Nem pensava que ia acabar tão bem disposto. Primeiro, acabei de ler que a Islândia ia ter como primeira-ministra uma lésbica assumida, isso sim é que é um país. Podem estar todos lixados economicamente mas deram uma grande lição de direitos humanos.
O novo filme de Gus Van Sant, um dos meus realizadores favoritos, acaba de estrear: Milk. Com Sean Penn no principal papel e Emile Hirsch, dois dos meus actores favoritos; retrata a história do primeiro gay assumido a ser eleito para um cargo público nos EUA, pena ter sido assassinado.
Para completar, houve 2,5 milhões de franceses na rua em protesto contra Sarkosy, para relembrar os bons velhos tempos do Maio de 68. Portugal é que não toma o exemplo. Já estou a imaginar os estudantes portugueses atrás dum Fiat a lançar pedras à policia, (não que tenha alguma coisa contra, é apenas o que simboliza, por mim, iamos ao Parlamento só para assustar) enquanto nos intervalos fazem discursos contra o capitalismo e recitam poemas como os saudosos de 68. Pena estar a sonhar.
Mas mesmo assim, cada vez me parece mais que esta crise vai varrer muita coisa. Podemos estar mal em termos materiais durante uns anos, mas o que se ganha em mentalidade promete.
Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.
Franz Kafka, "Aforismos"
quinta-feira, 29 de janeiro de 2009
terça-feira, 27 de janeiro de 2009
(Nem eu sei o que isto é)
Que me dizes enquanto enrolas as mantas sobre os teus pés que ainda estão frios pelas poucas que ainda passamos juntos. Sim, apenas com muitas e mais muitas; mais muitas como gostas de dizer e eu acho graça; tem calma que eles aquecem e eu também e nos bem juntinhos, só precisamos da manta para as mãos que sem querer se espevitam como se tivessem vida e apontam mundos que não conhecemos e um dia gostaríamos de ver; lembras-te, sim agora já aqui estamos, não parece tão bonita pois não?; só tu continuas igual em qualquer lado e eu fico sem que dizer pois não sei que responder ao lado de tal sumptuosidade. Não me interrompas por favor, eu sei, também eu. Mas porquê dizermos isso se ambos sabemos que é verdade e em vez de dizermos podemos mostrá-lo em cada acção como esta que embora pareça já não ser tão ideal como prevíamos continua a ser diferente e mostramos um ao outro que falar nem é assim tão importante. Encosta-os nos meus pois quero soletra-lo com a minha língua e se não me deixas dizer-te dessa forma aí sim fico zangado. È tão bom o gosto dessas tuas nenhumas palavras que temos tanta necessidade de cochichar um ao outro e por pouco que te pareça para mim chega, fico contente por ser igual contigo. Dá-me agora que temos de voltar para o nosso mundo, tira a manta; os pés já estão quentes não?; não te esqueças de te calçar, eu agarro-te os sapatos. Quentinha agora não é?
domingo, 25 de janeiro de 2009
Um pequeno trecho do que ando a fazer
"São esses os traços que me prendem, que me lembram do presente pois, para a minha mente, tal espaço não existe, não pode simplesmente existir. Os muros deparam-se demasiado grandes (realmente, muros?... que falta de imaginação!) para quem gosta de saltar e bater com a cabeça. O passado, ou que julgo que seja; pior ainda, o que, para meu contentamento, desejo que tenha sido; está presentemente em mim não apenas como recordação mas como influência constante em qualquer pensamento, em qualquer acção, mesmo na mais simples. Até ao virar a rua recordo-me como a atravessava sem hesitações, sem Tempos!, o quão inexplicável me parece agora, sem os Tempos… Mesmo para o mais simples gesto com a mão; abrir uma porta, segurar um qualquer objecto, procurar um livro, etc.; já não é mecanicamente como antes. A minha mão tem de ter a certeza que o meu cérebro ainda existe, tende a interligar-se com ele, fazendo acontecer o contrário: provar a existência da minha mão. De que ainda se encontra algo no espaço que penso lhe estar reservado e deixe de vislumbrar outra coisa que não o complemento do meu membro: uma coisa que nem nada me parece ser, pois fosse nada, teria a beleza decente de nem chegar a existir, de não me ocupar com ela. Mas neste espaço algo ousa existir; vazio ou não: existe; e assusta-me precisamente por isso, por não saber do que realmente é capaz; o que realmente sou e faço: a ideia de não passar dum corpo que já não responde em conformidade com a alma. Pois agora não consigo tirar de mim a sensação de já ter sido outro, de ter feito coisas diferentes; da minha mão: ter feito coisas diferentes, talvez, quem sabe, apenas essas verdadeiramente úteis, reais…num tempo, esse sim: real."
