Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


sábado, 15 de novembro de 2008

Velha Dor

Por vezes sinto-me como se o mundo fosse explodir
e á minha frente um menino perdido.
À nossa frente
haveria tudo o que digno seria supor em tal situação.
Um ensurdecer do vazio
em que seriamos levados até todas as memórias devido ao encoberto desvendado,
glorificando pela primeira vez,
cada dia como um mal adiado.
Um vento cortante que nossos cabelos levam
na ânsia de toda a frustração acabar
mas mesmo ao partir volta sempre a quebrar.
Haveria ainda uma ravina
onde seriamos tentados á saltar sobre nuvens de água que se insurgem no bater
mas quem na verdade batia seriamos nós, desfeitos neste dia anunciado.

De repente paro,
entre meus olhos parados de medo
diante do verdadeiro medo que em mim se insurge.
Parado pensava em fugir
essas que pareciam quebrar,
não sei o que realmente me fez parar
a não saber, tal como em nada da minha vida,
sei apenas o que vi.
Via nessa criança a confiança que em tempos foi minha,
via nessa criança o olhar superior de quem não teme como eu não temia fazia tempos,
mas acima de tudo, via o olhar que meu foi,
escapado nessa dor há tempo demais.

Que teria significado crescer?
Teria realmente sido verdade
ou apenas enganado um espelho.
Hoje não faço pergunta para a qual possa saber resposta
apenas porque o que desconheço, desconheço em mim e nos outros,
apenas porque exijo saber porque vivo e para onde caminho
(se é que realmente caminho).

Mas porque penso,
quão condenado me sinto,
toda a minha filosofia nada serve perante o medo.
O medo de nada saber
o medo de nada ser
o medo de meus sonhos falhar.
Mas agora sei-o,
todos os meus sonhos falharam,
agora que me vejo preso
agora que mais nada posso perder
agora que em mim algo cresce
em sentido contrário ao razoável.

Diante dele estou,
á nossa volta, nada vivo parecia existir:
"Porquê nós?"
"Não é essa a pergunta certa,
certo seria perguntar, porquê tu?"

De joelhos caí,
nem a dor das pedras me fez demover,
em mais nada conseguia pensar se não em infortúnio assistir.
Que terei eu feito para além
de viver me negar,
do medo abastecer todo o meu corpo
e em mim próprio rodar.
Para todos os convites arranjei desculpas
até que as arranjar deixar de ser preciso.
De todos os meus amores vago me senti,
baixo, sem palavras se quer para olá dizer.
Aos poucos fiquei também velho,
só por natureza.

Passei a ver todas as luas, todas as estrelas, todas as nuvens, todas as noites.
Só, irremediavelmente só,
e do mundo conhecer apenas algo que fora dele levita no meu imaginar.
Desculpei sempre o indesculpável,
caí sempre que me empurraram sem tentar segurar,
todos os possíveis olhares
a correr fugir do medo de alguém poder conhecer,
do medo de alguém poder criticar o vazio que criei,
do medo de alguém criticar todos os defeitos que tenho e conheço
e apenas por os ouvir de novo,
vir outro medo mais forte por alguém o dizer.

"Vai! Atira-te!
Atira-te agora enquanto podes,
enquanto a pouca lucidez que resta não se acaba
e acabes num beco como um vagabundo.
Vai, vai ou nem sequer vás,
volta! volta a ser o menino que foste
e aprende outra vez."

Como eu gostava de voltar a ser.
Quantos amigos tinha,
que deles nem um postal recebo
apenas vejo um que perto vivo.
Quão feliz já fui
quando não pensava sequer em morrer.
Porque pensei, porque pensei eu?

Não me sinto capaz
nem de ir nem voltar,
não me sinto se quer capaz de respirar.

Não me vejo a acabar,
este egoísmo transformou-se em algo tão forte
que me controla, vendo sofrer.
Nem de pensamentos existo,
nem de afectos resisto,
porquê voltar?

"Entre milhões não tens nem um,
tudo te escapou,
tudo te fez morrer,
tudo te fará acabar"

Em mim o vejo
sempre que olhos fecho.
Daquele dia foi mais que o vento ou o mar,
mais que o menino ou a dor.
Fui eu que me fiz voltar.

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