Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


terça-feira, 13 de outubro de 2009

Não faças charcos junto ao mar

A estrada desaparecia numa curva a descer, carros dum lado e de outro em competição para ver quem raspa mais tinta ao outro, virava a cara para cima e depois dum muro via-se casas velhas numa encosta ao fundo, telhados em forma de pianos desdentados, roupas ao vento, arames à cata dos canais da bola, um cão que só vai até onde a trela não esventra. Seguia-lhe os passos, virava-se para me olhar e tropeçava sempre numa pedra a mais na calçada, numa lata de Coca-Cola que alguém já não quer, ou até mesmo pelo virar repentino e consequente luz abrasadora do Sol bem longe das suas costas. Olhava-me como se me procurasse, a mão direita plana na testa e os olhos imigravam para a China, talvez o Sol me tornasse escuro e isso fazia-me ganhar tempo. Aproximava-me e a mão desaparecia da testa, os olhos regressavam às origens, talvez a um passo ou dois de distância voltava a virar-se para a frente e desatava a correr, curva a baixo. Dizia o seu nome e parava, o queixo virava-se para o alto. Desta vez não se virou mais e, com o embalo da descida e as inúmeras ruas que apareciam em labirinto, desapareceu. Ouvia-a gritar quando comecei a correr para a apanhá-la, deixou-se ficar um segundo que de noite funde-se com a parede do meu quarto, inclinou a cabeça para o lado esquerdo, mostrando-me a face esquerda de olhos na calçada, eu parei e no momento a seguir ela voltou a correr, depois da curva não mais a vi. «Safaste-te de mim», gritou. Corri horas naquele labirinto mas mais nada a não ser casas em pior estado à medida que ia correndo. Ao fundo, via-se o mar delimitado por barcos que ex-pescadores se esqueceram de os levar no túmulo, atracados e com roupas de plástico para turista ver; um paquete zarpava com pessoas felizes a dizer adeus. Uma ponte que começava onde não conseguia ver fazia a ligação a um outro lado, numa margem onde correm para o mar com o Sol a bater-lhes de frente. Na margem de cá como lá, uma imagem bem feita; do sítio onde a ponte começa nenhuma miragem para o outro lado, no outro lado a ponte desce no meio de prédios.

7 comentários:

. disse...

«Safaste-te de mim», gritou.

Apostava que ao ir, ela sorria e ria-se cheia de alegria. Acabara de marcar alguém.

pecado original disse...

As tuas histórias nunca têm fim.

pecado original disse...

Mantem-te nesse caminho e certamente também tu nunca terás um fim.:)

MafaldaMacedo disse...

o meu comentário está ali plas bandas do post do moço dos ídolos. tenho de vir cá ler isto melhor, mas ando cheia de trabalhos.. panico

MafaldaMacedo disse...

Tiro-te o chapeu.. Há um mundo de criatividade em Comunicação á tua espera, estás mesmo na area indicada hum? ahah. Juro-te que se não fosse tão elaborado para fazer neste instante que usava a tua ideia!

MafaldaMacedo disse...

E não serão as escritas mais reais que as prenunciadas?

MafaldaMacedo disse...

é a fortaleza, fraca ou forte, que nos impomos. lutar contra ela só depende de nós mesmos também. tal como tu, já escrevi coisas que por os olhos do terceiro me comerem as palavras elas nao saem, mas ando aprender. sou bastante expressiva até, o falar não me pode faltar.
eu dava-te o meu mail, se gostasses de messengers (olha só a minha memoria) e se fosses rapaz de boas familias e te deitasses cedo todos os dias, ao contrário de hoje não é, preciso de boas influências que para más tenho-me a mim própria pá :b