P.S: Gostava duma opinião realista
P.S: Gostava duma opinião realista
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
Qual...?
Que posso fazer se não pensar nos caminhos que já foram feitos e nos que ainda estão por fazer, os que falo agora não, vejo-os diante de mim ou, pelo menos, o que penso que são.
Amanhã sim, amanhã pensarei nos caminhos que percorri hoje com a pena de não ter pensado neles na altura e só assim posso gostar de alguma coisa.
Depois, depois tento imaginar os caminhos que farei no dia seguinte com a certeza que no dia seguinte imaginarei eu outros e, também só aí, gostarei deles.
Mas estes não, destes não gosto, como podes tu gostar?
Se eles são o que se apresentam odeio-os por serem apenas o que se apresentam.
Se não são o que se apresentam odeio-os por não o serem.
E, se algo está no meio então que fique pois eu também ando no meio e nada mais anda comigo. Tenho duas portas e dois caminhos em cada lado que vou.
O que dá prazer…é ir caminhando.
Amanhã sim, amanhã pensarei nos caminhos que percorri hoje com a pena de não ter pensado neles na altura e só assim posso gostar de alguma coisa.
Depois, depois tento imaginar os caminhos que farei no dia seguinte com a certeza que no dia seguinte imaginarei eu outros e, também só aí, gostarei deles.
Mas estes não, destes não gosto, como podes tu gostar?
Se eles são o que se apresentam odeio-os por serem apenas o que se apresentam.
Se não são o que se apresentam odeio-os por não o serem.
E, se algo está no meio então que fique pois eu também ando no meio e nada mais anda comigo. Tenho duas portas e dois caminhos em cada lado que vou.
O que dá prazer…é ir caminhando.
O Espelho de Babilónia
Na longínqua e, agora, imaginária, Babilónia, havia uma torre, Babel, que chegava até ao fim das nuvens e um pouco depois delas, num espaço que ninguém é capaz de ver. Num monte, defronte à torre e que nunca ninguém descobriu se não eu, havia um espelho.
Ora, os espelhos, mostram uma imagem numa igual distância ao objecto representado. Neste caso, a torre. Mudando conforme muda a perspectiva dos olhos, via-se desde o começo da torre ao que se imaginava ser o espaço infinito, aquele está depois das nuvens e sabia-se existir. Quando se olhava para ele, esse estado imaginário que parecia ser imaginário, transformava-se agora no seu oposto, também ele imaginado mas, real.
Tudo o que entre esses pontos existia era o mundo excepto o Nada, o espelho, e os dois infinitos. Todo o mundo, naquele tempo, não era mais que a distância entre o infinito do espelho e o infinito da torre.
Os babilónios tinham a curiosidade de subir esse monte e, naquele momento, estarem no centro do mundo. Mas isso era o impossível pois, o centro, era a fina mas dura face do espelho. Para o conseguirem, tinha de ser partido. Isto, claro, não queriam.
Havia outros ainda que, na tentativa de acabarem com o mundo, tentavam tapar o espelho. Era impossível, ele era muito grande. Houve inclusive uma vez que, todos os habitantes se juntarem e colocaram-se de fronte mas, mesmo assim, não conseguiram. Quem estava em cima disse mesmo que o espelho cresceu.
