Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


segunda-feira, 18 de maio de 2009

"Os Domingos são horriveis para mim" - capítulo 4 - 21:00

(...)
Eles discutiam onde ir a seguir.
O pintor contava-me a história dum conhecido seu que, todas as segundas feiras, mandava a si próprio uma carta. Tirou do bolso um apontamento e leu:
«Caro José,
Venho por este meio informar vossa excelência de certos factos do seu comportamento que muita anpreensão me têm causado. Devo informar-lhe que este acto é para mim, como imagino para a sua pessoa, um acto penoso de consciência. Mas, na qualidade de amigo de longa data, considero ser do meu dever apontar a vossa senhoria uns pequenos reparos sem, com isto, ter a menor ponta de preteensiosimo.»
E continuava sempre neste tom, sempre com esta introdução, descrevendo inúmeras situações dessa semana que o apoquentavam. No final da carta deixava, igualmente, uma deixa, sempre a mesma:
«Acho necessário mais uma vez relembrar-lhe que, estando longe de mim qualquer sentimento menos digno da nossa longa amizade, limitei-me a fazer o que, no meu âmago, sentia ser meu dever. Bem sei que pode questionar a minha moralidade para tal gesto, mas há coisas a que um amigo se sente obrigado mesmo não querendo. Tudo, e digo isto sinceramente, para o que neste momento considero ser o melhor para seu bem enquanto pessoa equilibrida como o considero.
Dispeço-me atenciosamente,
Um Amigo»
A carta chegava às terças; quartas nos piores dias. Lia-a atentamente, voltava a dobrá-la com cuidado e guardava-a numa gaveta onde customa guardar os documentos mais importantes. Chegava a Sábado e queimava-a.
Deixou de fazer isto quando um vizinho descobriu tudo e espalhou a notícia.
(...)

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