Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O Espelho de Babilónia

Na longínqua e, agora, imaginária, Babilónia, havia uma torre, Babel, que chegava até ao fim das nuvens e um pouco depois delas, num espaço que ninguém é capaz de ver. Num monte, defronte à torre e que nunca ninguém descobriu se não eu, havia um espelho.
Ora, os espelhos, mostram uma imagem numa igual distância ao objecto representado. Neste caso, a torre. Mudando conforme muda a perspectiva dos olhos, via-se desde o começo da torre ao que se imaginava ser o espaço infinito, aquele está depois das nuvens e sabia-se existir. Quando se olhava para ele, esse estado imaginário que parecia ser imaginário, transformava-se agora no seu oposto, também ele imaginado mas, real.
Tudo o que entre esses pontos existia era o mundo excepto o Nada, o espelho, e os dois infinitos. Todo o mundo, naquele tempo, não era mais que a distância entre o infinito do espelho e o infinito da torre.
Os babilónios tinham a curiosidade de subir esse monte e, naquele momento, estarem no centro do mundo. Mas isso era o impossível pois, o centro, era a fina mas dura face do espelho. Para o conseguirem, tinha de ser partido. Isto, claro, não queriam.
Havia outros ainda que, na tentativa de acabarem com o mundo, tentavam tapar o espelho. Era impossível, ele era muito grande. Houve inclusive uma vez que, todos os habitantes se juntarem e colocaram-se de fronte mas, mesmo assim, não conseguiram. Quem estava em cima disse mesmo que o espelho cresceu.
Até que um dia, um dos seus habitantes, especialmente conhecido pela sua fúria e pessimismo, cansado de tentar imaginar os extremos do mundo sem o conseguir, tentou partir o espelho. Para isso, levou algumas das ferramentas usadas na construção da torre, conhecidas pela sua fidelidade. Bateu e bateu mas nada. O espelho não partia. Passou lá tanto tempo, fazia tanto barulho, que acabou por despertar a atenção de terceiros. Estes, quando o virem, mandarem de longe tijolos que sobraram da construção da torre; esses tijolos não foram usados porque pensavam que já tinham chegado ao infinito, não conseguiam ver mais, portanto, para eles, era o infinito, mais tijolos não interessavam. O primeiro, tão absorvido na sua tentativa apocalíptica, não reparou em nada e acabou morto. Os outros, por segurança, mandavam mais, até que, de tantos que mandavam, iam enfraquecendo o espelho, acabando este por partir.
Com o seu fim, deixou-se de imaginar os Infinitos como coisa e passou-se a vê-los como inícios e fins de algo. O Nada, anteriormente apenas Nada, estava agora espalhado no Tudo. Apesar de já não se ver, sabe-se que existe. Para tudo há um oposto, não fosse assim, nada se completava.
Para castigo, desceu sobre a Humanidade a desordem e a pluralidade das línguas. A ambição, já antes desmedida em algumas situações, deixou de o ser em algo infinito que quase se via, para agora tentar alcançar apenas o concreto que nos mata. Igualmente para castigo nosso, os espelhos deixaram de mostrar os extremos para nos mostrar o disforme e o contrário, tendo como simples intuito, enganar.

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