Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


terça-feira, 14 de abril de 2009

Dealer - II de II

-Bem, deixemo-nos de brincadeiras. Melo, és tu a dar. Despacha-te. – O Sousa que abanava o seu Whisky.
Um Às de ouros, um 3 de espadas e um nove de paus.
-Mas diz lá João, já foste a casa do teu genro?
-Já. – num ar desinteressado.
-Muito bem João, muito bem. Tu é que sabes. Se fosse comigo ela nunca mais voltava a casa. Mas parece que já te pegaram essas modernices. – fez um gesto com a mão como se quisesse varrer o ar.
A jogada foi ganha pelo Melo, ninguém cobriu a aposta.
-Senhor Azevedo, de novo para si.
E agora todos eles mais impacientes excepto João. O Sousa tentou disfarçar:
-E conta lá João, como foi?
-Não há nada a contar.
-Nada!? Vá lá, não sejas tímido.
-Não aconteceu nada. Não passou duma simples visita. Boa gente.
-Se tu o dizes João, acredito. – rindo-se – Se tu o dizes…
Um 6 de copas, um Às de copas e um 2 de ouros.
-Eu aposto, eu aposto 200. Quero ver quem é que vem agora. – disse um confiante João.
-Eh lá. Foi uma mosca que te mordeu. – de novo o Sousa – Assim até metes medo.
Vá patrão, largue lá o homem. – acudiu o Melo, entregando as cartas para o centro da mesa em sinal de desistência.
-Eu também passo. – o Azevedo, acendendo outro cigarro.
-“Tás” com sorte hoje. – desistiu igualmente o Sousa.
-Eu vou. Aposto tudo! – o Duarte que olhava agora para João de forma impaciente, enquanto brincava com o isqueiro.
-Eu também! – o João que até se levantou da cadeira para espanto dos seus colegas.
-Isso é que é fé. – O patrão, que provocou risos no Azevedo.
Viraram as suas cartas. João tinha dois Ases, um de paus e o outro de ouros. Duarte tinha um 9 de copas e um Rei de copas.
Saiu primeiro um Valete de paus.
-Está ganho, está ganho. – repetia João.
A mão acabou com um 5 de copas, flush para o Duarte, ganhou.
-Pois é João, tiveste azar – o Duarte que agarrava as fichas que tinha ganho – tiveste azar, tiveste azar…
-Sr. João, para si.
-Obrigado Matias.
Abriu-a de repente sem ninguém notar e exclamou:
-Está vazia – olhava seriamente para os dois lados da carta mas nada, os seus colegas olhavam-no incrédulos, como se tivesse falado pela primeira vez – Mas… está vazia!, isto só a mim. – Acabou por se ir embora repetindo sempre «está vazia» e depois ria-se.
O jogo continuou, eles ainda tinham fichas.

5 comentários:

U disse...

O final inesperado, cartas com cartas, confundi-me outra vez. Mas sabes que está muito bom!

Joana M. disse...

estava atrasada nas leituras e fui ler primeiro o I, como é suposto :p
gostei do Poker, bem que podes estar a inventar jogadas que a mim me passa ao lado - mas não deixa de me fascinar. a parte da carta, que não a do jogo, também me ia confundido, li mais atentamente e gostei do mistério, uhhh :p

Joana M. disse...

* confundindo, melhor dizendo ;)

Unknown disse...

estava atrasada como a joana, fui ler o outro primeiro e depois este! eu gosto da maneira como escreves, gosto de ler nas entre-linhas...mas tambem nada percebo de poker, sou sincera :p

al disse...

não sou pró no poker, muito pelo contrário. mas gosto de jogar :P

gostei do texto *