Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.
Franz Kafka, "Aforismos"
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
Gus Van Sant teached me Poetry
Não consigo descrever o que sinto ao ver este vídeo, uma cena tão simples e bela. Gostava de conseguir o mesmo.
Este também não é mau:
A minha forma de escrever vem do cinema.
sábado, 28 de novembro de 2009
Mais um minuto...
Está sentado numa sala, com uma chave no bolso mais pequeno.Pingos escapam pelo tecto, a madeira range quando alguém passa, os passos são tão lentos que parecem parar para tentar ouvi-lo. Além das paredes há apenas uma janela com os vidros partidos, quando acordou e se viu fechado naquele quarto foi até à janela onde gritou e gritou, ninguém respondeu. Um megafone estragado, uma girafa sem cordas vocais, falta de ar nos pulmões. Deparou-se com um espaço enorme, um enorme buraco entre a sua janela e a seguinte, mesmo estando as duas divisões ligadas pelo tecto, o corredor timha desaparecido. Rouco, deu um passo matrás, e de seguida um murro na janela, espalhando não só vidros como lascas pelo chão e pelo váuco abaixo, folhas de Outono, penas ao vento, uma moeda a tilintar entre círculos. Com a mão em sangue, lascas e vidros, sentou-se. Cabeça baixa, com a cabeça num espaço entre as pernas flectidas, cotovelos nos joelhos, pingos no nariz, passos e respirações no ouvido, murmúrios, pequenas poças, uma carpete húmida. A sala parece-lhe ir diminuindo em àrea, e por vezes sobe as costas para se ajeitar. Ossos a ganhar posição, raízes que vão virando a cara um lado ao outro, terra para trás. O sangue já coagulou, e na sua cebça tem a imagem de cada traço da parede, indo de vez em quando tomando nota do quanto as parede diminuíem; tem a intenção de sair. Um hamster a rodar, um cuco que já não sai do relógio, uma torneira a pingar, uma folha de papel rasgada em duas, metade para cada lado, ao sabor das mãos. A chave não diminuíe, e está seguro de ela abrir uma qualquer porta naquela parede. Não sabe se, para a chave coincidir com trinco, ja deixou escapar o momento, se está a passá-lo, ou se ainda tem de esperar. Mas na parede ainda não viu nenhum, nem tem ideia do que esperar depois, se outras salas, se outros pingos, se outros passos, se... Um ramo que se junta, corridas, sorrisos que se ouvem e chegam ao inconsciente. Caso não encontre a fechadura a tempo, terá de saltar pela janela ou acaba esmagado, ficando minutos com as pernas ao lado das mãos, o nariz a aspirar a humidade do tecto. Pode ainda encontrar o espaço mas, no exacto momento em que a tenta virar, ela ficar encravada e ser impossível abrir a porta, ficando depois a vê-la quebrar-se. Folhas de Outono, penas ao vento, uma moeda a tilintar entre círculos. Um aquario sem água, uma montanha de areia, um icebergue que se aguenta do Polo Norte ao Sul.
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Going lost...
Algo está a perder-se, como se aos poucos fosse perdendo a visão, deixando de ver as folhas nos passeios, os gatos nos tectos, os ajustes de vestido, a poesia. Parece que já não consigo escrever, que me escapam os pormenores, já não tenho a habilidade de os puxar com os dedos e realidade me escapasse, fugindo para o horrível cerébro. Sinto-me crescido, capaz, já sem uma característica diferente, capaz de transmitir sonhos, já sem algo puro. Incapaz de algo primitivo, uma reacção totalmente impulsiva, sem nada dentro, moldado e dependente demais, sem imaginação, cartas marcadas, dados gastos, cigarros fumados, merda!
Getting too Keaton and lefting Chaplin behind.
Getting too Keaton and lefting Chaplin behind.