Até que um dia, um dos seus habitantes, especialmente conhecido pela sua fúria e pessimismo, cansado de tentar imaginar os extremos do mundo sem o conseguir, tentou partir o espelho. Para isso, levou algumas das ferramentas usadas na construção da torre, conhecidas pela sua fidelidade. Bateu e bateu mas nada. O espelho não partia. Passou lá tanto tempo, fazia tanto barulho, que acabou por despertar a atenção de terceiros. Estes, quando o virem, mandarem de longe tijolos que sobraram da construção da torre; esses tijolos não foram usados porque pensavam que já tinham chegado ao infinito, não conseguiam ver mais, portanto, para eles, era o infinito, mais tijolos não interessavam. O primeiro, tão absorvido na sua tentativa apocalíptica, não reparou em nada e acabou morto. Os outros, por segurança, mandavam mais, até que, de tantos que mandavam, iam enfraquecendo o espelho, acabando este por partir.
Com o seu fim, deixou-se de imaginar os Infinitos como coisa e passou-se a vê-los como inícios e fins de algo. O Nada, anteriormente apenas Nada, estava agora espalhado no Tudo. Apesar de já não se ver, sabe-se que existe. Para tudo há um oposto, não fosse assim, nada se completava.
Para castigo, desceu sobre a Humanidade a desordem e a pluralidade das línguas. A ambição, já antes desmedida em algumas situações, deixou de o ser em algo infinito que quase se via, para agora tentar alcançar apenas o concreto que nos mata. Igualmente para castigo nosso, os espelhos deixaram de mostrar os extremos para nos mostrar o disforme e o contrário, tendo como simples intuito, enganar.
Ora, os espelhos, mostram uma imagem numa igual distância ao objecto representado. Neste caso, a torre. Mudando conforme muda a perspectiva dos olhos, via-se desde o começo da torre ao que se imaginava ser o espaço infinito, aquele está depois das nuvens e sabia-se existir. Quando se olhava para ele, esse estado imaginário que parecia ser imaginário, transformava-se agora no seu oposto, também ele imaginado mas, real.
Tudo o que entre esses pontos existia era o mundo excepto o Nada, o espelho, e os dois infinitos. Todo o mundo, naquele tempo, não era mais que a distância entre o infinito do espelho e o infinito da torre.
Os babilónios tinham a curiosidade de subir esse monte e, naquele momento, estarem no centro do mundo. Mas isso era o impossível pois, o centro, era a fina mas dura face do espelho. Para o conseguirem, tinha de ser partido. Isto, claro, não queriam.
Havia outros ainda que, na tentativa de acabarem com o mundo, tentavam tapar o espelho. Era impossível, ele era muito grande. Houve inclusive uma vez que, todos os habitantes se juntarem e colocaram-se de fronte mas, mesmo assim, não conseguiram. Quem estava em cima disse mesmo que o espelho cresceu.
Até que um dia, um dos seus habitantes, especialmente conhecido pela sua fúria e pessimismo, cansado de tentar imaginar os extremos do mundo sem o conseguir, tentou partir o espelho. Para isso, levou algumas das ferramentas usadas na construção da torre, conhecidas pela sua fidelidade. Bateu e bateu mas nada. O espelho não partia. Passou lá tanto tempo, fazia tanto barulho, que acabou por despertar a atenção de terceiros. Estes, quando o virem, mandarem de longe tijolos que sobraram da construção da torre; esses tijolos não foram usados porque pensavam que já tinham chegado ao infinito, não conseguiam ver mais, portanto, para eles, era o infinito, mais tijolos não interessavam. O primeiro, tão absorvido na sua tentativa apocalíptica, não reparou em nada e acabou morto. Os outros, por segurança, mandavam mais, até que, de tantos que mandavam, iam enfraquecendo o espelho, acabando este por partir.
Com o seu fim, deixou-se de imaginar os Infinitos como coisa e passou-se a vê-los como inícios e fins de algo. O Nada, anteriormente apenas Nada, estava agora espalhado no Tudo. Apesar de já não se ver, sabe-se que existe. Para tudo há um oposto, não fosse assim, nada se completava.
