Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


terça-feira, 17 de julho de 2012

Hologramas


Procuro abrir a boca e o som some-se, ficando uma breve brisa entre lábios a acompanhar um qualquer músculo que sinto contrair onde não julgava serem territórios seus. Um pequeno focar por parte dos meus olhos surge, seguindo uma paisagem que se move consoante o ritmo do meu andar e que, só de quando em quando, por exemplo, após uma folha a deslizar pelo ar, volto a ter noção de algo como o atrito da calçada. As minhas mãos sentem necessidade de testar a minha presença. Primeiro, ainda dentro dos bolsos, procuro saber se ainda tenho duas pernas, de seguida, é hábito meu seguir para o cabelo e confirmar se o tamanho e volume se mantêm, não tenha desaparecido qualquer coisa entretanto; tendo a finalizar com um teste ao batimento cardíaco. Pensando bem, isto pode ser coisa para durar uns cinco segundos, talvez nem isso, mas a desconfiança em relação à minha presença permanece.
Ao mesmo tempo, as ruas repetem-se, alternando alguns graffitis bem como algumas fachadas. As ruas aparecem-me já com pouco para dizer, ou, talvez sendo eu a não ouvi-las. O mesmo para quem cruzo e passo, por vezes torcendo braços para me desviar, mas pouco mais. Os edifícios sucedem-se, os transportes vão se encavalitando no trânsito ou surgem espaçados, ficando, em alguns momentos, não mais do que o barulho do motor ou as rodas a lavarem-se numa qualquer poça pouco depois de passarem. Tendo em conta as horas torna-se raro um reflexo nítido numa qualquer montra, sendo que o ruído que se vai criando e recriando não me impede de escutar os passos das minhas sombras, rodopiando estas últimas ao som de candeeiros e faróis de carros, um ou outro clarão.
E todo este ambiente faz-me pensar e o que penso ambienta-se no que vejo, no que oiço, no que passo, no que toco. Qual o mais importante, ou, para colocar melhor, qual o mais intenso em dado momento, o interior ou o exterior?, ou a própria oposição não fará sentido? Vejo-a tanto ao passar por um esquina, ouvindo-a quando ao fundo sorrisos em outras línguas se expandem, tocando-me ao de leve os ouvidos,. Vejo-a quando uma luz de um qualquer estabelecimento surge e me faz erguer o olhar, e quando apago o olhar me invade as pálpebras e se torna uma figura contínua em relação à qual não consigo escapar. Rapidamente, procuro um canto onde me sentar, uma pedra para estender a palma da minha mão, um qualquer pilar para moldar as costas, vozes no ar e fumo de cigarros, e não só, algo para rasgar.

2 comentários:

maria miguel disse...

Genial Nuno. Têm sido raras as vezes que tenho vindo a este canto, mas quando venho encontro sempre uma pérola. Tens a fantástica capacidade de fazer viver o que escreves :)

N R disse...

Obrigado :)
Fiquei a pensar no teu comentário sobre eu fazer viver o que escrevo... Geralmente, parece-me, acontece ao contrário. O que até se torna bom no que diz respeito à escrita, já tenho algumas dúvidas relativamente à vida :p Mas isso, já são outras estórias. :)