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
Alma perfeita
Uma imagem transparente de onde o arco-íris brote, pózinhos brilhantes varridos da palma da mão depois dum sopro, carruagens antigas que principiam caminho, formando uma nuvem para a qual não há gravidade. Distraídos, pensamos ser capaz de agarrar os pózinhos um a um, talvez para um saco e levar para casa onde em dias de chuva passamos tardes a olhar para eles, com o queixo a encontrar descanso na mão. Vai-se devagarinho, uma pinça, mas pela deslocação do ar a carruagem escapa por outras linhas; vemos um fumozito do pouca-terra a ficar para trás. Depois do fumo dos olhos, levantamos a cara novamente na direcção daquela película, como a uma porta onde se bate à procura de doces. Se algum calha em cair, não sabemos o que fazer. Gasta-se a sola dum lado ao outro, sempre na mesma linha. Enquanto andamos, vamos de cara baixa e julgamos a nossa mão capaz de transpor tal superfície, no final da linha ganha-se um impulso e uma palavra tende a sair, não saí. Anda para trás, com sorte deixou um toque. Polegar, indicador, médio, anelar, mindinho. 2,3,4,5 dedos, combinações entre eles possíveis. Raro chegar à palma. Complicado haver espaço para juntar igualmente a segunda mão. Tudo isto com o cuidado de não afugentar os pózinhos e deixar a carruagem seguir os trâmites normais.
Uma menbrana que faz lembrar um vidro, com a diferença de apenas o vidro ser visível. Um ser. Do outro lado podemos imaginar o que há por sons que aqui e ali escapam, contactos mais acelerados, alterações de forma momentâneas. Mas as paisagens oníricas estão além disso, embora lá dentro.
Diamante por lapidar, o único caído de uma mina escondida bem no coração das florestas mais primitivas de Àfrica, onde a Natureza ainda impera e os povos seguem os seus rituais. Impossível fechá-lo numa mão ou tentar moldá-lo dado o seu tamanho, forma e brilho.
Um nome por inventar.
Um nome por inventar.
[Não deixes nunca de acreditar em ti. Nunca antes me deparei com tal força, igual à de um diamante.]
terça-feira, 24 de novembro de 2009
domingo, 22 de novembro de 2009
[The Dreamers] Hey Joe
Uma das minhas músicas favoritas, Hey Joe de Jimi Hendrix, com cenas daquele que é talvez o meu filme favorito - não me consigo definir no que se refere a filmes -, Dreamers de Bernardo Bertolluci. Não resisti a partilhar.
sábado, 21 de novembro de 2009
Recovery
Escadas onde no início procurava vestígios, uma erva que se enrolasse degrau acima, retratos pelas paredes, música ambiente, ao invês ampulhetas estragadas pelo caminho, o último grão caí e a ampulheta gira. Antes dos primeiros passos, somente um foco sobre uma cabeça e umas pernas dobradas, as mãos em primeiros contactos com os joelhos, fora dessa luz nem o vão de escada à distância de 5 dedos se notava. Suspirou o suficiente e tentou seguir viagem, aos primeiros apalpões deu com um degrau, depois o seguinte, e começou de gatas. Com o foco para trás, e sem conhecer por onde ia, calhava em desequilibrar-se e caía. Ficava minutos estendido até se recompor, novamente com o foco em cima, a funcionar como um dedo que tenta agitar um corpo inamovível, voltava a espernear e procurava novamente o ínico das escadas. Ia decorando os passos, o cheiro dos degraus, reconhecia nos seus ouvidos o barulho da areia a escorrer, e à medida de tanto bater com a cabeça no chão, lá acabou por avançar os primeiros 5 degraus e chegar àquela parte onde o corrimão começa, e apesar do resultado que sentia dentro de si derivante das quedas - a última foi mesmo das piores -, pôs-se de pé. Alisou primeiro a mão direita, depois com a esquerda recuperou o tacto da aspareza da madeira, quando velha. Virou costas para um olhar sobre o foco, à saída das escadas, como que pensando ser essa a última vez que o veria, respirou fundo e começou a subir, numa escada que se enrola pelo céu. As ampulhetas vão ganhando sentido, no corrimão recorda toques, a ideia de subir fá-lo recordar sonhos antigos. Por vezes pernas fraquejam, mãos percorrem testas, sentimentos invadem o raciocínio, mas hoje sentiu com mais certeza o toque duma mão estendida, talvez por vir relembrando o toque natural de algo concreto como o corrimão, talvez pelo ar que a este nível parece mais fresco, talvez mesmo pelo que este toque significa só por si, vindo directamente da base, e que lhe fez, num só passo, avançar 100. Quase que aposta já ver a porta, e sente-se seguro para o confronto com a maçaneta, sem ter de recorrer ao arrombamento. Se o vento ajudar, e mesmo com a madeira a ranger a cada movimento - logo ele que apesar de magro até têm pés grandes -, acredita agora ser capaz de lá chegar, pedindo apenas a continuação das palavras que recebe. A fonte mais alta deste rio.
