Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


sábado, 11 de abril de 2009

Dealer - I de II

-Full House
Todos os dias jogava-se Poker numa sala contínua ao café da aldeia, isto a horas em que mais ninguém se lembraria, apenas queriam jogar. A mesa era composta pelos mesmos 5 homens que num dever de santo cumpriam a sua missão. Se alguém costumasse ver o jogo diria que se limitavam a deixar as cartas rolar pois não falavam muito a não ser em pequenas vitórias. Mas hoje algo seria diferente.
-Dois ases.
-Você está hoje com muita sorte, patrão.
-Isto não é sorte meu caro – dizia com um ar sereno – há coisas que vêm com a nascença.
-Desculpe, Sr. Sousa – o empregado que invadia aquele aglomerado de fumo – chegou isto para si.
Olhava com uma certa curiosidade, era uma carta que além de não ter mais do que o destinatário, era a primeira vez que naquelas sessões aparecia alguma. Abriu-a e rapidamente a escondeu no bolso.
-Então patrão, algum problema?
-Problema nenhum. Vá, de que é que estão à espera? Jogar.
Saiu um 6 de espadas, um 3 de ouros e uma dama de ouros.
-Eu vou!
-Eh João! Isso é que é confiança. – o Sousa que punha agora um riso trocista – e a tua filha, João? Ainda com o preto?
Nada respondeu e mantinha-se sério a olhar para o meio da mesa. Todos os outros seguiram o riso do patrão.
-Vamos a ver se ainda continuas. – o Duarte puxou de todas as suas fichas. João acabou por desistir.
-Tens de ter calma João – de novo o Sousa – mas também tens desculpa. È como eu digo, já vem com as pessoas. Questões de nascença... - e estendeu as mãos sobre a mesa.
Nova jogada, a esta foram o Azevedo e o Melo, acabou por vencer o primeiro com um par de Valetes.
-Senhor Duarte, para si. – O patrão, que se sentava mesmo a seu lado, estava de olhos postos na carta enquanto baralhava desinteressado. Começou a roer o charuto, virou-se para o empregado e pediu outra rodada.
Um 3, um 8 e um Rei, todos de paus.
-Aposto 100 – gritou João para gáudio dos seus colegas.
Um Rei de copas e um 5 de espadas.
-Ganhei, ganhei! – o João – 3 Reis, olhem, olhem!
-Calma aí campeão – o Azevedo – flush. – Mostrando as suas cartas, ambas de paus.
-Pois é João, pois é João – insistia o Sousa – é preciso mais calma rapaz. O que vale é que já te resignas com isso, na tua situação é sempre o melhor a fazer. Louvo-te isso. O melhor meu jovem, o melhor mesmo...
-Meus senhores, a rodada. – chegou o empregado – Ah! - e levou a mão ao bolso - Sr. Melo e Sr. Azevedo, para os senhores. – entregando novas cartas.
Os dois antecessores deixavam transparecer um nervosismo maior do que aqueles que receberiam agora as cartas. Mas assim que estes as arrumaram – o que não levou muito – voltaram a concentrar-se no jogo.

2 comentários:

Rita Silva Avelar disse...

o poker deve ser provavelmente o jogo mais malicioso que há. gostei :)

U disse...

Poker uh :p gostei, apesar de me ter perdido um bocado nas cartas.
"Desculpe, Sr. Sousa – o empregado que invadia aquele aglomerado de fumo – chegou isto para si.
Olhava com uma certa curiosidade, era uma carta que além de não ter mais do que o destinatário, era a primeira vez que naquelas sessões aparecia alguma. Abriu-a e rapidamente a escondeu no bolso."
Isto no meio de cartas de jogo é que me faz confusão.
Mas está muito bom!