Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


sábado, 30 de julho de 2011

O contraste, no sentido de um jogo de espelhos em que uma certa pose se debate, de um lado convexo, de outro côncavo, de um outro recto, .à esquerda/direita, atrás/ à frente, de forma orgânica rodando por uma rosa dos ventos que se afasta do centro sem ser em esquadro, de traço irregular e sujeito a um pulso intermitente. Como que deixando falhas, falhas em vários quadrantes cartesianos, o fio que sem se ouvir vai deixando pontos, formando traços, o qual saltita depois de encravar e é um espaço em descontinuidade que se forma. Uma pose fingindo que vira o olhar como uma pequena bolita colorida ao girar numa mesa de roleta, em que tanto poderá surgir face a um palacete cujas paredes emanam cheiro inclusive da cor que agora é fantasma e que atestam um misto de tempo e abandono, num amarelo claro a confundir-se com cinzento, ou, noutro momento, seja por exemplo a imensidão do vidro sustentado em aço que se depare. Suspeito de uma intermitência que deverá parecer eterna, e que fará abrir a boca como quem depois de uma situação de aflição vem à tona de água. A bolita colorida que segue havendo quem suas apostas faça, preto, vermelho, par, ímpar, um número, vários números, etc; havendo quem o sucesso das apostas deseje, não deseje ou seja indiferente face a tal, suas ou de outros e em várias intensidades e, também aqui, em várias combinações. Quem à mesa esteja e à mesa veja quem jogue, ou nos dois casos julgue que efectivamente o faz mesmo se não o fazendo de facto; quem esteja em outras mesas mais diferentes ou similares, ocupando-se dos mais diferentes e/ou similares interesses; e, mesmo quem em nenhuma das anteriores possibilidades se encontre, acredito que em princípio, mesmo que à primeira vista pareça em nada se ocupar, conscientemente ou inconscientemente, deixando o seu pulso fisicamente intermitente até no fio entrar e nessa recta soltar os seus pontos - se possível, deixando livremente a mão correr, fora das imposições cartesianas - que traços exprime? E quais, ao exprimir, dá notas de querer omitir, ou omite de todo? Provavelmente, existe também quem em nenhuma das anteriores categorias se insere.

Ruas apertadas que após um passo fazem surgir avenidas onde o trânsito segue, cortada a esquina, feroz, com sacos de plástico em pano de fundo a planar.

P.S: Joana M, hoje vi o teu comentário. Tenho de admitir que foi o incentivo final, sem saber o explicar ao certo porquê, deste aparente regresso. Procurarei escrever mais a partir de agora, e espero que com um estilo cada vez mais afinado depois de um período de esquecimento. Obrigado.

terça-feira, 29 de março de 2011

É agora que a poeira se levanta
Ensinaram-me isso, o de ela levantar-se quando a chuva
Esquecida, deixada atrás dos meses de Verão
Volta a respirar na calçada
Tornando-a mais subtil ao meu andar

Caminho mais facilmente, parece-me que sim
E, enquanto isto, um taxista passa
Como passam sempre, sem o procurar não o vejo
Ele talvez sim, não sei, simplesmente acabo de passar
e de seguida atravesso a rua

O olhar perde-se, perde-se
E fica em mim uma memória
Onde se perpetuam estas mesmas pedras
E este cheiro, viro costas baixo o olhar
vendo no chão uma folha
que, com o vento, roda atrás de mim

O barulho do motor enfia-se entre ruas - sem as ver
Prédios altos - se sem as ruas ver como afirmo da altura dos prédios? -
Prédios altos convidam-no para uma outra rua
E agora já é outro o som que me ocupa
Em que apesar de também ela molhada
Difere na calçada que piso.