Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Poema Esquecido

Meu Deus, como eu tenho medo agora
de sentir e voltar a esquecer,
ou pior, não sentir e disso me lembrar.
Tudo o que acabei de ler,
tudo o que acabei de sentir,
tudo o que de forma inesperada
e irracional entrou em mim,
não por mim,
alguém novo que se encarcerou,
eu já não sei aonde vou,
já não sei aonde a minha alma parte
mas parte certamente algures,
o barco com a vela rasgada
já vai ao fundo e de lá não sai,
e com ele, eu.

Que sei do que é ou não é.
Sei eu se algo é realmente
ou a realidade é a única mentira
que os meus olhos me contam,
será ela algo, serei eu vivo,
seremos todos imaginação?
Todos de cada um e cada um de todos.
Explicava tudo,
contradições, confusões,
ódioes, amores...
Mas serei eu ou serei eu outro,
já não eu, dono de alma
que jaz no fundo,
culpa do barco da vela rasgada.

Que seria eu sem pensar,
serei eu mesmo pensamento?
Estarei agora a sonhar?
Sonho, sonho que tudo é nada
e nada é mais que eu
nos braços largos do sonho
onde me minto e já não sei,
será o vento a passar?
Sonho ou realidade?

Será tudo o que não sei,
tudo o que recuso conhecer
ou enfrentrar os meus verdadeiros medos,
levando-me a mim a sonhá-los,
imagino-os a toda a hora
para sem sofrer morrer diariamente.
Será que tudo o que anseio
não será tudo o que odeio
e ao alcança-lo poder dizer agora,
tudo o que fiz não é se não desperdicío de vida.
eu, que ao me entregar desapareço
sou agora ainda mais pequeno
pois já nem eu sou.
O propósito da crítica acabou
e fiquei aqui agora, como sempre,
só, sinto que me devo deitar.

Quem me dera ao menos
ao rio ter coragem de me atirar,
contra as pedras remar
e o meu futuro enfrentar.
O juizo final está longe
mas o Luz já está a desparecer,
quero gritar!

Espantar em mim todos os diabos
todos aqueles que me afastam
tudo o que hoje me faz
de mim longe estar,
mas não consigo se não tentar.

Sinto-me mais livre,
as almas estão a sair, uma a uma
deste ser disforme,
sem a mais pequena deixar,
quando poderei eu voar?

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