Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

(Sem-Título (mas não digam a ninguém, ou se disseram, baixinho para não chegar à memória))

Sempre me senti como um nabo chegado a um sítio novo, como se do que visse dependia toda a minha vida, olhava, olhava, olhava até que me diziam
-Viste aquilo?
e eu
-o quê?
sempre as coisas importantes me escaparem, ou pelo menos, agora as tomo como importantes, não sei se por apenas me terem escapado mas, se eu ao as falhar, perdi nesse momento toda a minha vida
-Viste aquilo?
não, nunca vi, não sei o que vou fazendo, penso talvez, apenas vagueando à procura, sempre à procura, de algo que pudesse mesmo fazer sentido em mim, tentando ouvir da boca de algum menino ingénuo a verdade que se escapa de quem pensa como eu, ver quem muitos consideram maus, a fazer as mais humanas das acções, acreditem, eles fazem, já os vi, sempre me dei melhor com eles que quem anda sempre em boas línguas, sempre gostei mais deles pois vi-os humanos
-viste aquilo?
apetecia-me perguntar a quem não os conhece e vê se não já com outros olhos, como, se mesmo sem conhecer, espera todo o mal num gesto, não sei porquê, talvez queira espalhar toda a sua inveja noutros
-viste aquilo?
nem mesmo que visse, não eles, eu, acho que continuava sempre à procura doutra ainda maior, um verdadeiro sentido mesmo que não exista ou eu, muito ceguinho, não tenha
-Viste aquilo?
e se visse, repondia sempre
-nã, ainda não chega
talvez nada chegue para mim, eu que sinto tudo, qualquer objecto, qualquer palavra encerra para mim toda a filosofia do mundo, anos e anos de conquistas para agora num
-Viste aquilo?
ver toda a minha sorte, posso sempre continuar à procura.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Não liguem, sou eu que estou doido

O dinheiro teimava em sair das caixas, todos eles, impacientando a vez em que se sentiriam impacientes, doidos naquela fila cada vez mais confusa defronte da máquina
-Porra, o dinheiro não sai
não sai não, cheguem-se todos para trás que agora
-quem manda aqui sou eu
sou eu sou e, se bem me apetecer, o dinheiro não sai
-Mas
não vale a pena, esqueçam o dinheiro, as máquinas, não sei mais o quê, vão todos lá para fora, ponham-se na alheta e nunca mais me apareçam à frente, porque agora
-quem manda aqui sou eu
não digam que não vos deram nada, estão aí os montes
(já cá estavam antes de vocês, não podem ser maus)
tem lá tudo o que precisam para comer, se quiserem férias façam uma caminhadazinha até à praia, não precisam de dizer nada, não agradeçam e, se tiveram a infeliz ideia de o fazer, tenho ali umas grades atrás, agora deixem-me que
-quem manda aqui sou eu
está bem, vá, acabem sem saber, falem de outros sem saberem, eles e vocês
(tanto já é o hábito que acabam por não distinguir)
juntem-se a pouco e pouco e criem mais mortos, tinham ideias que também já acabaram, não me interessa mas, por favor, depois não digam que sou eu
-Ès tu!
quem já passou do prazo, que não foram avisados e não sei que mais
-Ès tu
ok, sou eu, mas agora faço-vos a vontade porque já não mais
-quem manda aqui sou eu
impacientem-se mais um pouco à frente da máquina, juntem-se em filas que dão em lugar nenhum que agora tenho mais que fazer.
(pudesse mesmo, era isto tudo…)

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

como posso fazer as coisas doutro jeito?
outro que nem o meu sei qual é
e talvez meu, sim, talvez meu
é andar sob jeito nenhum

não, não é esse que me dizem e escuto sem escutar
não é esse que escutam e outros falam
apenas eles, grandes
não é esse que penso ou fingindo digo

o que é meu é nada
não quero mais, não quero menos, nada!

deixem-me ser só com toda a grandiosidade das coisas pequenas
deixem-se acompanhado com toda a pequenez das coisas grandes
ou melhor, não, não deixem
exijo, exijo isso sim
ser só em toda a companhia que não comigo
faz falta e eu sinto
apenas essa, real
34 páginas e bloqueado, ai se eu não quisesse mesmo escrever...

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Gostava de saber escrever como o Lobo Antunes que segundo ele é sobre aquelas emoções para as quais ainda não há palavras ao mesmo tempo que imitiva o Gonçalo M Tavares e conseguia falar da morte entre parêntesis, mas eu nem "parêntesis" sei escrever, tive de ir ao Word com medo de errar...
afinal sei escrever parêntesis, não sei é escrever entre

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Que sei eu das coisas
se nem coisa alguma fui ou sou.
Eu, que não mais que coisa nenhuma
em nada preenchido, em nada conseguido
se não apenas pelo sonho formado do que já não é,
existindo apenas na minha imagem, única real,
e, por em nada me preencher faço-o sem saber.

Sonho, sonho criando e sendo o que não sou nem quero ser,
as dúvidas que alimento e não encontro.
Talvez por delas nada saber e como gosto do que não sei e não conheço
e espero nem descobrir,
tudo para um dia, ter por final um desígnio mantido.
Meu, erradamente meu,
sendo desse sonho o que de mim verdadeiro ou ilusório possa haver.
A recriação do que se é certo sem o ser
Do que não se sabe sabendo.
Mas que pode tudo, se não certo ser?

Sinto das coisas algo que não é meu
e apenas por meu não ser as sinto,
sinto-as com todas as forças de quem não as sente mas ama,
com a força de gritar sem lábios mexer, apenas fingindo que beija.
Todos os meus sonhos e medos,
todos eles vistos em algo, diferente, belo, real.

E choro, choro hoje por outros,
sem saber ao certo se os há,
diferentes, como eu.
Possam eles também me sentir como eles sinto
duma forma que não minha fosse mas de todos
(como de todos gostaria que fosse)
Sentindo a pena de igual em coisa nenhuma ser,
portanto, igual e diferente em toda a plenitude desconhecida.
Mas todos,
todos eles fugindo do que são
em consciência de não saberem do que fogem,
fazem-no sem fazer
apenas porque longe estão.

