Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


terça-feira, 10 de abril de 2012

Da objectiva de Godard para um qualquer ecrã que mo traduzo, sem o conseguir fazer. E aí estamos, nós, como que sobrevoando ainda que sem nos movermos, suspensos sem noção da altura em que estamos mas sem medo de cair, apenas a distância que nos separa a nós da multidão que, ao fundo, parece ir, sem que saíbamos ao certo com que direcção, nem sequer que origem. Estão de costas e vão andando, sem pressas, alternando os pés que se encontram à frente do ventre, sempre ao alcance do olhar, olhar esse que se vai ocupando do chão de pedra que vai deixando para trás sem parecer que o mar que quase os abraça seja preocupação. Parece-me estranho não chegar entretanto alguém, de certo de uma outra direcção ou, também ele, parado, disposto a vender qualquer coisa decerto importante e que faria valer a viagem, ou pelo menos aquele caminho onde as rochas que se vão pisando serem, dentro de pouco tempo, mais uma vez esquecidas.

domingo, 8 de abril de 2012

PJ Harvey - "The Last Living Rose"




Goddamn Europeans!
Take me back to beautiful England
And the grey damp filthiness of ages
And battered books

And fog rolling down behind the mountains
On the graveyards and dead sea-captains.
Let me walk through the stinking alleys
To the music of drunken beatings

Past the thames river glistening
Like gold hastily sold
For nothing... nothing.

Let me watch night fall on the river
The moon rise up and turn to silver
The sky move
The ocean shimmer
The hedge shake
The last living rose quiver.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Os meus cabelos moldam-se e vão com a pele e a carne, e acaba por mudar de tom. São as mãos que, por instituto mas não só, acabam por chegar. De início, com vontade de comprimir, e outra coisa não o fazem, até também elas se juntarem à amálgama. De repente, esquecem-se, obrigadas a esquecerem-se, e todo o corpo se agacha no primeiro canto que encontra, - espantando, não sem remorsos, os gatos com a confusão - e deixando o que cai a centímetros de distância, já noutro mundo, como banda sonora, acompanhamento de algo que já não o é. Ficam os membros superiores sem vida a mover-se pela cabeça, ocupando-se das maiores aberturas, e os inferiores esperneando, descobrindo chão seguro que não é concebível existir. 

Nico - Wrap Your Troubles In Dreams



Wrap your troubles in dreams
Send them all away
Put them in a bottle and
Across the seas they'll stay

Speak not of misfortunes
Speak not of your woes
Just steal yourself a holiday
Crouching by the door

Ride and sway to music's pain
Searing with the sides
Caress it with a lover's touch
For it shall be your bride

Wrap your troubles in dreams
Send them all away
Put them in a bottle
And across the seas they'll stay

Slash the golden whip, it slaps
Across the lover's sides
The earth trembles without remorse
Preparing for to die

Salty ocean waves and sprays
Come crashing to the shore
Bullies kick and kill young loves
Down on barroom floors

Wrap your troubles in dreams
Send them all away
Put them in a bottle
And across the seas they'll stay

Violence echoes through the land
In heart of every man
The knife stabs existent wounds
Pulse runs through matted hair

The gleaming knife cuts early
Through the midnight air
Cutting entrails in its path
Blood runs without care

Excrement filters through the brain
Hatred bends the spine
Filth covers the body pores
To be cleansed by dying time

Wrap your troubles in dreams
Send them all away
Put them in a bottle
And across the seas they'll stay

domingo, 1 de abril de 2012

A página em branco é um desafio que provavelmente alguém – ou, talvez ainda mais provável, muitos – já deve ter notado. Não a entendo aqui como objecto limitador pela sua natureza “sublime”, para usar a conhecida expressão de Kant que a “diferencia” do belo, mas, justamente, pelas possibilidades que apresenta.