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
Carta do sistema respiratório
Gostava de inspirar ar suficiente que me fizesse duma vez por todas chorar a sério, enquanto isso não passo dum pingo de quando em quando, mais pelo esforço que outra coisa, pelos empurros que tenho sentido contra a pele, influências da dilatação que o fogo causa. Julgo ter um nariz traidor, um sacana como apêndice, ou então os pulmões incapazes de maior capacidade, chegando-se mesmo para lá da pele, por vezes meto-lhe a mão em cima em auxílio, isto talvez por obra dum qualquer tubinho estragado nas imediações. Apenas de manhã, quando os sentidos estão menos despertos, o meu raciocínio traz o correio. Tenho uma carta do sistema respiratório numa letra ofegante, mas muita bem escrita, em que me pedem desculpas mas só estão a fazer o que o meu cérebro inconscientemente manda, ao que parece, sou um ingénuo que pelos dias de Dezembro manda cartas ao Pai Natal e, acima de tudo, neste momento, deseja não se fechar, custe o que custar. Pedem desculpa por não poderem retirar a carrinha dos dilúvios que me anda a empaturrar o trânsito, mas tratou-se dum acidente muito grande e é preciso ter cuidado a tirar os feridos, houve ainda um camião cheio de gás que passava por lá nesse preciso momento e acabou por explodir, deitando alguns edifícios abaixos, houve projécteis a bater nas nuvens e outros a chegar ao mar. Têm depois de limpar as ruas e ao que soubrou fazer um inventário como prova futura, estas coisas pedem organização e não podiam deixar que um sopro varresse tudo de seguida, fazendo ranhuras ao que lhe aparecesse pela frente.
Numa nota final, deixaram-me a pequena história duma caixa vazia que um dia foi até à praia, o vento era muito e a tampa arrancou-se, os grãozinhos de areia, sendentos dum espaço novo, foram logo a correr, contentes, formando fios e fios que depois se elevaram em muitos cumes pela caixa, ao que parece uma cadeia montanhosa com os picos a dizer olá aos céus. A caixa ficou por lá ainda uns tempos, mas depois viu que tinha de voltar a casa, só que agora, com todo o peso que levava, não tinha pernas para isso. Revirou-se e revirou-se e lá foi-de despejando. Está agora no caminho de volta para um banho onde, se possível, tire todo o pó e as pedrinhas que se agarram a tudo naqueles cantinhos a que mais ninguém consegue chegar. Agora não têm assim tanta vontade de ouvir as ondas de novo, mas os autores da carta garantem-me que assim que estiver bom tempo de novo, não vai resistir a voltar, e como é um pouco descuidado, pode mesmo voltar a esquecer-se dos cuidados que a tampa lhe pede, e deixar entrar os grãozitos outra vez, caso se livre do pó e das pedritas que agoram o sujam. No final da carta pedem-me desculpa pelos incómodos causados, tentarão ser o mais breves possíveis, dizem estar pura e simplesmente a tratar do bem geral. Eu, claro, acreditei neles e tenho de me aguentar com o barulho que fazem com as máquinas.
Em Post Scriptum, disseram ainda que me deixavam uma boa fotografia das areias que causaram isto tudo, eu agradeci está claro, mas disse-lhes que o cérebro pode estar descansado que os sentidos adormecidos guardaram uma imagem ainda melhor, um quadro surrealista da autoria deles próprios, enquanto sonhavam e batiam as asas pelas nuvens. O valor estéctico desse quadro será sempre bem mais que positivo, mas o que encanta é a sua profundidada que faz notar, sem explicações racionalistas.
