Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


sábado, 5 de dezembro de 2009

Desculpas... e não só.

Olhares que se cruzarem sem necessitarem duma palavra anterior, um sorriso, e assim continuaram, tantas e tantas vezes, sem essas palavras de parte a parte; acasos? Segundos onde o mundo se mostrava, por vezes, quem sabe (ao certo só duas pessoas), minutos sem cessar. Uma viagem no tempo, alguém ao nosso lado pergunta "se estamos a dormir", nos "o quê?", "a caneta que me emprestaste, toma" como resposta, "ah, a caneta, obrigado". Nenhuma certeza (nenhuma certeza?, que cobardia, que inexperiência, nesses momentos frases que se repetem cabeça "não é possível, não é possível"), para piorar um vulcão que acordou devido a um sismo com epicentro noutro lado, hesitações, réplicas que o meu sismógrafo não conseguia descortinar a origem mesmo não se esquecendo nunca de marcar a intensidade, escalas rebentadas, novos máximos; uma desculpa que tomei... Rios de lava que se alimentam de palavras. Os olhos iam e vinham e o meu peito para a frente, com o ar a querer sair, um som a querer sair mas que voltava para trás, engolida, uma onomatopeia que se dignasse. Pessoas pelo corredor mas nenhuma outra com olhos, pessoas contigo mas nenhuma outra com olhos. E eu um megafone sem fim, um ser onde o cérebro não tem influências, um tubo que começa junto a regiões do pulmão, junto ao lado esquerdo - de referir ainda a influência duma auto-estrada que vêm por aí acima até essas bandas e que tem tendência a bloquear - parco em palavras, em expressões. Agora a dor visível nesses olhos, eu tomado como fantasma, um susto, e a dor sentida em mim por essa outra que foi causada; o último olhar atestou isso mesmo, e pela primeira vez uma consciência convicta do que causei, e do que já perdi. A certeza toma o lugar do risco, e as hipóteses desaparecem... Um deserto habitado interminavelmente por tempestades de areia, um rosto que ficou à sua mercê; no fundo o que semeou. Segunda terei uma carta na manga (não falo apenas metaforicamente), palavras que correntemente nunca sairiam, não com a mesma lógica e verdade, com uma caneta que se baseou nas emoções que vinham naturalmente; embora com poucas esperanças que o prazo de envio ainda possa ser respeitado, meter requerimentos, fazer exposições, últimas instâncias... Vergonha, do que fiz.

Na cabeça a beleza desses olhos, e o quanto têm. Olhos com alfabetos dentros, diversas línguas, dialectos. Apenas um som pedido.

2 comentários:

pecado original disse...

A tua escrita é igual a um quadro de Dali................

Margarida disse...

eu. fiquei. extasiada.
então com a última frase...e a mescla de imagens e cores e formas e sabores que se formou cá dentro eram de uma beleza indescritivel.