Para castigo, desceu sobre a Humanidade a desordem e a pluralidade das línguas. A ambição, já antes desmedida em algumas situações, deixou de o ser em algo infinito que quase se via, para agora tentar alcançar apenas o concreto que nos mata. Igualmente para castigo nosso, os espelhos deixaram de mostrar os extremos para nos mostrar o disforme e o contrário, tendo como simples intuito, enganar.
quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
Myself, in this moment
È incrível como, estando agora num extremo, consigo perceber tão bem o outro. A tristeza que sentia passou agora a ser a minha base de trabalho e, isso, apesar de parecer estranho, alegra-me como um miúdo quando vê uma bola. A capacidade de poder perceber melhor e, mesmo se não conseguir evitar um ressurgimento, poder achar-me melhor preparado, é reconfortante. E, além disso, a certeza do quão enriquecedor possa ser, faz-me quase pedir um retorno (estejam descansados, não sou assim tão maluco). Mas apenas por agora ler mais, ver mais, tentar perceber mais e melhor, acho que é justificação suficiente para essa aparente melhoria. Escrever, diria que é um complemento. Uma graça que, não feita, é como cometer o mais insólito comportamento. Posto tudo isto, nada mais me prende. Coisas novas, quando me refiro a coisas novas é exclusivamente ao foro literário, aliado a uma criatividade que quero melhorada e exercitada até ser tão natural como respirar, talvez aparece nos próximos dias neste blogue. Porque, fora dele, cresce num documento do Word, bem escondidinho no meu pc. Gostava de um dia, a todos vocês mostrar.
As grandes questões pequenas
Pudesse escolher e digo-vos o que fazia, ah sim, é que digo mesmo. Morria já aqui sem pena nenhuma. Esquecia tudo isso e nada, apenas para completar. E, já agora, não esquecendo, podiam também levar-me a memória? Obrigado. E seguia fiel na minha vivacidade contente da morte, como quem enfim vê e respire sem nada mais que pensar. Sem nada mais que pensar se não nas grandes questões que ficaram nas mentes verdadeiramente lúcidas da humanidade, o que fazer hoje, Café ou Café, futebol ou televisão, Sagres ou Super Bock, penalty ou não, murro ou pontapé, bem, todas essa coisas extremamente complexas e que devemos deixar apenas a quem de digno direito. E seria inteiramente feliz na pequenez da minha vida, ouviram? Sim, inteiramente feliz. Ousasse eu não pensar dizia-vos, vão todos para o c…; mas vá, sabem que isso não é de mim, por isso, desculpem, tem de desculpar este rapazinho que não sabe o que diz e nem imagina o mínimo do que está aqui a fazer, tu também não? Ainda bem, adoro essa coisa da consonância de espírito. Faz-me sentir parte dum clube qualquer que só mais uma ou outra pessoa conhecem pois, se fossem mais, já não tinha piada.
E talvez só assim, sentia-me completo. Isto é claro, dentro da minha vasta pequenez.
E talvez só assim, sentia-me completo. Isto é claro, dentro da minha vasta pequenez.
domingo, 11 de janeiro de 2009
Nada, apenas divaguei. Nem vale a pena ler.
Porque me ouves. Vai-te! Vai-te enquanto é tempo. Vai-te, estou-te a avisar, não vais ficar mais culto(a) comigo, não te vou dizer nada, acredita, não te vou dizer nada. Que é que estás a fazer? Para de ler, não mereço ser lido por ti, ninguém merece tal castigo. Tudo o que eu já disse ou irei dizer já foi dito por outros, até lá sou repetitivo, depois, doido. E com o maior orgulho. Esses outros, génios, sim génios, na verdadeira acepção da palavra, eu não, nunca eu, deixa-me, já disse, deixa-me, não mereces tanto mal.