A Praia - parte V

Há algo no Homem que o faz seguir sem saber, ir buscar ao fundo razões sem o serem, vontades sem se sentirem, uma incerteza capaz de fazer brilhar o que antes era pálido, rejuvenescer aquilo que morria. Não apenas ideais de felicidade, ambição ou qualquer outro sentimento comum poderão ser culpados. Mas é a alma, é nela que existe o que de nós nunca conseguimos descobrir. Carrega por todo o lado na sua caixa subconsciente, as formas experimentadas dos nossos desejos que ficaram por cumprir, os medos que apavoraram as nossas conquistas e derrotas, mas também a coragem. Tudo o que nos faz decidir um lado ou outro, fugir ou enfrentar, acreditar ou duvidar. Algo por excesso ou nada por defeito, talvez, uma coisa no meio, a infinitude de causas que nos levam, não por o que pensam ou querem de nós, mas o que sem sabermos, aspiramos a ser.
È algo que duvidamos quando deixamos de tentar viver, de tentar ser aquilo que estávamos ou não destinados. (Um miúdo que deixou de brincar sem razão quando o fazia por consideração nenhuma, não tendo dúvidas pois é impossível quando nem saberes se têm, apenas seu desejo, brincar). Mas quando dos nossos sonhos dizem que nada valem, que há um mundo lá fora que nos puxa e atormenta em salários, nomes e aparências, verdadeiros “sem-almas” transformados. Onde mais importante do que sentir é possuir e, mesmo não sentido, prazeres momentâneos são procurados, mesmo não havendo consciência, uma moral é defendida, preconceitos mantidos em prol de nada com um objectivo em tudo. Onde há muito tudo deixou de ser para apenas existirem representações, realidades inventadas, virtuais ou não, deixando A verdadeira sem observador. Ao passo que muda, mantêm-se na mesma medida e capacidade de aniquilamento os erros de sempre, incapazes de se sumirem por completo, tal como exterminarem tudo por completo, como se a derradeira vontade do ser humano seja uma dor invisível, não apenas por doenças ou frustrações, vinganças, deslizes, involuntários ou precipitados, mas o sentimento de nada saber em relação a “algo” que pode nem existir, impedida de por todos ser vista. Uma separação de níveis, um sofrimento maior naqueles que a conhecem e sentem, igual nos que “apenas” a sofrem, nada nos que já partiram ou nem chegaram a “acordar”. Uma fugacidade enorme de nada e tudo misturado em perguntas e semi-respostas nunca dadas, palavras ou vozes disparadas apenas para serem mantidas para sempre. Sofrer, sofrer sem o saber, mas afinal o que sofremos nós, do que realmente podemos dizer que conhecemos toda a sua vastidão. O que talvez nem real é, uma nuvem encobrindo razões de algo que nunca o foi, fazendo parecer tudo o que não o é.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Os Quadros - "Still life with Gingerpot - Piet Mondrian"


“As sombras nadam em objectos caídos, traços soterrados em algo que já não o é, num sítio que não existe, por uma razão que nunca houve. Todos os sentimentos, todas as figuras deparo. Quantas vontades há ali? Ali onde não as vejo, onde nem o Sol e a Lua ousam alternar olhares.
Onde nem ver se chama mas sim um sonho que toma conta dos olhos. Quem me dera sonhar desse jeito, chegar onde nem as estrelas alumiam, onde nem com uma infinidade de motores seria capaz, um ponto além do imaginado, verdadeiramente real.
Essa imagem é invadir cidades lineares ou disformes, quem sabe, as duas juntas, nos seus extremos subtis e únicos. Encontrar finalmente uma ordem natural, regente, sem apoios, nada mais que um corpo encerrado numa alma, nunca o contrário, toda essa alma em vontades suas, deixando as de outros com quem de direito. Viver seria voar sentido o vento a bater e empurrar uniformemente, numa cantiga de lugares novos e empolgantes.
O Canto faria verdadeiramente sentido e todas as palavras seriam poucas, mas, mais que belas em redor, encadeadas em novos significados para novas experiências. A minha cabeça levitava e rodaria em movimentos espontâneos, meus, genuinamente meus, fechando e abrindo os olhos, respirar seria nascer a cada momento para prova de vida, um agradecimento celeste.
Mas agora sigo. Há uma rua, edifícios caídos, um pódio azul e partido esperando um único vencedor. O Sonho acabou. Agora sei, isto é a Terra.”

Shministim

Em Israel, o serviço militar é obrigatório e motivo de orgulho, todos os jovens, homens ou mulheres. O caso, não seria tão alarmante não fosse o propósito desse serviço, a guerra. Uma ocupação tirânica, há décadas, para com um país vizinho, fomentando apenas mais guerra, num ciclo vicioso e infernal sem solução há vista.
Há alguns jovens que declaram objecção de consciência, algo que, em termos legais não é aceite. Pertencem ao chamado grupo "Shministim". Como tal, são mantidos prisioneiros na tentativa de mudar de ideias, de fazerem algo que para a maioria das pessoas é considerado heróico e o maior momento das suas vidas. Algo que, na minha visão, chamo "matar".
Neste site, http://december18th.org/, poderão encontrar testemunhos de alguns jovens na sua luta, os seus relatos e razões. Poderão ainda encontrar mais informação sobre o assunto e tirar a vossa própria conclusão. A minha, já foi há muito tomada.
O principal objectivo deste site é fazer pressing para a libertação destes infames objectores de consciência, que, no fundo, só lutam pelos seus direitos e desejam a paz. Para tal, basta que assinemos uma carta disponível na entrada do site, todas as assinaturas são importantes.
Tirar o poder de decisão nestes casos é desumano, é alienar por completo a vontade individual de cada um e os seus direitos, o direito mais essencial para qualquer um, o direito de pensar e decidir por si, sem que por isso, prejudique terceiros. Aliás, neste caso, parece-me ajudar.
Não é apenas um luta por uns, mas sim uma tentativa de mostrar a outros que existem mais soluções, não apenas em Israel, mas para todo o Mundo.

