Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

deixava os passos para trás
imersos num qualquer plano da calçada
enquanto um carro subia a rua
e dele só tomava consciência já longe
em surdina, num qualquer virar

ainda que para trás não só calçada
no caso de ter sido calçada o que pisei

sem que me sugasse o olhar
vozes incomprenssíveis a curta distância
ao passar notei alguém no seu corpo mas longe de si
decorando uma saída de metro, aquela hora saída nenhuma

a atravessar a rua tomava nota das montras
                                           caso o seu olhar mo permitisse
                                           caso o seu olhar não exigisse o meu
                                           caso o seu olhar não intimidasse o meu
na procura de um reflexo, finalmente socorrido
por uma claridade fora de horas

e ouvia-a

e ouvia-a, pensando no que falar
ouvia-a com receio de minhas parcas palavras
ouvia-a e as suas palavras ganhavam forma em mim
ouvia-a como se de uma melodia se tratasse

um rio irrompeu pela avenida
sem que qualquer um de nós alterasse o ritmo de passeio
e onde outrora veículos deslizaram aves, em refúgio da Lua

o não reconhecimento do terreno não se revelou pernicioso
tendo as nossas voltas alcançado o ponto anteriormente definido
pátio interior como ante-câmara, viagem ao fechar de um bar
palavras que se seguiram sem em nada pensar
a certeza no regresso de um dado sentimento

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