Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

País que não existia

Vou contar a história dum país que não foi, com habitantes que não o habitaram, com heróis que não o engradeceram, com um terretório que não existiu, com uma alma que perdura.
Nesse país, as pessoas acordavam todas á mesma hora e deitavam-se de igual forma. Nesse país, todos liam os meus autores conterrâneos que eram previamente escolhidos. Todos pensavam duma forma que era previamente pensada. Ninguém sorria, nem chorava, nem falava. O trabalho era para todos igual e tudo o que necessitivam aparecia sem saberem, nem questionarem, enquanto dormiam.
Nesse país, houve finalmente alguém que acordou enquanto todos dormiam, houve finalmente alguém que ouviu barulho e gritou, mas ninguém respondeu, todos dormiam. Sem respostas, encheu-se de coragem e caminhou para junto da inquietação.
Foi aí que viu quem de noite ia buscar o que de dia trabalhavam, foi aí que viu quem de noite trazia o que de dia precisava, foi aí que viu quem de noite pendurava avisos sobre o que deveriam fazer no dia seguinte. Foi aí que pensou pela primeira vez.
Pensou, e ajudado por um cérebro novinho em folha decidiu mudar os cartazes, enquanto outros dormiam, ele, percorreu todo o país escrevendo :"Hoje não se trebalha, porquê? Pensem vocês."
De tanto correr acabou morto, mas de trabalho feito. Quem o viu nem ligou até que à primeira voz que falou, também esse pensou. Ele e todos, ninguém nesse dia trabalhou, tudo pensou e discutiu, "que teria ele visto, que teria ele feito", que havemos nós feito sem existir, que somos nós sem pensar?
E de tanto pensar o país começou a existir, as pessoas começaram a habitar, os heróis a surgir, e tudo porque alguém viu, pensou, outros viram, outros discutiram, todos ganharam.
Todos excepto quem nessa noite voltou e, surpreendido, também pensou. "Que fizemos nós, fujamos antes que cheguem." E assim acabou a exploração, acabou um país que não existia, ou seja, passou a existir, tal como as pessoas, os seus problemas, os seus heróis, os seus orgulhos, a sua história.