Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


sábado, 29 de novembro de 2008

Colher

O mundo pode ser visto como uma simples colher. Para isso, bastaria imaginar uma simples gota, melhor, uma sucessão de gotas, uma atrás da outra, a cair. Vindas todas de igual sítio, um imaginativo local onde Vida se concebe. De onde iguais somos para diferentes acabar.
E as gotas vão caindo, passam todas elas por um largo, deslizando sobre ele, umas rápidas e elegantes mesmo que depois, de tanta graciosidade, algumas possam desmoronar. Outras há, pequenas ou grandes que possam estorvar. Por diferentes ângulos possuírem, por outras serem obrigadas a esperar e as levem também, para onde, agora contentes aparentem estar, na realidade não querem ir.
A todas as que chegam ao enorme lago, juntas, indivisíveis, identidades não únicas mas retocadas. Retardadas levadas a ser e pensar. No início, poucas, depois, mais vão caindo e tornando, o único e singular, em banal e colectivo, todas elas, gritando. Até que o lago enche e transborda, infelizmente levando, apenas quem o sustente, indeferença de qualquer guerra, caem como sempre, para um nada desligado da memória, da emoção, das outras gotas, que agora apenas pedem para não tombarem também. Nesse vazio excomungável de almas vãs, localizadas em pontos vagos.
Há ainda aquelas que no primeiro cair, passaram uma fase e vão logo para o segundo. Sem chegarem a ser, foram futuras imagens de quem não sorriu e chorou, de quem não fez sorrir e chorar, de quem agora, sorriou ou chorou, talvez até, os dois gestos ao mesmo tempo, ao imaginar, uma a uma, as gotas no seu triste fado, a cair.
No final, caem todas.

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