Foge, não te aprisiones mais nestas divagações sem sentido, de quem não as faz ao certo, não porque certo nada é mas porque certo nunca fui, nunca acertei, sorte a minha, vou apenas sentindo. Não percebes o que digo? Não faz mal, não faz mal porque ainda podes fugir, vai, foge! Só poderás ser um pouco menos triste se parares agora. Aviso-te, pára! Pois a verdade, tal como já te disse, é que não tenho nada para te dizer, a sério, nada! Não, não minto. E se não vês a beleza que, embora sombria, há, então vai-te, nem mereces ler o final, agora sim, não o mereces, desculpa. Desculpa por nada do que digo ou sonhe mude o mundo, nada do que aqui leste te assola a compreensão a não ser que queiras ou sejas capaz. Mas o melhor mesmo é esquecer, eu já esqueci. Tu não? Então desculpa…
(Adoro rir-me)
Foge, não te aprisiones mais nestas divagações sem sentido, de quem não as faz ao certo, não porque certo nada é mas porque certo nunca fui, nunca acertei, sorte a minha, vou apenas sentindo. Não percebes o que digo? Não faz mal, não faz mal porque ainda podes fugir, vai, foge! Só poderás ser um pouco menos triste se parares agora. Aviso-te, pára! Pois a verdade, tal como já te disse, é que não tenho nada para te dizer, a sério, nada! Não, não minto. E se não vês a beleza que, embora sombria, há, então vai-te, nem mereces ler o final, agora sim, não o mereces, desculpa. Desculpa por nada do que digo ou sonhe mude o mundo, nada do que aqui leste te assola a compreensão a não ser que queiras ou sejas capaz. Mas o melhor mesmo é esquecer, eu já esqueci. Tu não? Então desculpa…
(Adoro rir-me)
sexta-feira, 9 de janeiro de 2009
Clarice Lispector
"È curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que digo. Ou pelo menos o que me faz agir não é o que eu sinto mas o que eu digo. Sinto quem sou e a impressão está alojada na parte alta do cérebro, nos lábios-na língua principalmente-, na superfécie dos braços e também correndo dentro, bem dentro do meu corpo, mas onde, onde mesmo, eu não sei dizer."
Clarice Lispector in Perto do Coração Selvagem
Clarice Lispector in Perto do Coração Selvagem
quarta-feira, 7 de janeiro de 2009
Alberto Caeiro - "O Guardador de Rebanhos" V
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do Mundo?
Sei lá o que penso eu do Mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela ( mas ela não tem cortinas).
O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver que pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos.
Começa a não saber o que é o Sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o Sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica tem aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
«Constituição íntima das coisas»...
«Sentido íntimo do Universo»...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em coisas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das coisas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me: Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as coisas.
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o som,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece com sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obeceço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora
O que penso eu do Mundo?
Sei lá o que penso eu do Mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela ( mas ela não tem cortinas).
O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver que pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos.
Começa a não saber o que é o Sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o Sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica tem aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
«Constituição íntima das coisas»...
«Sentido íntimo do Universo»...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em coisas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das coisas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me: Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as coisas.
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o som,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece com sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obeceço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora
Os Quadros - "Ken Kiff - Master of Saint Giles"
Quantos sou eu de facto? Quem me olha, será que sou eu que olho, chego a olhar alguma coisa? Onde estou, que sou? A árvore que lenta no seu divagar absorve todos os outros que sem se saberem se são eles ou eu, ou eles e eu, ou eles e eu e nada ou simplesmente, nada do que vos digo? Acho que nunca me consigo responder, e este verde, oh, deixem-me ver este verde. Será ele o nosso pé ou nós o seu? E tudo o que salta e deixa de ser se alguma vez o foi, todos nós, nenhum, nada. De onde fogem vocês? Digam-me! De onde fogem vocês?
Eu não sei porque fujo, sempre vivi na Terra que nunca ninguém viu, minha, só minha, ouviram, minha, ah… minha. E gostava de poder continuar a voar, ter um botão onde carregasse e misturasse tudo em espirais cada vez mais rápidas e concêntricas, salvaguardando sempre a identidade. Mas que identidade têm as coisas? Nenhuma, toda, alguma, outra que ninguém conhece, oh, como gosto de não conhecer o que vejo e fazer um mundo novo, só meu, o mundo de onde venho e não sei se é o mesmo que o vosso, é? Se for, não digam. Sim, talvez seja, talvez seja eu que não tenha identidade. Todas as almas deste mundo não me escapam. Escapam? Então sou eu que fujo, fujo e não vejo por onde ando pois já não é Mundo a terra que piso, desculpem-me estar aqui a falar do que não conhecem ou eu, do alto da minha Ignorância, não ser capaz de vos fazer conhecer, pois como vos disse, só conheço o que vejo ou nem isso pois talvez o que vejo não é o que realmente se depara, mas é algo, verdadeiro ou falso, que há de verdade em tudo isto? E se algo não chega para a Verdade tem de pelo nenos bastar para estas árvores, e estes monstros que não sei se são monstros ou eu ou tu ou outro que não sei agora quem dançando nas minhas estrelas, e eu, sim, disso seguro, eu vendo! Esqueçam, sim, esqueçam, nada faz sentido. Apenas se vos quisesse mentir fazia sentido, não quero!