Alguns testemunhos:

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

A Praia - parte IV

A Praia era dirigida. O “silêncio” controlado em sons imperceptíveis, criado por um dos seus fiéis, um Sem-Nome como todos, um Sem-História iniciado. Como um fantasma independente, não por consciência própria. Vagueando rumos de ninguém à procura das respostas de todos, insaciável no seu desígnio, apenas mais um entre nenhuns. Era assim o desejo de outros.
Tudo começara como uma experiência, encontrar o timbre que fizesse o Homem levitar. Um objectivo puramente artístico que abrangesse o seu propósito, desenvolver novos mundos através de expressões. Um enlevo de poeiras sensoriais, onde o corpo era esquecido e como alimento do espírito a sua fiel companheira, música.
Nas primeiras tentativas, havia um grande conjunto de instrumentos alinhados na mesma nota mas em amplitudes diferentes. Sendo a confusão dada como resultado inevitável. Muitos foram tentados para papel dominante, algo que pudesse reger os restantes numa melodia calma. Nada resultava. Um som auto-proclamado, quase de origem divina, procurado desesperadamente em tantos instrumentos, nunca poderia resultar, teria de ser um só.
Transportas várias experiências, a resposta foi dada pelo resultado inicial, aquele nevoeiro de sons onde se mutilava algo ímpar encobrindo por outros. Uma voz única formada na repetição, sem se ouvir de inicio, essencial, sublime, diferente depois. Uma alma que eleva as restantes pela sua singularidade e presença, desprendimento material. Era o que bastava, o Didgeridoo, instrumento de sopro, originário dos aborígenes e tocado há mais de 1500 anos. Tribal, espírito e corpo num só.
Um chamamento surreal de paz. O chamariz onde correriam todas as almas desocupadas. Mesmo além da transcendência inevitável de tal objecto, foi aumentado o seu poder. Uma simbiose de vontades em prol dum único objectivo, levitar. Tudo levado ao extremo de potencialidades diversas e próprias, mil influências originando mil sonhos cada um. Aperfeiçoando assim, o mais abstracto, impercebível e marcante som possível.

Didgeridoo:

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

As árvores voavam ao vento
no sol que inundavam
As palavras paradas na distância,
O sorriso parou-a
(como a obrigação de falar)
Sorrisos acenos, olhos e olhares, sombras dançando

O mundo como cabeça de nada

Esqueci-me do Sol,
Amei-me no Mar
(Com o silêncio de ondas certas e frias, onde
Pedras engolidas no abismo da sorte
desenhavam-se no horizante,
da queda inveja sentia)

Gaivotas planavam sonhos meus, asas delas, num
Cheiro de brisa mais forte que mar

Ela, que longe me viu
ela, que longe me gritou
Eu que longe lhe acenei.
Os dois, que sozinhos estávamos
não fossem gritos sorrisos olhos sonhos
tudo...
e além, o mar.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Obrigado

Reencontrei um livro que há muito lera, um livro que muito gostei e muito me fez rir, um livro, também ele duma escrita envolvente, por tão pura ser, tão da sua nobre origem pertencente, angolana, mas universal; "Os da Minha Rua" - Ondjaki; fala sobre a infância do autor, da infância que no fim acaba por ser de todos, dos medos que vivíamos e agora rimos, descredibilizamos, das memórias que ainda temos, que pena tenho eu de as ir perdendo, pouco a pouco. A minha vida, pouco a pouco. Sinto que deixei a minha infância nas mãos de outros, os fantamas que me impediam de ir mais além, de explorar mais. Mas agora, recuperei-a a ler.
Também ele, o livro, perdido no meu sótão, desterrei-o do pó e esquecimento, agora aceso na sapiência que procuro, na brisa da vida que hoje me corre. Perdido dum tempo em que não lia, foi esse, foi esse o livro que mudou tudo, a minha primeira compra, o meu despertar! Como se tivesse nascido aí... meu Deus, nasci aí e quantas vezes já o fiz, quantas ainda terei? Sendo o meu mundo, tal como o conheço, germinado nas raízes dessa compra, desse livro, dessa infância, a minha infância, que, apesar de diferente da retratada, acaba por ser de todos, todos a passamos, todos a saudamos.
Não, não quero voltar a vive-la, gosto do que até agora descobri e, acima de tudo, do que ainda irei. Mas espero, sinceramente espero, poder recordar o tempo em que era eu puramente, onde sonhos reinavam sobre o medo e o futuro era aguardado com impaciência.
Agora me lembro, queria crescer depressa para poder fazer tudo o que quisesse, que vontade de rir me deu. Triste depois, triste por saber que por mais que faça, nunca o serei, inteiramente livre, talvez, o meu maior sonho de infância, o único que ainda me acompanha com toda a sua genuidade.
Pudesse eu voltar, não para sempre, apenas determinados momentos, determinadas memórias, saboreá-las, sentir tempo e espaço, pessoas desaparecidas, novas descobertas, sentir e ver, a Vida.
Um livro como semente, obrigado, Ondjaki.

Os Quadros - "Commissions et colloques" de Pierre Alechinsky



“As estrelas foram coladas no céu para serem admiradas. Às vezes, gostava de ter uma tesoura e recorta-las, levar todas as que possa para a minha vida, para a minha parede, para o meu sonho. Minhas, só minhas.
Dizem que partilhámos a mesma matéria, a mesma origem num ponto minúsculo, um começo de Vida do qual todos surgimos e um dia regressamos. Uma viagem onde humano e divino se misturam em cores e brilho, magia e Arte. Intermináveis corredores de ilusão.
Nesse corredor, elas imploram-me por altos brilhos que as leve, feche os olhos e ao abrir as vejo de novo, num abrir e fechar transformando escuridão em imagens encadeadas de desejos e desilusões, memórias. Tudo à minha frente entre quatro linhas pretas. Sendo o luar a banda sonora dessa música onde inúmeras formas como um todo soltam inúmeras formas como um só, mostrando inúmeros sentimentos meus, simétricos, em que a vontade de ficar è igual à de fugir e, apenas por simétricas serem, fico.
Uma mistura de luz e sombra, Vida, pós-Vida, admirando tudo o que nunca vi antes, lado a lado com o que conheço de hoje. Um "quadro" de mil figuras entre chamas de fogo, mil sonhos por cumprir em corpo de ninguém, mil sonhos por sonhar em corpo de quem?
Ao adormecer, o mundo parece um reflexo de imagens concebidas à minha vontade e gosto, pena não ser pra sempre”