Numa nota final, deixaram-me a pequena história duma caixa vazia que um dia foi até à praia, o vento era muito e a tampa arrancou-se, os grãozinhos de areia, sendentos dum espaço novo, foram logo a correr, contentes, formando fios e fios que depois se elevaram em muitos cumes pela caixa, ao que parece uma cadeia montanhosa com os picos a dizer olá aos céus. A caixa ficou por lá ainda uns tempos, mas depois viu que tinha de voltar a casa, só que agora, com todo o peso que levava, não tinha pernas para isso. Revirou-se e revirou-se e lá foi-de despejando. Está agora no caminho de volta para um banho onde, se possível, tire todo o pó e as pedrinhas que se agarram a tudo naqueles cantinhos a que mais ninguém consegue chegar. Agora não têm assim tanta vontade de ouvir as ondas de novo, mas os autores da carta garantem-me que assim que estiver bom tempo de novo, não vai resistir a voltar, e como é um pouco descuidado, pode mesmo voltar a esquecer-se dos cuidados que a tampa lhe pede, e deixar entrar os grãozitos outra vez, caso se livre do pó e das pedritas que agoram o sujam. No final da carta pedem-me desculpa pelos incómodos causados, tentarão ser o mais breves possíveis, dizem estar pura e simplesmente a tratar do bem geral. Eu, claro, acreditei neles e tenho de me aguentar com o barulho que fazem com as máquinas.
Em Post Scriptum, disseram ainda que me deixavam uma boa fotografia das areias que causaram isto tudo, eu agradeci está claro, mas disse-lhes que o cérebro pode estar descansado que os sentidos adormecidos guardaram uma imagem ainda melhor, um quadro surrealista da autoria deles próprios, enquanto sonhavam e batiam as asas pelas nuvens. O valor estéctico desse quadro será sempre bem mais que positivo, mas o que encanta é a sua profundidada que faz notar, sem explicações racionalistas.
Gostava de dormir para sempre, de alguém chamar-me e nem aperceber-me, de ficar sentado com os pés cruzados e rir-me até dum papel aos trambalhões só porque é um papel aos tranmbolhões, gostava de não pensar, livrava-me de todas as espirais e até a dor tinha um certo gosto, ou então pensar ainda melhor que Nietzche e Dostoievski juntos, gostava de descer uma rua e com os nós duma mão bater a todas as portas sem sequer ter de olhar para trás depois, gostava de me atirar com toda a força a um banco de pedra perto de rio e ver o pôr-de-sol como se mais ninguém passasse por ali, outras vezes gostava de estar lá sem estar, gostava que me dessem um toque no ombro de surpresa para eu saltar logo de seguida entre braçadas rápidas sem sentido, ao jeito dum pato a voar que ja prepara a aterragem, com um riso perdido nos meus lábios e sempre de olhar certo, gostava de esquecer todas as palavras e ouvir sempre tudo de novo, horas a ligar e a desligar um rádio, aumentar e tirar o volume, gostava de ser como uma borboleta quando deixa a crisálida, a abraçar a direcção que lhe deram, gostava de não ter de respirar, de não ser obrigado a cumprir funções, apetecia-me agora ser velho para sempre, gostava de entrar fundo dentro de mim, onde uma criança martela um carrito contra o chão de madeira apenas para ver as rodas parar e rolar no ar logo de seguida, quando se lhe abre a porta vêmo-lo de costas, mas imediatamente se vira e olha-nos com um sorriso. Ainda com o carrito escondido atrás das costas, a torcer a língua com medo que o vejam e o roubem.
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Culturas
É o tentar olhar para este momento como se duma flor estranha se tratasse, encontrada dum dia para o outro no canteiro, e cujas raízes, que me trm feito suplicar água e sais minerais como até então nenhuma outra tinha feito. Pensar que essas raízes que se alastram no solo apareceram aqui talvez pelo vento, ou obra dum pássaro, depois de engasgar e deixar a semente cair, talvez mesmo uma abelha. E, se deixar o canteiro a descoberto, quem sabe, talvez outra possa aparecer.
Mas depois, quando salto da minha caixa e vou ao jardim apanhar ar, lá está olho a flor, como que maior que todo o resto, a única vista em redor. Examino-a de diversos ângulos, as minhas pernas para cá e para lá, jogos de impaciência na minha cabeça, vou buscar uma cadeira perdida não sei onde e assim que me sento volto a levantar-me, levo o indicador aos lábios, intermitente, a mesma rota sempre para lá e para cá, num momento acabo por tropeçar na cadeira e já que a tenho de levantar, sento-me de seguida, olho novamente e desisto, tenho os olhos tapados pelas mãos e pelo cabelo, ora fechados ora fixos no chão, levanto-me outra vez a olhar para a flor, ela que só me pede contemplação, bons cuidados, dobro os joelhos e deixo a mão no queixo, o relógio para, se calho em suspirar há um furo que é descoberto nos meus olhos, os dedos funcionam como tampa e o furo não solta mais o repuxo, volto a entregar a mão à face, os olhos à flor, piscando muitas vezes e trocando posições, a cara move-se constantemente em tiques que não conhecia. Caso um comboio atrás de mim, nem um cabelo movia.
