Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


domingo, 14 de dezembro de 2008

Obrigado

Reencontrei um livro que há muito lera, um livro que muito gostei e muito me fez rir, um livro, também ele duma escrita envolvente, por tão pura ser, tão da sua nobre origem pertencente, angolana, mas universal; "Os da Minha Rua" - Ondjaki; fala sobre a infância do autor, da infância que no fim acaba por ser de todos, dos medos que vivíamos e agora rimos, descredibilizamos, das memórias que ainda temos, que pena tenho eu de as ir perdendo, pouco a pouco. A minha vida, pouco a pouco. Sinto que deixei a minha infância nas mãos de outros, os fantamas que me impediam de ir mais além, de explorar mais. Mas agora, recuperei-a a ler.
Também ele, o livro, perdido no meu sótão, desterrei-o do pó e esquecimento, agora aceso na sapiência que procuro, na brisa da vida que hoje me corre. Perdido dum tempo em que não lia, foi esse, foi esse o livro que mudou tudo, a minha primeira compra, o meu despertar! Como se tivesse nascido aí... meu Deus, nasci aí e quantas vezes já o fiz, quantas ainda terei? Sendo o meu mundo, tal como o conheço, germinado nas raízes dessa compra, desse livro, dessa infância, a minha infância, que, apesar de diferente da retratada, acaba por ser de todos, todos a passamos, todos a saudamos.
Não, não quero voltar a vive-la, gosto do que até agora descobri e, acima de tudo, do que ainda irei. Mas espero, sinceramente espero, poder recordar o tempo em que era eu puramente, onde sonhos reinavam sobre o medo e o futuro era aguardado com impaciência.
Agora me lembro, queria crescer depressa para poder fazer tudo o que quisesse, que vontade de rir me deu. Triste depois, triste por saber que por mais que faça, nunca o serei, inteiramente livre, talvez, o meu maior sonho de infância, o único que ainda me acompanha com toda a sua genuidade.
Pudesse eu voltar, não para sempre, apenas determinados momentos, determinadas memórias, saboreá-las, sentir tempo e espaço, pessoas desaparecidas, novas descobertas, sentir e ver, a Vida.
Um livro como semente, obrigado, Ondjaki.

2 comentários:

maria miguel disse...

basta fechares os olhos e recordares os saltos e as quedas que deste para puderes voltar a sentir o cheiro da liberdade que se julga ter quando se é pequeno :) *

maria miguel disse...

sim, eu imagino-o pintado a aguarelas, e tem de ter obrigatoriamente o sol lá em cima e os montes verdes que nos oferecem a tal 'liberdade'.