P.S: Rita, agora já tens um quadro de Pierre Alechinsky, não na tua parede, mas na tua imaginação, de maneira concreta. Basta fechares os olhos e sonhares.

sábado, 13 de dezembro de 2008

A Praia - parte III

Éramos poucos apesar de isso não interessar, não sei quem eram, quando entravam, figuras tal como eu era, corpos com sombra, nada mais. Sentia-me parte dum clube secreto mesmo para os seus participantes, unidos por uma teoria involuntária do apocalipse mas igualmente pacifista. Nobres, genuinamente nobres por em momentos estarem fora de algo que se pudesse parecer humano, nem divino, coisas e com toda a beleza e singularidade de apenas coisas serem, incompreensíveis.
Era uma relação de dependência, como se uma voz me chamasse para algo irreal, um sonho enquanto dormia para outro sonho ir. A realidade era uma ténue linha entre o insólito e o ideal, uma mistura de ideias e sensações inexplicáveis como paz, tudo em troca dum despejo completo das frustrações do dia-a-dia, uma elevação espiritual sem alma, tudo em forma de carne, a sua base.
Foi estranho o dia em que descobri a Praia. Já antes tinha vontade de estar só num local tranquilo, num local onde pudesse realmente deixar de pensar, mas nesse dia quando vi outros parados num sítio de nenhures imediatamente senti-me atraído pelo silêncio, lembro-me de ver ao fundo os corpos no areal sem gestos completamente nenhuns, numa perfeita simbiose de companhia e afastamento. Apesar de me intrigar com a placa não temi e fui, fui sem alma e sem problemas também, pela primeira vez na minha vida tinha ido para um sítio sem problemas. Ao regressar não fazia a mínima ideia do que tinha acontecido, apenas a minha alma voltou e com ela o mundo, não fiquei triste, apenas com vontade de regressar e assim foi, sempre que pude, sempre que a Praia existiu.

Uma vida como rio

As emoções são como a água que corre debaixo duma velha ponte de dois arcos em pedra a cair, ervas enterradas e anos de vestígios passados. Há um sol moldando paisagens verdes e coloridas, árvores e flores misturam-se de mãos dadas num horizonte que nunca tinha sido pintado, cânticos ecoam vidas que ainda não existem e o vento sopra fotos nas faces de cada um em impressões deixadas para algo desconhecido e inesquecível. Mas, as emoções, se começam a correr são impossíveis de apanhar, e tentamos e voltamos a tentar mas nunca pensamos que irão fugir, tudo o que queremos é deixá-las cair e correr, calmamente na sua cantiga até que damos por nós e vemos que o nosso tempo já passou, que as nossas vidas são agora impossíveis de recuperar e por mais que façamos a água que passou não vai correr outra vez, é a vida, uma corrida fulminante.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Escreves por mim?

Às vezes sinto-me tão pequeno, ligo a coisas que mais ninguém liga, penso em coisas que mais ninguém pensa, e ninguém liga ou pensa em mim. Outras, sinto-me maior que o Universo e capaz dos maiores feitos da Humanidade, serei respeitado por 1000 anos e lembrado por outros 1000, depois, apenas mais uma poeira que andou por aqui.
O que sou não é nem o pior e mais insignificante nem o maior e mais deslumbrante, nem outra coisa pelo meio. O que sou é alguém que não sabe o que quer, quando quer e porque quer ser algo que ainda nem descobri, o que sou é um ser incapaz de perceber a indiferença de outros mesmo admirando a glória de alguns, o que sou nem eu sei ao certo, nunca o saberei, és capaz de me dizer?

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

O Reino - parte V

Passava entre as fechadas ruas pensando “quantos deles defendi eu para agora esquecido ser”. Nunca os lugares lhe pareceram tão longos, os caminhos tão sós em companhia morta. Pensamentos entrando e saindo sem em nenhum se debater, e todas aquelas portas, quantas histórias, quantas vidas como ele foram já caladas, quantos gritos foram já queimados, quantos haveria para o ser ainda?
Agora não havia perguntas, lamentações de nada serviam, de nada sentia-se arrependido, tinha a razão como aliada. Apenas a pura certeza de um futuro que não haverá com um passado bem real de presente incerto, ou não fosse a injustiça toda dele e de toda a gente.
Apenas uma redonda pequena e brilhante ilha branca passeava constelações inexistentes num escuro mar espelhado, outros chamam-lhe céu. Eu não sei com o Inferno a subir no horizonte de quem olha certo, atingindo essa Lua que não merece através de cadentes contrárias.
Todos quanto o guiavam impacientes seguiam, “Chefe vai largar moeda” “bom mês nos espera” riam outros. Ninguém lhe valia, só o suspiro dos seus lembrara que também era humano, mais nenhum olhar e toque seria feito, abraçado, devido a quem manda.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Os Quadros - "Card Players" de Theo van Doesburg


“A confusão é um estado onde se aclaram as ideias. Qualquer imagem é antecessora duma outra, duma outra vida anteriormente influenciada, tudo isto numa ligação interdependente, irreal e possível ao mesmo tempo, um conjunto de carecterísticas comums dando forma ao que hoje vimos, ao que somos do que vimos, ao que todos como um só representamos numa rede interligada, indissociável de sentimentos, pensamentos e formas, o mundo. Ressentindo quando um quebra, subindo quando outro engrandece.
Indissociável é igualmente minha alma que alastra-se em linhas procurando novos caminhos, novos eus. Um encontro de motores na rua, um lado um sentido, outro lado outro, um ponto uma vida, outro ponto outra vida. Uma comunhão de existências singularmente completas entre si, em mim representadas neste canto que por momentos é meu corpo, ele que jaz assustado num canto de sala, num canto de nada, uma inexistência concreta, palpável. Nunca mais que uma figura pois perpétuo só o transcendente. Só estes pontos de emoções retidas capazes de carregar milhões de anos em imagens, em sentimentos e pensamentos, em vidas que ficaram, estes pontos tais como imagens, tais como palavras, tais como sonhos e outras essências verdadeiramente duradoras para salvar o mundo. Uma vida como sentido, um sentido como força, força de pontos poéticos de mil cabeças entre si, pontos nossos hoje meus.”

