Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


domingo, 5 de agosto de 2012

Acredito existir um limite para o qual eu tenho consciência não só sobre o que quero escrever, como para a noção que eu possa ter sobre aquilo que escrevo - assim sendo, este texto poderá parecer, pelo menos um pouco, estranho. No entanto, acho que já não aguentava mais não te dizer nada. Deverá existir uma qualquer dimensão poética em enfrentar sozinho uma dor deste género, dimensão essa que eu, infelizmente, não devo possuir. 
A verdade, creio eu, é que se tiver de esperar que me sinta melhor para poder falar abertamente contigo, temo que, a continuar como recentemente me tenho sentido, tal acabe não só por se tornar bastante moroso mas, igualmente, bastante complicado. Existem alguns aspectos que tenho acumulado - e deixado acumular. Em especial, um tal de um silêncio com o qual a minha perícia não está a conseguir lidar, pelo menos de momento, da forma como me encontro. Assim, parece-me que o próprio facto de nada falar contigo possa estar a contribuir para que me mantenha desta forma.
Espero que acredites quando digo que não vejo este factor como culpa tua, e também não estou propriamente à espera de uma qualquer palavra ou frase tua em específico. Neste caso em concreto, parece-me que a minha imaginação, a qual ocupa um papel muito importante em mim, tem-me traído num imenso conjurar de hipóteses e situações, misturando realidade e ficção duma forma tal que acaba por retirar sentido à própria oposição entre dimensões.
Tenho-me perdido em memórias. Sendo que, ao falar da memória, é preciso não esquecer que esta "se coloca no lugar da coisa acontecida"sendo ao mesmo tempo o que procura substituir fielmente o que aconteceu como o que, nessa mesma tentativa, acaba por se encontrar em permanente reconfiguração. Daí a sua dimensão construtiva, criada por um real (tanto passado como presente) e criadora de real (não só no presente e futuro, mas também interagindo com o passado, alterando o que de facto ocorreu através da forma como observo) Em que tanto esqueço como lembro, esquecendo e lembrando tanto o que quero como o que não quero, estando a lembrança e o esquecimento em constante interacção, interacção essa sujeita a vários factores que nem sempre estão sobre o meu domínio e que me levam a várias interpretações, também estes em constante mudança. 
O tempo que passou, sensivelmente um mês, e mesmo sabendo que o seu decorrer possa ser percebido de diferentes formas, tem ajudado a construir e a consumir esse actual silêncio - tanto o teu como, e, talvez principalmente, aquele que crio e imagino. Assim, perpetuo o presente, tal como ele está ou, pelo menos, como dele agora me apercebo. A preservá-lo como se disso necessitasse e, de certa forma, me desse um estranho sentimento de contentamento no meio de uma qualquer tempestade que ajudei a criar, tornando-se na única coisa em que sinta segurança de agarrar, ainda que tratando-se de algo intangível.
Por vezes paro e, entre pensamentos perdidos, lembro-me da tua voz, de como respiras quando sorris, da forma como usas as mãos quando queres argumentar alguma coisa, de como o teu olhar acompanha as tuas expressões faciais, do teu lábio quando procuras confirmação do que dizes. Sorrio, acredito que um sorriso estúpido, pequeno, como se eu fosse transportado para outro lugar, e continuo assim. Lembro-me de como, em algumas situações, se notava um pouco das tuas orelhas por entre os teus cabelos compridos, em relação aos quais, posteriormente, costumavas indicar o lugar devido com as tuas mãos, num movimento perfeitamente simétrico dos teus braços. Mantenho-me desligado do resto do mundo, recordando uma pequena pausa que fazes quando pareces discordar de algo e, antes de dares a tua opinião, juro notar um não reticente que quase não se faz ouvir e que julgo aparecer quase por impulso, inspiras uma vez com maior convicção ao mesmo tempo que se observa os teus olhos a pedirem confirmação sobre o que dirás de seguida. (Poderia continuar, assim, simplesmente a escrever sobre expressões tuas.)
Existem outras situações que recordo, ou que tenho feito recordar, as quais despertam reacções bastantes diferentes da minha parte. Por exemplo, quando te conheci, a primeira vez que te vi, de longe, inclinado no primeiro piso do CCB, sentido o odor da calçada molhada e a serenidade que vinha do jardim em frente. Lembro-me quando tu chegaste com a tua amiga,   tendo-te visto primeiramente e só depois obtido a confirmação através das palavras de quem estava ao meu lado. Creio que as duas vinham debaixo do mesmo chapéu, e, depois, encontramo-nos nas escadas de acesso ao primeiro piso, tendo eu dito qualquer coisa à pressa sobre o concerto, tentando  esconder uma possível atrapalhação minha. 