È uma flor enorme e extremamente bela que cresceu sozinha, mas agora, sem formas de crescer, acabará por murchar. Ainda que tal aconteça, nunca a arrancarei daqui, deixarei o seu caule e pétalas ao encontro da natureza, e só ela - talvez ventos, dilúvios, incêndios... - a poderá arrancar. Talvez tente um perfume com as últimas pétalas verdes que poder apanhar, as últimas que ainda se encontrarem verdes. As raízes ficarão pelo solo na rede que construíram, um espaço que tentarei guardar.
A profissão de jardineiro orgulhoso não é capaz de me cativar, mas canteiros sem cor não funcionam. Não sei se pelo vento, não sei pelo bico dum pássaro ou até junto aos poléns dum abelhas, talvez plantação premeditada, com primeiro a escolha da flor, o local, as ferramentas a utilizar, mas espero ter sempre a lucidez necessária para nesse canteiro onde, ainda que murcha, esse ser de memórias passadas ter apenas como companheiras seres dignas de tal.
O canteiro anda com ervas daninhas a saltar o muro e folhas secas a cair duma árvore cinzenta enorme, pena só quando já não o reconheço ou me avisam é que o começo a limpar. Assim que se tira o peso, volta ao normal. Assim que a primeira folha sai, os olhos baixam-se. Consciência de culpa, um barco a afundar-se por o marinheiro ter feito um buraco ao assustar-se com as ondas. Mas depois sabe tão bem ouvir o vento de mansinho, uma voz a ocupar-se da orelha a ordenar até o local de despejo dos detritos, a brisa com cuidados, um assobio no lóbulo.
Por medo de perda de identidade, nunca desenvolvi em excesso o pensamento. Foram os meus impulsos em mó de baixo que me traíram novamente, um novo buraco negro a pedir-te mão. Desculpa.
Mas depois, quando salto da minha caixa e vou ao jardim apanhar ar, lá está olho a flor, como que maior que todo o resto, a única vista em redor. Examino-a de diversos ângulos, as minhas pernas para cá e para lá, jogos de impaciência na minha cabeça, vou buscar uma cadeira perdida não sei onde e assim que me sento volto a levantar-me, levo o indicador aos lábios, intermitente, a mesma rota sempre para lá e para cá, num momento acabo por tropeçar na cadeira e já que a tenho de levantar, sento-me de seguida, olho novamente e desisto, tenho os olhos tapados pelas mãos e pelo cabelo, ora fechados ora fixos no chão, levanto-me outra vez a olhar para a flor, ela que só me pede contemplação, bons cuidados, dobro os joelhos e deixo a mão no queixo, o relógio para, se calho em suspirar há um furo que é descoberto nos meus olhos, os dedos funcionam como tampa e o furo não solta mais o repuxo, volto a entregar a mão à face, os olhos à flor, piscando muitas vezes e trocando posições, a cara move-se constantemente em tiques que não conhecia. Caso um comboio atrás de mim, nem um cabelo movia.
È uma flor enorme e extremamente bela que cresceu sozinha, mas agora, sem formas de crescer, acabará por murchar. Ainda que tal aconteça, nunca a arrancarei daqui, deixarei o seu caule e pétalas ao encontro da natureza, e só ela - talvez ventos, dilúvios, incêndios... - a poderá arrancar. Talvez tente um perfume com as últimas pétalas verdes que poder apanhar, as últimas que ainda se encontrarem verdes. As raízes ficarão pelo solo na rede que construíram, um espaço que tentarei guardar.
A profissão de jardineiro orgulhoso não é capaz de me cativar, mas canteiros sem cor não funcionam. Não sei se pelo vento, não sei pelo bico dum pássaro ou até junto aos poléns dum abelhas, talvez plantação premeditada, com primeiro a escolha da flor, o local, as ferramentas a utilizar, mas espero ter sempre a lucidez necessária para nesse canteiro onde, ainda que murcha, esse ser de memórias passadas ter apenas como companheiras seres dignas de tal.