Imortal

Estranha é a formo como poeto
estranho sou eu nas minhas formas e ideias
Grande é o mar que debaixo leva o vento
grande é a vida de quem vive depois de morrer
Enganador o sonho que hoje me espanta
Sublime o sonho de viver

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A Praia - parte II

A todos pertence história enquanto existe alma, naquela praia éramos desprovidos de tal certeza. Desejos, pensamentos, sentimentos, inalcançável. Fantasmas com corpo, figuras amontoadas em sombras sobre o areal, pedras moldando imagens perante o relógio do Sol, rodeados por dois montes, nenhuma vegetação, ondulação ou algo relevante, tudo envolto num pequeno eco, uma pequena música que guiava ordenando entradas e saídas, um chamamento em forma de silêncio, fora isso e de igual grau, nada. Apenas algo físico se movia, liberto de consciência, comandado por uma vontade de fuga física levada ao extremo, viciante, incapaz de reconhecer feições, unicamente provida duma tentativa de equilíbrio interior em detrimento de qualquer religião ou conduta, uma crença também, uma crença num escape real sem sentido, sem reflexão, um proveito procurado, era a calma que nos guiava sem entendermos.
Inconscientes, encontrávamos sempre o caminho para a placa, como se uma energia encaminhasse depois de completos. Passado o Caminhos dos Desalmados regressávamos com ela, solta no vento à espera dum regresso capaz de a tomar, de a usar plenamente. Nunca fiz, tanto o pleno como um jogo de pés entre os dois estados, sem alma-alma, inconsciente-consciente, um objectivo em que se podia perder e ganhar alternadamente razão, possível num lugar lógico, não o era. Assim, quem a perdesse era imediatamente reencaminhado para a praia, calma como castigo, um ritual de purificação.
Quando saía algo era diferente, demorava até a alma se organizar. Observava-me, sei que me observava, rapidamente deslumbrava imagens, flashes com tudo o que fazia sem perceber. Momentos cambaleando pela praia até me encontrar sentado ou a abandonar, carregado duma estupidez em níveis profundos, uma completa ausência de raciocínio. Olhando para nada e tudo sem algo focar, imóvel na paz aparentemente perpétua, como se o Mundo, longe, fosse um esboço incapaz de existir, também o espírito escapava, apenas uma calma enganadora e puramente física, libertando corpo e mente no final, matéria moldando verdade, quem sabe, não mais que uma inconsciência.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

O Reino - parte IV

Noite posta, uma comunhão de vozes e espíritos denunciados, tochas à frente dando certa a perdição, a escuridão como espelho do medo. Rostos como sombras, sombras como rostos, essas ruas hoje não eram delas, algo as invade. Fogo conhecido de todos e por nenhum enfrentado, uns ouviam escondidos no seu beco, no seu receio, outros nem ouvir tentavam, incapazes. Poucos, os que falaram apenas sentenciaram a Voz da manifestação (nunca seu espírito), impotente perante a chama de almas sem cor, sem brilho, sem o timbre ficava, só.
Entraram e levaram-no, nada podia fazer, evitava as lágrimas de Clara e seus filhos. Atingido por erros de julgamento. Juízes com mão nos jurados, jurados com mão na bolsa, advogados estendendo a mão. Nenhuma defesa possível, todos o sabiam.
Choros, alegrias, crianças, mulher, casa, vida, tudo condenado. Esperança para nenhum, longe estavam os urras e aplausos, apenas uma mulher chorava seus filhos confusos e Um olhar cabisbaixo, um olhar fixo na próxima morada.
Pai, gritavam sem nada ser respondido.
-Pai!
As escadas rangiam dor e anos, lentas, primeiros momentos, últimos momentos,primeiros passos, seus últimos passos, (talvez só agora lhes dava importância, só agora que nunca mais as veria), imploravam na sua cabeça para ficar, tentasse e uma arma como resposta teria, linguagem de onde era natural.
Foi, pensando em mil problemas, mil sentimentos em vez de coração, mil angústias em forma de alma, tudo á volta do mesmo, os seus que ficavam, que o choravam e olhavam sabendo ser a última vez, nada podia ser feito mesmo desprovidos de culpa.
Para trás uma casa materialmente igual, mas sem seu guia. Como se a Lua faltasse à Terra, tornando-a incapaz de controlar seus elementos, seus mares, preponderante como sempre fora. Suspensos agora aqueles planetas sem satélite, sem a beleza de em momentos escuros a verem, sem a segurança de mesmo em luz a terem. Um simples grão agora, um aglomerado de grãos tais eram os sentimentos, a Lua. Alguém de imagem distante mas sempre presente faltava agora, nobre na sua essência. Rodeados de planetas e estrelas, milhões…mas sós.
Um vento enorme entrava pelas portas, pelas janelas, por qualquer buraco anteriormente invisível mas bem real agora, sem a Lua, a sua Lua. Ela como vento, eles apenas o sentiam, agora já não é deles, passam outros que não os conhecem, sem resposta, sem olhar, sem chorar com eles, iguais a todos os outros, outros mais, não interessam, outro mundo, o vento como Lua passa, eles, planetas apenas outros mais, outros mais…
Outros mais num sítio que já não o é, pessoas que já não o são, alegria que já não vive, pois ela, Lua como vento, foi-se.
-Pai!
-(Lua!)

