Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


terça-feira, 1 de setembro de 2009

Era num bar a que normalmente iam. Na mesa que ocupavam, de madeira, tinham apenas 2 cafés por cima. Até chegar ao balcão havia um espaço para dançar. As mesas estavam muito juntas, e o barulho da música tornava quase impossível ouvir outras conversas. Faziam tempo para uma festa onde iriam depois.
-Porque não vais e falas com ela?
-Quem? - respondeu a olhar pela sala.
-Ela. - apontou, depois de reparar que neste momento dançava para outro lado no meio do bar - Não me digas que ainda não a viste. Têm estado a noite toda a olhar para ti.
-Por acaso não, a sério. Perco-me a falar contigo.
-E ela também se perdia.
-Não me interessa.
-Vai lá, deves-lhe isso.
Ele levantou a cabeça e, de olhos bem abertos, mirava a sua amiga.
-Eu o quê!? Mas por acaso matei alguém? Acho que nunca falei com ela nem nada, que treta é essa agora?
-Tu não falas com ela nem com ninguém, já antes mal te ponhamos os olhos em cima, andas todo apanhadinho rapaz. E agora, alguém como ela, muito fixe na minha opinião, que têm estado o tempo todo a olhar para ti, ficas aí sentado. Ela é muito gira, não é? È o que tenho ouvido os rapazes dizer, "toda boa", mais gira do que eu até. È, não é?
-Capaz de ser, nunca reparei bem. Mas já que falo pouco, e já que os meus dias são uma seca, aproveito para ficar aqui a chatear-te. Tenho os meus direitos.
-Então e se eu me for embora?
-Eu paguei ao segurança para trancar isto tudo. Estás condenada.
Na mesa, ele agarrava a colher do café e ia-a rodando na chávena vazia, a amiga virou-se e encontrou-a encostada à parede, a fazer que não com as mãos a alguém que a chamava do meio da confusão.
-Não vais deixá-la ali, pois não?
-Estava bem a pensar nisso.
-Odeio quando te pões com estas coisas, como se tu fosses de ferro. Ao menos uma palavra.
-Isso ainda era pior. Não tenho nada contra a rapariga, mas não me diz nada, é-me um pouco indiferente, que é que queres que eu te faça? E detesto o que está a fazer, como se estivesse à espera, se fosse lá ainda fazia pior.
-Tu não és bom da cabeça. Não, tu não és é humano, há alguma coisa que bate aí dentro? Que é que te custava? Ao menos uma explicação. A outra não está aqui se é isso que te preocupa. Porra, mal a conheces. Se calhar nem à festa vais.
-Tu não a conheces. E não te preocupes, prometeram-me Strokes e bebidas à borla, claro que vou.
-Para mim não faz sentido nenhum. - olho-o nos olhos e abanou a cabeça.
-O quê? Os Strokes ou as bebidas à borla? Fácil, tanto um como outro é curtir até o resto começar a ficar mais claro.
-È mesmo impossível falar contigo, nem sei porque continuo, bem me avisam.
-Devias experimentar o segurança, nem imaginas o maço de notas que lhe pôs nas mãos e agora por mais que tente nem vê-las.
-Sabes que mais? O segurança distraiu-se.
Ela levantou-se e virou costas sem dizer mais nada.
-Espera. - tinha os olhos no chão e massajava as pernas, esteve uns segundos calado - Queres mesmo saber? - voltou a agarrar numa das colheres e rodava-a na chávena enquanto falava - Os olhos dela, são tão grandes, tão vivos que nem sempre consigo olha-la de frente, como se bloqueasse. È a única pessoa a quem não consigo imaginar o que está a pensar. È completamente doida, quando não estou bloqueado não consigo parar de rir, e se por vezes me deixa nervoso, diz logo qualquer coisa que me faz sentir à vontade. Tenho medo como nunca tive. Sinto ainda que era capaz de a fazer feliz, mas nunca vou ter a oportunidade. E acho que ela gosta de outro.
A amiga puxou a cadeira e voltou a sentar-se.
-Ela já sabe?
-Não. - respondeu ele enquanto passava a mão pelo cabelo, deixou-a cair até chegar à barba que deixou mal cortada.
-Não!? E ainda falas da pobre coitada que está ali à tua espera?
-Aconteceu, eu não estava à procura, conheci-a por acaso e comecei a acha-la interessante, tenho vindo a conhecê-la e cada vez mais gosto dela. Tenho cada vez mais medo de me precipitar, ou de deixar passar algum sinal verde, o que duvido que venha a acontecer.
-Agora ainda me parece pior, isto não é nada teu. Chegas mesmo a bloquear? Quer dizer, ficas sem saber o que dizer?
-Às vezes.
Ela riu-se.
-Já sabia que ias gozar.
-Desculpa, mas têm graça vindo de ti.
-Vou beber qualquer coisa, queres? Pago eu, mas aviso-te já que é forte.
-Como se chama?
-È... - e à medida que se misturavam na multidão deixaram de se conseguir ouvir.

These are the Strokes:

2 comentários:

Rita Silva Avelar disse...

gostei muito. gosto da forma como descreveste o ambiente, e claro, o final arrebatador (dos meus preferidos, como sabes) ficou mesmo muito bem.

;)

Rita Silva Avelar disse...

(e agora estou inspiradissima pra ir escrever mais um post, thanks)