O canteiro anda com ervas daninhas a saltar o muro e folhas secas a cair duma árvore cinzenta enorme, pena só quando já não o reconheço ou me avisam é que o começo a limpar. Assim que se tira o peso, volta ao normal. Assim que a primeira folha sai, os olhos baixam-se. Consciência de culpa, um barco a afundar-se por o marinheiro ter feito um buraco ao assustar-se com as ondas. Mas depois sabe tão bem ouvir o vento de mansinho, uma voz a ocupar-se da orelha a ordenar até o local de despejo dos detritos, a brisa com cuidados, um assobio no lóbulo.
Por medo de perda de identidade, nunca desenvolvi em excesso o pensamento. Foram os meus impulsos em mó de baixo que me traíram novamente, um novo buraco negro a pedir-te mão. Desculpa.
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
(falta de inspiração, assuntos e imagens repetidas)
Um pássaro entre 4 tábuas. As tábuas raspam por um muro abaixo onde pedritas lhes deixam lembrança. Uma carroça numa estrada com buracos, um burro de olhos vendados, um hamster à roda, papel amarrotado para encestar, uma unha no quadro, pó de giz. De quando em quando as asas acabam por espevitar-se do seu banco confortável e lançam um toque à janela do lado. Folhas aos montes agora secas, paisagens de tardes passadas, primeiros voos, restos de ninhos pelo chão em palhas que o vento procura. Suspira. Dá dois toques ao de leve, sem sentido, na janela. Nem para "toc-toc" dá. - A caneta caíria caso a usasse agora, haveria um olhar vago sobre a folha riscada, a consciência de livros por abrir, sítios e pessoas para conhecer. Porquês. Depois dum olhar para o ecrã, um salto para cima da cama. - Uma pedra maior pôs-se à frente e um galo na cabeça, penas pelo chão, asas encolhidas. Elas que voltam para trás e agora funcionam como casaco, o bico procura direcções junto aos pés, o banco torna-se enorme, o chão mais vasto, às tábuas acrescentam centímetros, por oposição ao vidro, cada vez menor. Em outras nuvens sabe da existência de quem o faria romper as tábuas apenas com a força das suas asas.
domingo, 15 de novembro de 2009
Who I am 2#
Amantes Regulares, de Philippe Garrel. Com Clotilde Hesme e Louis Garrel, que aqui interpreta a personagem de François.
Maio de 68, poeta, Lilie.
Louis Garrel, um dos meus actores favoritos, de quem convêm ainda referir ser um dos protagonistas daquele que é para mim o melhor filme da década, Dreamers. Nesse trabalho, ao lado de outro dos meus favoritos, Michael Pitt - Descobrir Forrester, Last Days, ... -, e da minha actriz favorita, Eva Green - Reino dos Céus, 007 - Casino Royale, ... -. Dreamers, realizado por Bernardo Bertolucci, autor do mítico O Ùltimo Tango em Paris.
(Mesmo de mim, naquela parte do vídeo dos 1:00 aos 1:03.)
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Espiral
Um teclado a oferecer resistência, os dedos voam e tiros por baixo, andorinha ao chão, um vale onde um rio diminuí, mais e maiores cascalhos à pedir ao céu uma corrente mais forte, nuvens brancas espaçadas por quilómetros, numa um sonho a aparecer de mão estendida, escadas brancas a um passo com um limite a perder de vista, noutra os olhos ao nível médio, uma árvore seca de savana, outra final que se deixou no reflexo duma poça, uma pedra em cima e ondas, uma cara que apenas o espelho conhece aos èsses, devido às curvas a miragem dum sorriso, palhaço pobre, fitas pelo chão no dia seguinte ao Carnaval, roxas, uma roda sem dentes, um novelo a resignar-se à brincadeira dum gato, no sofá o dono que com o comando na mão vai contando canais, uma antena que decerto mal sintonizada, a televisão aos riscos, chuva, olhos no chão à procura de abrigo a passo de corrida, em toda a rua ninguém, nenhum carro na berma, nenhuma janela corrida, lembrança dum livro de Kafka no que outrora foi um poster, outra poça que a esta velocidade mal me passa, um ténis por cima, atacadores ao lado de andorinhas, um atacador molha-se na poça e novas ondas, se se tentar um olho para trás nem a recordação do dito poster traz um raio de sol, um arco-íris, uma luz forte nos olhos, um gato em confronto com o novelo, palhaço rico com jeito para balões. Um dedo no botão da televisão e cama, amanhã (já hoje por uma hora e seis minutos), outro dia.