3 Eras

O presente está influenciado pelo futuro. O passado serviu apenas como exemplo, um modelo, a experiência das nossas emoções, planos e a maneira como estes foram encarados por outros, em termos gerais, é a nossa herança, em nada nos deveria limitar caso não houvesse intolerâncias, perdas, quer sejam físicas ou mentais, ambas na maior parte dos casos.
Mas na verdade, é do futuro que nos influenciamos para tomar as decisões actuais, a memória serve apenas como guia, um conselheiro que pode ou não ser respeitado, nunca ignorado. E por não o poder ser é que temos medo de nos expor, de ser quem de verdade sentimos e pensamos, as nossas limitações. Fosse o mundo uma ininterrupção do mesmo momento e nunca igual seria caso houvesse consciência de tal facto. Muitos não se fartariam fosse seguida a estupidez como padrão, sucessivamente superada, alguns sem cessar, outros até começaram a sentir nojo de si próprios, da inutilidade de suas acções. Incompreendidos, julgados, haveria sempre quem a integridade, a dignidade humana respeitaria até aos seus limites, fossem eles o medo, momento em que se juntariam á oposta causa ou inclusivamente até à morte, mortos da sua honra que sempre confundiu o homem comum e sempre o irá fazer.
Não houvesse Passado e Futuro, apenas o Presente como senhor dos Tempos, a humanidade não existia enquanto sentimento, quem sobrevivesse em clausura vivia, a mais nobre e única das soluções para algo manter, contrário, unidos unicamente dum código animalesco, a destruição seria inevitável. Sorte nossa, apenas por uma progressiva e abrupta falta de conhecimentos tal seria possível, até porque nenhum dos três guardiões da memória é independente. Existiu, existe e sempre existirá algo, que por mais pequeno ou maior que seja, será sempre esse algo notado na uniformidade.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Omissão

Dizem haver sempre uma razão, mas terá a razão tudo?
Será a verdade o que realmente procuramos, teremos a coragem de aceitar os nossos erros e os de outros, não digo em consciência, como primeira resposta em situações fáceis e perfeitas, mas nos momentos difíceis, somos realmente capazes de aceitar a desilusão, a mágoa, o afastamento, aqueles momentos em que já sabemos a verdade nos olhos de quem conta mas insistimos em pensar noutras palavras. Pedimos por favor, mentira, diz-me que é mentira; assim tão fracos, não é a mentira, a verdade, a verdade que mais tememos, aquela que destrói de tão real que é, chegando ou não a desfazer uma falsidade.
Odeio a mentira, temo a verdade.
Poderá o que ganhamos ser mais preponderante que a perda. Não defendo a mentira, não a desculpo, abomino-a até, mas, por vezes, a verdade pode ser evitada e não, não é o mesmo que mentir.
Gosto de pensar que sou capaz, de preferir a mais cruel das verdades à mais dócil e perfeita das mentiras. Acho que tenho de crescer mais um pouco.

Os Quadros - "Female Figure with Head of Flowers - Dalí"


"Vou passando, sinto o vento, sinto o mundo. Há o meu corpo e a minha alma. Enquanto há as estrelas sei que não estou só.
Toda a minha figura é levada, rostos ficam, pessoas ficam, o passado fica. O encontro com a impossibilidade acalma-me, sem nada que encontrar avanço, se houvesse o que encontrar não. As sombras vão ficando para trás, já não vivem, lindas são as sombras que vivem, estas não, nem cor lhes resta. A meus pés, sem se poderem mover, não eu, eu movo-me, a alegria que levo por única ser até nada, a força que me faz andar, um acto irreflectido é o que me move, segura, ando e nada mais, ando e paz. Flores em vez de cabeça, flores na alma. Algo que já não o é e não importa, meu humano corpo, agora voo ao lados estrelas, não quero matéria.
Entro directamente, voo para o quadro onde já me encontrava, não eu, minha alma, agora sim, um só, paz. O calor é enorme mas não demove, há o vento e as sombras que leva, longe. Apenas cores, formas, flores, algo não meu mas sou eu que sigo, só isso importa enquanto todo o resto cai."

sábado, 6 de dezembro de 2008

Os Quadros - parte I

Eram traçadas linhas na parede, branca e igual fora, o mundo dentro. Delimitada a preto, os seus "quadros". Inês imaginava à noite, os seus quadros, dentro dessa tela marcada na parede.
Todos os que gosta, os que já viu, os que já pintou e irá pintar, tudo o que sente e imagina, tudo. Horas assim, sentada, a uma distância idel para os admirar, às escuras. Uma janela aberta deixa entrar a luz, a pouca e única que necessita, a dos carros que passam, dos candeiros grandes, sempre presentes, sustentavam o sonho, a Lua, meu deus, da Lua vê sempre algo que a assuta e espanta tal é a beleza. Mas são as estrelas, que num céu límpido de pontos reluzentes mostram todo o seu pontencial. Imagina-se a pintar, como num sonho, presa a ele, não havia necessidade de voltar, preocupar com algo mais além das suas pinturas. Durante esses momentos via os grandes mestres, os seus estilos favoritos, inspirava-se neles, vivia neles, pensava neles como também entrando naquela tela imaginária e fazer parte duma realidade diferente, algo apenas pertencente aos Deuses, à Arte. As estrelas saindo do céu e formando formas com ela, como se fosse modelo dalgum artista, á mercê do que surgisse, sempre mágico, outras vezes só elas, apenas vendo. Melhor só quando tudo se junta, e vêm os carros, os candeiros, a Lua, as estrelas e algo mais, tudo aliado á imaginação e levitava, formavam-se formas e cores, riscos e emoções naquele local, como num sonho, o seu sonho, a sua Vida. Criavam-se e recriavam-se sucessivamente, por vezes ficava assim até o nascer do Sol obrigá-la a parar, um choque de cores e escuridão alastrava naquela mente, toda ela, naquele pequeno recanto, a voar, Arte a voar.

Praia - parte I

Era chamada a Praia dos Mortos. Frequentada por vivos sem vida, apenas caras e corpos; olhar, em cada um havia uma igual expressão, apagada.
Longe de tudo, o silêncio era a música dos seus ecos, batendo as ondas mais à frente, uma pequena baía. Não havia horizonte, apenas um estreito canal rodeado de pedras montanhosas. Era o que víamos, montanhas. Como a nossa vida, obstáculos sem cessar, reduziam a esperança, o horizonte.
À entrada, não sei se por gozo ou por um pessimista convicto, uma placa colocada, madeira velha sobre madeira velha, feita de algo diferente, porfurada a canivete palavras antecessoras duma seta, "Caminho dos Desalmados". Um ponto, um local de passagem, resistente a ventos e marés, não no mar, em terra, fixa, antes o mundo, depois os mortos. "Caminho dos Desalmados", um pequeno carreiro de areias e pedras. Como se ao chegar com a carregada alma automaticamente a perdessemos. Ia, não sei, desaparecia, e desaparecia mesmo. Não eramos nós. Nunca eramos nós que seguiamos aquele caminho, o dos sem alma, esta ficava encerrada na mesma placa que abrigava a de todos os mortos, deixavam e depois seguiam, sem ela, a alma.