E agora sim, sem conhecer ninguém, sem ver ninguém, sem ser ninguém, sem saber Verdade ou Mentira, sem o nada que me completa e o tudo que me tira à minha volta digo: Se não é o que vejo, quanta alma sou!
( P.S: Rita, tinha prometido. Espero que gostes :D )
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
Mil formas de dizer o mesmo medo
O que ainda não fiz é o que mais saudade me dá
A minha maior saudade é pelo que ainda não fiz
Sou mais saudoso no que diz respeito ao meu futuro
Apenas o que ainda não fiz, faz-me lembrar o passado que morreu há muito
Não sou eu, mas sim, o que serei, que faz sonhar e acabar os vínculos com o passado
Não sou homem de passados, limito-me a divagar melancolicamente no futuro.
Futuro presente sonhar: medo de quem quer voar…talvez, eu!
A minha maior saudade é pelo que ainda não fiz
Sou mais saudoso no que diz respeito ao meu futuro
Apenas o que ainda não fiz, faz-me lembrar o passado que morreu há muito
Não sou eu, mas sim, o que serei, que faz sonhar e acabar os vínculos com o passado
Não sou homem de passados, limito-me a divagar melancolicamente no futuro.
Futuro presente sonhar: medo de quem quer voar…talvez, eu!
segunda-feira, 5 de janeiro de 2009
sexta-feira, 2 de janeiro de 2009
quinta-feira, 1 de janeiro de 2009
António Lobo Antunes - "Crónica descosida porque me comovi"
"Se ao menos a gente pudesse viver com as coisas mais simples em vez de recordar as complicadas. Voltar à pobreza do elementar: luz, água, pedra. O avô de alguém que me é querido dizia de uma pessoa boa É bom como o pão e ao lado disto que maior elogio se pode fazer? A nossa língua torna-se maravilhosa com palavras como estas É bom como o pão e lembro-me das mulheres que beijavam o pão duro antes de o deitar fora, da minha avó que se horrorizava ao ver um pão ao contrário: punha-o logo direito a pedir desculpa em silêncio, movendo a boca. Sempre me senti bem nas padarias: o cheiro, o lume, os padeiros enfarinhados que eu achava, acho ainda, serem anjos que se transviaram, de braços cobertos por uma poeira celeste. Tudo neles era branco até as sobrancelhas, as pestanas. O olhar branco também. Os gestos. Não olhos cegos, olhos brancos. E eu à porta a espantar-me. O eco das vozes nos tijolos, dos passos, da lenha no forno. Bom como o pão: ora toma, António. Aprende a escrever à maneira. O facto é que me interessa muito mais um padeiro que um economista. Ou um gestor.
Criaturas que, não sei porquê, me dão pena: economistas, gestores, administradores, directores, banqueiros. Deve ser triste ganhar dinheiro assim. O que sonhará um economista, a que brincava um gestor em criança? Ou nasceram já crescidos? Imagino-os debaixo do chuveiro, de gravata, a falar ao telemóvel. E sabe-se que são velhos não pelo aspecto mas porque quando contam que arranjaram uma secretária boa se referem a um móvel. O que sonhará um economista posso imaginar mais ou menos, agora o que sonha a mulher de um economista é que me preocupa. Se eu fosse mulher de um economista sonhava com canalizadores ou mecânicos de automóvel, homens que usam as mãos e não lêem revistas de golfe nos domingos de chuva. Estou a brincar. Não conheço nenhum economista, aliás. Se conhecesse abria-lhe logo a tampa a fim de espiar o que traz na barriga: cartões de crédito, canetas caras, camisas por medida? Sempre andei mal enjorcado, eu, para desespero da minha mãe:
Andas tão mal enjorcado, filho.