Também recordo, muitas vezes, como a minha opinião sobre ti foi mudando, tendo existido uma altura em que, agora sinto-me à vontade para o dizer, não gostava muito de ti... Parecias-me distante, não gostar da minha presença e do que eu dizia. E, eu próprio, do que agora me lembro, parecia não gostar muito do que dizias e perguntavas, de como reagias, etc. (Apercebo-me agora de como a imagem que fui tendo, sobre a tua opinião que poderias ter sobre mim, foi tão importante.) No entanto, pelo menos pareceu-me, e sem que eu consiga explicar ao certo porquê, começaste a aturar-me e, inclusive, a ríres-te do que eu por vezes dizia, mesmo que se tratasse de simples parvoíces ou assuntos sem grande interesse, ao mesmo que tempo que passavas a gozar com algumas coisas sem que, com isso, mostrasses qualquer maldade.
Creio ter sido a partir desse momento que comecei a ver coisas onde elas não existiriam, mesmo que até as tenha preferido ignorar, isto porque, como te disse, a minha opinião sobre ti não era a melhor. Além disso, tenho de te confessar, por naquela altura, e já desde há um longo tempo, não estar com vontade de me envolver, fosse de que forma fosse, com alguém. Tinha, talvez por estupidez, a vontade de não voltar a ter o meu pensamento ocupado por ninguém, de não voltar a sentir falta de ninguém, e apenas deixar os meus dias correr, ocupando-me, se possível, com outras coisas, ou procurando dar um toque pessoal ao nada. Tudo contribuiu, ainda, para que eu percebesse que estava a tentar controlar algo que não depende apenas da minha vontade, pelo menos daquela que é supostamente racional e possível de controlar.
Depois, bem... depois comecei a ver-te de outra forma, ainda que não tenha sido uma imediata passagem do 8 ao 80. Aos poucos, passei a sentir-me muito mais à vontade contigo e a gostar de estar na tua companhia. Acho que nos passamos a entender muito bem, mesmo tendo opiniões algo diferentes. Isto poderá parecer um pouco estranho, ou pelo menos sem grande lógica, mas acredito que foi a partir daí que comecei a aperceber-me de que te via de outra forma, passando a pensar cada vez mais em ti, esperando que nos encontrasse-mos mais vezes.
Assim, e como não podia deixar de ser, surgiu a inquietação sobre como e quando te dizer, e, até, se te deveria dizer alguma coisa. Foi também aí que comecei a duvidar mais seriamente sobre o que pensava, sobre se, afinal, não seria tudo fruto da minha imaginação, ainda que mesmo que o fosse, já nada havia a fazer... Passou a ser ambíguo estar contigo, procurando ser o mais natural possível e tudo fazer para que nada notasses, até porque não tinha coragem para dizer nada, e, ao mesmo tempo, querer e gostar de estar na tua companhia. 
Acho que tudo se desequilibrou após o dia em que partiste de viagem. Se até então acho que estaria mais ou menos controlado, depois comecei a pensar cada vez mais que poderia nunca mais te ver, e, assim, passei o tempo até regressares, escrevendo e reescrevendo um texto que  depois não te cheguei a mostrar, perdido e deixando-me consumir nos mais variados pensamentos. Quando regressaste tinha para mim duas grandes opções, ou nada dizer-te e esperar que durante o Verão pudesse esquecer-te, ou, a segunda, arriscar, já que também pensava que não teria outro momento para tal. Além disso, também achava que te deveria contar, nem que fosse por uma questão de sinceridade. Toda a noite tive essa dúvida na minha cabeça, influenciada, inclusivamente, pela conversa que estávamos a ter, para além de outras situações anteriores, como já referi. Daí o meu comportamento algo estranho em alguns momentos nessa noite, daí os meus olhos vermelhos como reparam sem que eu próprio tivesse notado, sem que próprio tivesse notado que assim estava, com pequenas lágrimas esquecidas no canto do olho como tantas vezes me acontece por agora, sendo que, desta vez, com a agravante de estar ao teu lado. Finalmente, o esforço que fiz de forma a controlar-me, após saber a tua resposta...
De então para cá, ficaram dúvidas e inquietações, bem como uma luta sobre a melhor forma de reagir. Tenho pensado constantemente se eu não tinha, de facto, dado nada a entender, tal como tu disseste. (Se não tinhas notado nada, acho que ainda sou capaz de ficar mais preocupado com o meu comportamento.) Tenho pensado se a tua opinião sobre mim mudou muito. E tenho pensado um pouco de tudo isso ocupado a alimentar este blog, em especial no que diz respeito à forma como me tenho sentido. 
E, agora, mostro-te este canto de forma a ser capaz de te dizer o que de outra maneira provavelmente não seria capaz. Aquilo que me sinto pouco à vontade para falar, e que escrevendo até poderá soar melhor, ainda que não deixe de ser, ao mesmo tempo, uma fuga. Espero que não tomes as palavras aqui deixadas como se, ao mostrar-tas pedisse que me salvasses de alguma coisa, pois não estou. Eu próprio, que as escrevi, ou deixei que elas se escrevessem através de mim, não sei ao certo o porquê de as ter escrito, e, ainda mais, do porquê de tas mostrar.

P.S. Quando, cheio de receio e de forma algo atabalhoada, disse que gostava de ti, menti. O que deveria ter dito é que te amava, e, falando agora no presente, amo - verbo que, mesmo em palavra escrita, tenho dificuldade em conjugar, bem como a atribuir sentido.

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