O Reino - parte III

João fora um dos revoltosos. Estudado e General chegaria, os pais não podiam, seu nome não deixava, faltavam títulos na herança, nunca no espírito. Comandava sim, os mancebos que em sua casa apareciam e bebiam, capazes das maiores proezas como 3 copos duma só vez, cuspir além de dois metros e enumerar todos os palavrões que não pertencendo à Língua, eram bem portugueses.
Ouvia todos, um líder, talvez por isso sentido a obrigação de falar naquele dia, ele, único que levantou a voz do povo foi o último a sair. Sabia-o bem, nunca mais nada seria igual, já o sentia. A polícia passava mais naquela rua, olhava, João olhava, eles riam, João pensava.
Figura forte e respeitada entre os seus, trabalhava como tantos outros nas construções que surgiam. Ao invés de cuspir falava, de beber ouvia, ser mandado pensava. Por isso era já conhecido da Real lei, ignoravam-no de tanto o conhecer, não agora, pressionados para o vigiar, subversivo, nada lhe podiam fazer, o povo por ele defendido haveria de o defender também, sua força fora bem testemunhada, inclusive o Bispo, sua única vontade era excomungá-lo, faze-lo arder para impor suas ordens. Não o poder era uma afronta ao seu cargo.
Nunca se queixava, nunca falava se não por todos, todos o sabiam. Sempre disposto foi a colaborar, muito conspirou e evitou das brasas, conhecidos ou não. Aclamado como um rei fora da sua presença e da quem se relacionasse com tal figura. Nunca o pedira, era apenas algo que não podia ser evitado, o mínimo que poderiam fazer em sua honra.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

O reino - parte II

-Ousais vós, duvidar da Real vontade que nos manda, que em problemas torna vossos como seus. Criticam a ele, por imagem de nosso amado Solo tentar manter. Espelho de rei é espelho de Portugal.
-Imagem de Portugal é seu povo pobre e explorado, oprimido de quem manda e o crucifica, em nome de quem o foi para não calhar a nós. Fosse real a consciência que dizem ter e a Reinante Presença não apenas respeitada. Amada.
Tamanho reboliço o chamou, nosso Bispo, inchado de caras e quentes mordomias, fazia saír a vergonha dum rebanho explorado por seu Santo Hábito. Tal era o luxo, sedas e oiro cobrindo semelhante face. Altiva imagem encaminhava seus súbditos escravizados, uns de corpo, outros pensamento.
-Criticam vós quem em terra pastoreia povo do Divino, localizada em representação de Roma nesta ilustre terra, como tantas outras, espalhando fé e ensinamento.
-Delegação vil e corrupta, do dinheiro mantida e motivada quer sua Excelência dizer, sendo esse, único mandamento que vos rege e obscura, faltando aos 10 outros da Ensinação. Mantidos por quentes e horripilantes queimadas que afastam vozes contrárias. Medo e obdiência cega, calados nos tornamos, incapacitados de agir e gritar. E mesmo que o fizessemos, imponentes são vossos recantos que Novas não passam, pedra e onstentação, orgulho e submissão.
Multidão pensavam os reinantes. Sempre mais fortes e brilhantes, os raios inundavam as almas, fossem rápidos e liderados, a algo haveriam chegar. Condenados, depressa o sonho deixaram esquecer.
Foi medo, foi não saber, fosse o que fosse, não mais do que sempre, capacidade para mais ver.

Ri-me

À saída um rapaz lia. Movido duma inexplicação interrompi-o, agarrei no livro e vi o título, ri-me. Incrédulo nada disse, eu também. Deixei-lhe o que lia e saí.
Horas passaram, elas ou eu. Parece sempre igual o tempo, como se fosse apenas eu que mudo nesta constante.
Tinha acabado, chorou. "Porquê, porque me fizeste isto? Devolve-me a paz"
Não podia, apesar de não ser paz que queria, fosse, não a sabia dar. Ignorância, era o que queria, incapacidade de ver, realmente ver. Continuei calado enquanto me gritava "devolve-me a paz". Nada feito, sendo a única resposta capaz, fui buscar outro livro, aceitou-o sem reclamar.
Leu, eu outro. Por vezes olhava-me, medo sentia, não sabia que fazer, dizer, pensar, sentir, meu deus, nem que sentir sabia ele. Procurava uma resposta, algo ainda por descobrir, sem ideias do que seja, como todos, mas conhecendo, como eu a sua existência.
Acabou, voltou-se, "devolve-ma a paz", calmo o disse. Novamente, outro livro, impaciente olhava, não para mim, para o livro seguro nas minhas mãos. Leu, continou a ler, acabou, seguiu o seu caminho. Nada disse, nada havia para.
Encontrei-o dias depois, "não há paz", filosofava fino então. Nunca houve, respondi.
Foi, nunca mais o vi, também fui,outro caminho. Os dois, contentes, não tinhamos paz...

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Bilhete

Alguém rouba-nos, deixa como bilhete, ao lado da arronbada porta, o fatidíco, "Roubei-te". Então, olhamos para dentro e vemos tudo aparentemente igual, mesas no sítio, dinheiro escondido, preciosidades limpas, roupa no armário, enfim, tudo igual, como se nada tivesse passado, igual à última vez em que verdadeiramente as vimos, as pensamos.
Mas aquele bilhete, aquela parte, aquela sensação, quem ousaria ter levado, o que faltava? Já não era o quem nem o quê, mas como, porquê? Algo, não todos os valores que havia, nem os dispensáveis, um mísero papel no lixo, nada. Teria sido, em vez de tirado, posto? Não, tudo igual. Medo, inquietação, juntou-se talvez isso. Entre tudo o que poderiam tirar, nada era pior.
Sem solução, nada aparentava ser diferente, mas havia aquele bilhete...