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Espelho do espelho, parede ao lado
Um espelho com outro espelho dentro. Olho o espelho, está à minha esquerda. Pica as nuvens com um pequeno enfeite seu, e foi colocado numa posição mais acima, guardando assim o reflexo do outro apenas no seu fundo. Dada a altura, outro lugar seria impossível.
Eu, de pernas dobradas no canto duma sala, vou focando cada vez mais, tornando-se maior. Em confronto à base, encontram-se desenhos que pertencem ao tecto desta sala, enfeitando o tecto com figuras oníricas, cheias de cores vivas. A sua superfície encontra-se capaz de fazer deslizar uma pena.
Por vezes reparo no outro espelho, que ocupa de alto a baixo a parede contrária, esta mais baixa para efeitos arquitectónicos. No tecto, nota-se a inclinação, a pender para este último espelho. A parede deste lado têm vindo a baixar e no espelho nota-se uma racha aqui e ali, mais visíveis no fundo do outro espelho. Um carrinho neste telhado e saltava que era um instante. 20º andar.
Num dos cantos, deito a cabeça e adormeço. O espelho do lado esquerdo envidrou-se no meu olhar.
Dentro dum espelho outro espelho, que reflecte o primeiro, que reflecte o segundo, que reflecte o primeiro, que reflecte o segundo, que reflecte o primeiro, que reflecte o segundo... um túnel a alongar-se.
Eu, de pernas dobradas no canto duma sala, vou focando cada vez mais, tornando-se maior. Em confronto à base, encontram-se desenhos que pertencem ao tecto desta sala, enfeitando o tecto com figuras oníricas, cheias de cores vivas. A sua superfície encontra-se capaz de fazer deslizar uma pena.
Por vezes reparo no outro espelho, que ocupa de alto a baixo a parede contrária, esta mais baixa para efeitos arquitectónicos. No tecto, nota-se a inclinação, a pender para este último espelho. A parede deste lado têm vindo a baixar e no espelho nota-se uma racha aqui e ali, mais visíveis no fundo do outro espelho. Um carrinho neste telhado e saltava que era um instante. 20º andar.
Num dos cantos, deito a cabeça e adormeço. O espelho do lado esquerdo envidrou-se no meu olhar.
Dentro dum espelho outro espelho, que reflecte o primeiro, que reflecte o segundo, que reflecte o primeiro, que reflecte o segundo, que reflecte o primeiro, que reflecte o segundo... um túnel a alongar-se.
domingo, 8 de novembro de 2009
sábado, 7 de novembro de 2009
Where did all the love go?
O vídeo está todo ele muito bom, cheio de pequenas situações nas mais variadas prespectivas mas, para mim, a imagem que se destaca claramente é a daquele corpo de mulher cheio de nomes a tinta preta, alguns deles borratados.
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
"Olhos nos olhos"
Uma bola aos saltos. A bola, saí da mão tentando não forçar, por um ligeiro abrir de dedos. Há uma sala branca, sem paredes, cheia azulejos brancos pelo chão, onde os quadrados formam figuras quando a visão foge pelo horizonte. Há a sensação de enormidade, mas também de ambiente fechado, onde o nariz procura uma brisa para cheirar e se ela calha vir duvida-se da força. A bola precisa dum tornado para acelarar a rota, no seu jogo de subidas e descidas. A gravidade não entra, nem influências de corpos estranhos como Vènus ou outros planetas; a bola tem o peso duma pena e como que flutua.
Neste plano, apenas a Lua cabe. A Lua de duração intermitente. Aos poucos, a bola vai chegando tão alto que pode ficar dias sem dar sinal, inacessível aos ventos mesmo tempo na sua forma pequenas marcas dele. Um dia a bola acaba por saltar a atmosfera, espera-se com a força e direcção suficiente para alcançar a Lua, mesmo que sem o vento a empurrar.
