admiradores é forte, ahah. Sabe bem ouvir aquilo da boca de quem é especial, e tu já postavas :p que é da imaginação? *