Todos os anos a minha companhia lá da guerra faz um almoço com os que sobejam da miséria em que andámos. Não neste último almoço, no penúltimo, o furriel Firmino Alves começou a anotar os telemóveis dos nossos camaradas para os contactos da refeição seguinte, até que chegou ao Pontinha. Pontinha é a alcunha do ordenança da messe de oficiais, que morava na Pontinha. Como a cabeça dele era grande (continua a ser grande) chamavam-lhe também Porta-aviões porque dava para os aviões aterrarem.
O Pontinha, como muitos dos soldados, vive com dificuldades. Ao fim-de-semana engraxa sapatos na mira de equilibrar o orçamento. Gosto muito do Pontinha a quem obrigava a cortar a carne em bocados de dois por três centímetros, por haver decidido ser a capacidade da minha boca. Media aquilo e exigia Quatro milímetros a mais, Pontinha, corta outra vez e o Pontinha, que remédio, cortava. Ainda hoje, nesses almoços, me quer cortar a carne. Falar nos meus camaradas comove-me: a expressão irmãos de armas é tão verdade. Enquanto nos aguentarmos por cá. Mesmo depois. Zé Jorge: continuamos irmãos de armas. Cabo Sota: admiro a tua coragem até ao fundo da alma. Sozinho com a Breda, uma metralhadorazeca, aguentou um ataque.
E vive mal, percebem? Como se deixa viver mal um herói? Ao acompanhá-lo ao táxi em que voltava, doente, ao Alentejo, avisei o condutor:
Você leva aí um grande homem, sabia, um dos maiores homens que conheço e, como todos os grandes homens da guerra, de uma infinita modéstia, bondoso e sereno. Não lhe chego aos calcanhares. Cabo Sota, tu mereces a continência de um general. O Zé Luís, oficial de operações especiais, que em matéria de coragem não necessitava de aprender com ninguém:
Eram duros
expressão que constitui para nós o supremo elogio. Adiante. Contava eu que o furriel Firmino Alves anotava os telemóveis até que chegou ao Pontinha e como fizera com os outros perguntou:
Tens um telemóvel, Pontinha?
e o Pontinha logo, a mostrar serviço:
Não, mas a minha mulher tem um microondas não fosse a gente pensar que ele era um badameco qualquer. Pode parecer esquisito ou parvo ou o que quiserem, mas quem cortava a minha carne era um magnata cuja mulher tem um microondas, e aí está o melhor título de nobreza (aliás o único) que possuo. Este ano o Pontinha, depois de me desdobrar o guardanapo (se eu o desdobrasse ele ofendia-se) olhou-me bem nos olhos e declarou:
Se quiser vou para sua casa, faço-lhe o comer, dou-lho e não levo um tostão por isso e eu todo arrepiadinho de ternura. Boaventura, Nini, Licínio, vocês todos caramba como a gente somos irmãos. Unamuno, que muito respeito, tem páginas admiráveis acerca da valentia dos portugueses. Tens razão, Zé Luís: eram duros. Ganas de explicar às mulheres deles, aos filhos deles, o orgulho que tenho em ser amigo dos pais, em que os pais sejam meus amigos. Não: irmãos de armas. Não: irmãos. E bons como o pão. Ao lado disto que maior elogio se pode fazer? Ao menos que o País os beije antes de os deitar fora e lhes peça desculpa. E há mais anjos para além dos padeiros, de arma nas unhas mata fora. Nenhum deles é banqueiro, claro. Nem administrador. Nenhum deles joga golfe. Jogaram golfe num campo de um só buraco onde não é a bola que cai.
É um rapaz de vinte anos. E acabo aqui, antes que seja tarde para marcar o número de um microondas."
P.S: Leiam as outras crónicas , vale mesmo a pena.
Criaturas que, não sei porquê, me dão pena: economistas, gestores, administradores, directores, banqueiros. Deve ser triste ganhar dinheiro assim. O que sonhará um economista, a que brincava um gestor em criança? Ou nasceram já crescidos? Imagino-os debaixo do chuveiro, de gravata, a falar ao telemóvel. E sabe-se que são velhos não pelo aspecto mas porque quando contam que arranjaram uma secretária boa se referem a um móvel. O que sonhará um economista posso imaginar mais ou menos, agora o que sonha a mulher de um economista é que me preocupa. Se eu fosse mulher de um economista sonhava com canalizadores ou mecânicos de automóvel, homens que usam as mãos e não lêem revistas de golfe nos domingos de chuva. Estou a brincar. Não conheço nenhum economista, aliás. Se conhecesse abria-lhe logo a tampa a fim de espiar o que traz na barriga: cartões de crédito, canetas caras, camisas por medida? Sempre andei mal enjorcado, eu, para desespero da minha mãe:
Andas tão mal enjorcado, filho.