Neste plano, apenas a Lua cabe. A Lua de duração intermitente. Aos poucos, a bola vai chegando tão alto que pode ficar dias sem dar sinal, inacessível aos ventos mesmo tempo na sua forma pequenas marcas dele. Um dia a bola acaba por saltar a atmosfera, espera-se com a força e direcção suficiente para alcançar a Lua, mesmo que sem o vento a empurrar.
terça-feira, 3 de novembro de 2009
A educação duma lata
Está à sua frente uma lata, a baloiçar no tampo duma mesa redonda. À lata já não pertence aquele papel que se enrola à sua volta e a torna colorida, igual a outras da mesma série e diferente das restantes. Esta acabou por ser edição única, defeito de fabrico, serviu para se guardarem cartas antigas por lá. Alguém agarrou-as todas duma vez e meteu-lhes um elástico, duas dobras para apertar melhor.
As cartas, com o tempo, foram preenchendo o espaço entre si. O pó meteu-se onde o ar usava correr, e as cartas coloram-se umas às outras. Unidas, o maço passo a ser visto como um todo, em que a mais variada linha, anteriormente escrita numa letra cuidada, se torna imperceptível. A tinta começa a misturar-se nas folhas à volta, perdendo-a onde originalmente foi escrita para emigrar em zonas já abaladas por outras tintas, criando frases sobre frases.
Caso a alguém lembre a remoção do elástico, demorará até a marca do elástico desaparecer, serão necessárias unhas pacientes para, pelo menos, não rasgar, e esperar que as cartas percam o aspecto corcunda de tanto tempo enroladas; além da maior dificuldade que será lê-las agora.
Apertadas naquele elástico, presas numa lata cinzenta, dum alumínio moldável, e apenas com visão para o interior da lata, as cartas acabam esquecidas do mundo, com as suas palavras a entrar em decomposição. Se às cartas forem atribuídas a eternidade longe da tal mão capaz de as soltar, ao menos, se possível, lhes atenuem a pena, dando às letras e pontos, tinta permanente; como quando usada por uma caneta nova.
Alguém volta costas e, puxada pela deslocação, a lata deixa de abanar, rodando agora pelo chão. As cartas, a querer saltar da lata e com elástico a perder força, vão-se rasgando à medida que raspam com outros objectos, mudando também a direcção. Por fim, bate contra uma parede, dá uma pirueta atrás, e para. Todos os móveis da sala foram mudados, a tinta da parede trocada.
As cartas, com o tempo, foram preenchendo o espaço entre si. O pó meteu-se onde o ar usava correr, e as cartas coloram-se umas às outras. Unidas, o maço passo a ser visto como um todo, em que a mais variada linha, anteriormente escrita numa letra cuidada, se torna imperceptível. A tinta começa a misturar-se nas folhas à volta, perdendo-a onde originalmente foi escrita para emigrar em zonas já abaladas por outras tintas, criando frases sobre frases.
Caso a alguém lembre a remoção do elástico, demorará até a marca do elástico desaparecer, serão necessárias unhas pacientes para, pelo menos, não rasgar, e esperar que as cartas percam o aspecto corcunda de tanto tempo enroladas; além da maior dificuldade que será lê-las agora.
Apertadas naquele elástico, presas numa lata cinzenta, dum alumínio moldável, e apenas com visão para o interior da lata, as cartas acabam esquecidas do mundo, com as suas palavras a entrar em decomposição. Se às cartas forem atribuídas a eternidade longe da tal mão capaz de as soltar, ao menos, se possível, lhes atenuem a pena, dando às letras e pontos, tinta permanente; como quando usada por uma caneta nova.
Alguém volta costas e, puxada pela deslocação, a lata deixa de abanar, rodando agora pelo chão. As cartas, a querer saltar da lata e com elástico a perder força, vão-se rasgando à medida que raspam com outros objectos, mudando também a direcção. Por fim, bate contra uma parede, dá uma pirueta atrás, e para. Todos os móveis da sala foram mudados, a tinta da parede trocada.
domingo, 1 de novembro de 2009
Knocking on Heaven`s Door*
Mama, take this badge from me
I can't use it anymore
It's getting dark too dark to see
Feels like I'm knockin' on heaven's door
knock-knock-knockin' on heaven's door
knock-knock-knockin' on heaven's door
knock-knock-knockin' on heaven's door
knock-knock-knockin' on heaven's door
Mama, put my guns in the ground
I can't shoot them anymore
That cold black cloud is coming down
Feels like I'm knockin' on heaven's door
knock-knock-knockin' on heaven's door
knock-knock-knockin' on heaven's door
knock-knock-knockin' on heaven's door
knock-knock-knockin' on heaven's door
*Música original de Bob Dylan
Subscrever:
Mensagens (Atom)