Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

(Sem-Título (mas não digam a ninguém, ou se disseram, baixinho para não chegar à memória))

Sempre me senti como um nabo chegado a um sítio novo, como se do que visse dependia toda a minha vida, olhava, olhava, olhava até que me diziam
-Viste aquilo?
e eu
-o quê?
sempre as coisas importantes me escaparem, ou pelo menos, agora as tomo como importantes, não sei se por apenas me terem escapado mas, se eu ao as falhar, perdi nesse momento toda a minha vida
-Viste aquilo?
não, nunca vi, não sei o que vou fazendo, penso talvez, apenas vagueando à procura, sempre à procura, de algo que pudesse mesmo fazer sentido em mim, tentando ouvir da boca de algum menino ingénuo a verdade que se escapa de quem pensa como eu, ver quem muitos consideram maus, a fazer as mais humanas das acções, acreditem, eles fazem, já os vi, sempre me dei melhor com eles que quem anda sempre em boas línguas, sempre gostei mais deles pois vi-os humanos
-viste aquilo?
apetecia-me perguntar a quem não os conhece e vê se não já com outros olhos, como, se mesmo sem conhecer, espera todo o mal num gesto, não sei porquê, talvez queira espalhar toda a sua inveja noutros
-viste aquilo?
nem mesmo que visse, não eles, eu, acho que continuava sempre à procura doutra ainda maior, um verdadeiro sentido mesmo que não exista ou eu, muito ceguinho, não tenha
-Viste aquilo?
e se visse, repondia sempre
-nã, ainda não chega
talvez nada chegue para mim, eu que sinto tudo, qualquer objecto, qualquer palavra encerra para mim toda a filosofia do mundo, anos e anos de conquistas para agora num
-Viste aquilo?
ver toda a minha sorte, posso sempre continuar à procura.

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