Todos os anos a minha companhia lá da guerra faz um almoço com os que sobejam da miséria em que andámos. Não neste último almoço, no penúltimo, o furriel Firmino Alves começou a anotar os telemóveis dos nossos camaradas para os contactos da refeição seguinte, até que chegou ao Pontinha. Pontinha é a alcunha do ordenança da messe de oficiais, que morava na Pontinha. Como a cabeça dele era grande (continua a ser grande) chamavam-lhe também Porta-aviões porque dava para os aviões aterrarem.
O Pontinha, como muitos dos soldados, vive com dificuldades. Ao fim-de-semana engraxa sapatos na mira de equilibrar o orçamento. Gosto muito do Pontinha a quem obrigava a cortar a carne em bocados de dois por três centímetros, por haver decidido ser a capacidade da minha boca. Media aquilo e exigia Quatro milímetros a mais, Pontinha, corta outra vez e o Pontinha, que remédio, cortava. Ainda hoje, nesses almoços, me quer cortar a carne. Falar nos meus camaradas comove-me: a expressão irmãos de armas é tão verdade. Enquanto nos aguentarmos por cá. Mesmo depois. Zé Jorge: continuamos irmãos de armas. Cabo Sota: admiro a tua coragem até ao fundo da alma. Sozinho com a Breda, uma metralhadorazeca, aguentou um ataque.
E vive mal, percebem? Como se deixa viver mal um herói? Ao acompanhá-lo ao táxi em que voltava, doente, ao Alentejo, avisei o condutor:
Você leva aí um grande homem, sabia, um dos maiores homens que conheço e, como todos os grandes homens da guerra, de uma infinita modéstia, bondoso e sereno. Não lhe chego aos calcanhares. Cabo Sota, tu mereces a continência de um general. O Zé Luís, oficial de operações especiais, que em matéria de coragem não necessitava de aprender com ninguém:
Eram duros
expressão que constitui para nós o supremo elogio. Adiante. Contava eu que o furriel Firmino Alves anotava os telemóveis até que chegou ao Pontinha e como fizera com os outros perguntou:
Tens um telemóvel, Pontinha?
e o Pontinha logo, a mostrar serviço:
Não, mas a minha mulher tem um microondas não fosse a gente pensar que ele era um badameco qualquer. Pode parecer esquisito ou parvo ou o que quiserem, mas quem cortava a minha carne era um magnata cuja mulher tem um microondas, e aí está o melhor título de nobreza (aliás o único) que possuo. Este ano o Pontinha, depois de me desdobrar o guardanapo (se eu o desdobrasse ele ofendia-se) olhou-me bem nos olhos e declarou:
Se quiser vou para sua casa, faço-lhe o comer, dou-lho e não levo um tostão por isso e eu todo arrepiadinho de ternura. Boaventura, Nini, Licínio, vocês todos caramba como a gente somos irmãos. Unamuno, que muito respeito, tem páginas admiráveis acerca da valentia dos portugueses. Tens razão, Zé Luís: eram duros. Ganas de explicar às mulheres deles, aos filhos deles, o orgulho que tenho em ser amigo dos pais, em que os pais sejam meus amigos. Não: irmãos de armas. Não: irmãos. E bons como o pão. Ao lado disto que maior elogio se pode fazer? Ao menos que o País os beije antes de os deitar fora e lhes peça desculpa. E há mais anjos para além dos padeiros, de arma nas unhas mata fora. Nenhum deles é banqueiro, claro. Nem administrador. Nenhum deles joga golfe. Jogaram golfe num campo de um só buraco onde não é a bola que cai.
É um rapaz de vinte anos. E acabo aqui, antes que seja tarde para marcar o número de um microondas."
P.S: Leiam as outras crónicas , vale mesmo a pena.
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