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O Reino - parte I

Te rogamus, audi nos!
Fosse rogada em português, não teria tamanha atenção, mas, como era Santa sua origem, o povo calou. Nada tinham para dizer e espantados de tanto nada calaram-se igualmente. Já vozes levantavam motins e indiferenças quando obrigados foram, gritaram novamente:
Te rogamus, audi nos!
Foi ponto feito, nem que fosse de nada terem dito, coragem ganharam, avisados que à segunda o efeito seria menor, de imediato, o silenço e espanto pelo orador cortado.
-Povo que me escuta, desígnio de el-rei aqui me fez chegar. Deste alto recado vos é pedido mais esplendor que em Portugal não haja e, por esforço vosso, seja hoje de novo o antigo interesse maior da Nação.
-E nosso soberano, que fará ele por nós enquanto abastadas noites apresenta e farta seus fidalgos e pagens, de nosso trabalho pagas, com a dívida de tédio e desdem olhar para sua "defeituosa" plebe, perdoado seria, não fossem os defeitos próprios de todos.
Nesta Primavera em flor, onde manhãs de Abril agradeciam com seus verdes raios anunciadores de Esperança, a brancura trazida suscitava nos revoltosos a febre que precisavam, a coragem que faltava. Inquietos, vozes surgiam em acusações à Corte e seu Senhor, ao Clero, pouco mais via que missas em língua morta que nada entendiam, estabelecidas duma forma desconhecedora de razão. Fosse pouco, há ainda a juntar essa Santa Fogueira que almas queima em troca duma aparente e luminosa Verdade. Vivo fosse O representante na Terra que pensam ser, não sabendo queimado também seria, por grandes valores defender. Nem ao O ouvir conseguiriam ver. Essa, que de nós leva, conterrâneos desta terra por Camões pisada, quando, fora de madeiras flutuantes, aumentava mundos ao mundo, conhecimentos ao conhecimento, seu então Rei, dinheiro e ostentação. Herói esse esquecido foi, como tantos outros houve, mas não sem antes engraceder o “peito ilustre lusitano” com seus 10 cantos e demais feitos.

A Maldição

È engraçado ver relógios parados. Como se o tempo tivesse acabado e nós continuassemos a existir por uma rotina que já não acaba, tivessemos problemas por nos serem inseparáveis, mais naturais que a essencial operação de respirar. Aniquilavamos para preencher o tempo, como até aqui sempre fizemos mas já nem tempo era, uma interrupção sem fim, amaldiçoado até ao último que resista e veja por fim a desgraça humana, capacidade de auto-destruição, numa perfeita imagem do mundo por genuína ser.
Não haveria mais ar, mais passáros a cantar, mais água a correr, frio, calor, nada. Apenas nós, humanos e nossas coisas, deixados para trás em vigança por o tempo ousado descuirar, todos os nossos erros, guerras, intolerâncias, tudo. Acabar seria um desejo sem saber para onde. Veríamos sempre o mesmo, intocáveis, relógios, passavam sempre as mesmas horas, sem haver dia nem noite, horas e tempos, apenas nós, nossas coisas, nossa destruição e todos os relógios parados, anunciado a nossa desgraça. Haveria um tic-tac inacabável de algo que já não responde mas existe, infernizando todos os ouvidos com seu ensurcedor e repetitivo barulho. Lembrando a cada um seu mal, sua existência, aumentando sua ira, acelerando o fim anunciado.

Outra vez, nada

È cedo, cedo é para me encobrir em falsas providências; juízos, mil faço, mas que sabedoria encerram, sei não mais do que em mim penso e faço, escrevo e represento pouco do sou, sempre menos que imagino.
Podia fazer tais considerações que outros fizessem igual, algumas faço, outros tento mudar, qual a certa, as duas erradas? Não vislumbro tal solução, apenas reconheço que de mim partiram, primeiro ou último a fazê-las, quem sabe, que interessa, nada interessa.
Pouco se passa neste mundo que de real interesse é, ou imaginado. Não há razão para o ser. Igualmente para como sou, mas sou-o, tal como és quem não aparentas ser, seja salvo quem bem minta.
Não há ciência no que faço e penso, no que fazes ou pensas, até no que pensas fazer, tal, agora irrelevante.
Agora, que já houve ivenção, patente e nome para tudo, não há maior liberdade ver tudo ou nada, quais dos extremos pertenço, não sei eu nem tu.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

País que não existia

Vou contar a história dum país que não foi, com habitantes que não o habitaram, com heróis que não o engradeceram, com um terretório que não existiu, com uma alma que perdura.
Nesse país, as pessoas acordavam todas á mesma hora e deitavam-se de igual forma. Nesse país, todos liam os meus autores conterrâneos que eram previamente escolhidos. Todos pensavam duma forma que era previamente pensada. Ninguém sorria, nem chorava, nem falava. O trabalho era para todos igual e tudo o que necessitivam aparecia sem saberem, nem questionarem, enquanto dormiam.
Nesse país, houve finalmente alguém que acordou enquanto todos dormiam, houve finalmente alguém que ouviu barulho e gritou, mas ninguém respondeu, todos dormiam. Sem respostas, encheu-se de coragem e caminhou para junto da inquietação.
Foi aí que viu quem de noite ia buscar o que de dia trabalhavam, foi aí que viu quem de noite trazia o que de dia precisava, foi aí que viu quem de noite pendurava avisos sobre o que deveriam fazer no dia seguinte. Foi aí que pensou pela primeira vez.
Pensou, e ajudado por um cérebro novinho em folha decidiu mudar os cartazes, enquanto outros dormiam, ele, percorreu todo o país escrevendo :"Hoje não se trebalha, porquê? Pensem vocês."
De tanto correr acabou morto, mas de trabalho feito. Quem o viu nem ligou até que à primeira voz que falou, também esse pensou. Ele e todos, ninguém nesse dia trabalhou, tudo pensou e discutiu, "que teria ele visto, que teria ele feito", que havemos nós feito sem existir, que somos nós sem pensar?
E de tanto pensar o país começou a existir, as pessoas começaram a habitar, os heróis a surgir, e tudo porque alguém viu, pensou, outros viram, outros discutiram, todos ganharam.
Todos excepto quem nessa noite voltou e, surpreendido, também pensou. "Que fizemos nós, fujamos antes que cheguem." E assim acabou a exploração, acabou um país que não existia, ou seja, passou a existir, tal como as pessoas, os seus problemas, os seus heróis, os seus orgulhos, a sua história.