Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Alma perfeita

Uma imagem transparente de onde o arco-íris brote, pózinhos brilhantes varridos da palma da mão depois dum sopro, carruagens antigas que principiam caminho, formando uma nuvem para a qual não há gravidade. Distraídos, pensamos ser capaz de agarrar os pózinhos um a um, talvez para um saco e levar para casa onde em dias de chuva passamos tardes a olhar para eles, com o queixo a encontrar descanso na mão. Vai-se devagarinho, uma pinça, mas pela deslocação do ar a carruagem escapa por outras linhas; vemos um fumozito do pouca-terra a ficar para trás. Depois do fumo dos olhos, levantamos a cara novamente na direcção daquela película, como a uma porta onde se bate à procura de doces. Se algum calha em cair, não sabemos o que fazer. Gasta-se a sola dum lado ao outro, sempre na mesma linha. Enquanto andamos, vamos de cara baixa e julgamos a nossa mão capaz de transpor tal superfície, no final da linha ganha-se um impulso e uma palavra tende a sair, não saí. Anda para trás, com sorte deixou um toque. Polegar, indicador, médio, anelar, mindinho. 2,3,4,5 dedos, combinações entre eles possíveis. Raro chegar à palma. Complicado haver espaço para juntar igualmente a segunda mão. Tudo isto com o cuidado de não afugentar os pózinhos e deixar a carruagem seguir os trâmites normais.
Uma menbrana que faz lembrar um vidro, com a diferença de apenas o vidro ser visível. Um ser. Do outro lado podemos imaginar o que há por sons que aqui e ali escapam, contactos mais acelerados, alterações de forma momentâneas. Mas as paisagens oníricas estão além disso, embora lá dentro.
Diamante por lapidar, o único caído de uma mina escondida bem no coração das florestas mais primitivas de Àfrica, onde a Natureza ainda impera e os povos seguem os seus rituais. Impossível fechá-lo numa mão ou tentar moldá-lo dado o seu tamanho, forma e brilho.
Um nome por inventar.

[Não deixes nunca de acreditar em ti. Nunca antes me deparei com tal força, igual à de um diamante.]

3 comentários:

MafaldaMacedo disse...

e pode-se saber para quem?..

Joana M. disse...

e quando se perde a fé?

A Coração disse...

Senti-me forte acreditas?