- Maria, por favor… - passou a mão pelos cabelos e recuperou o fôlego – por favor, faço tudo o que quiseres… uma oportunidade, é tudo o que te peço.
Duas mulheres, a rondar os 40, passavam nesse momento por ali e comentavam a situação baixinho e com sorrisos enternecidos. O cão estava de pé, lado a lado com Luís, latindo. Maria ia ruborizando-se cada vez mais.
-Maria, por favor, responde-me – levou a mão esquerda ao peito – responde-me…
As mulheres pararam, deixando uma pequena distância.
Olhou muito seriamente para ele e disse: «Não». Recostou-se em seguida no banco.
As mulheres foram-se embora, era audível um tom um pouco agressivo enquanto se lamentavam e criticavam Maria.
-Não… - Luís começou a tremer, as pernas vacilavam – não… Mas… - caiu no chão e largou a rosa; apoiava a mão no banco, suplicante; abanava a cabeça e olhava para baixo – porquê?
O cão mexeu-se e foi ter com a rosa, com a pata ia estragando as pétalas.
- Desculpa Luís, mas não. – com a voz a calma e olhando para os lados – Agora levanta-te.
-Mas que mal fiz eu?
-Nenhum, mas mesmo assim fizeste tudo o que não devias ter feito. Não és tu, eu é que quero viver assim.
-Assim? Assim como? E que fiz que não devesse? – levantou a cabeça, uma lágrima começava a aparecer.
-Nada, não há nada que pudesses ter feito, ou deixado de fazer. São apenas opções, não há nada que justificar.
O cão voltou para junto da dona, Luís mirava pela primeira vez as pétalas destruídas, Maria dava festas no dorso do cão.
Ele enxugou as lágrimas com a manga, voltou-se a sentar, tudo isto muito depressa, decido. Ela olhava-o com alguma admiração.
-Não consigo perceber, não consigo perceber. – abanava a cabeça, Maria não respondeu. – Faria tudo por ti. Se ao menos soubesses o quanto te amo. Bem, talvez nem assim. Mas tudo, mesmo tudo.
Manteve-se quieto, ela brincava com o cão, assim alguns minutos. De repente levantou-se.
-È essa a tua resposta? – a voz de Luís tinha um quanto de desafio; ela, surpresa, virou o olhar ao seu encontro.
-È. – consertou o cabelo, apoiou a cabeça no pulso, e virou-se para o lado contrário onde Luís se encontrava.
Luís foi-se embora, andando ao lado do muro. Ela pensava: «Que idiota, deve pensar que lhe devo alguma coisa.» e puxava as orelhas ao cão. Ele parou e olhava novamente para ela, continuava entretida; ele repetia em voz baixa: «Tudo, era capaz de tudo». Andou mais um bocado, com um dedo a raspar no muro e a olhar para o mar. Virou-se novamente, desta vez amaldiçoou o cão. Subiu o muro e saltou.
As pessoas que ali estavam correram para o local e tinham ares aflitos. Ela levantou-se, puxou a trela do cão e vestiu o casaco. Foi-se embora calmamente, manteve uma pequena distância quando passou pelo local, olhou para lá, com a cara baixa. Um pouco mais à frente, deitou a revista no lixo.
Inspirado no quadro "A dama de vestido verde" de August Macke:
16 comentários:
Espera oO espera lá. Antes de comentar o conto, os meus posts vão é ficar piores, não tenho ideias nenhumas. Tens a certeza que é tudo imaginação? Olha que não me parece.
Quanto ao conto, não estava à espera de outra coisa pois a "Maria" já me dava a impressão de ser pessoa de escolhas, é decidida. Muito bom, para não variar!
Claro que é simples Eu faço o mesmo mas não me saem textos simples (bem que queria), muito pelo contrário, são testamentos com dois ou mais sentidos.
Há-de voltar xD nem que misture história com história.
e para além de decidida é orgulhosa!
parabéns por mais um texto espectacular como este :)
O texto 'segundos sentidos' é desse tipo, como disseste agora. E tenho mais uns quantos, mas ainda não os postei, não sei bem porquê.
Tens uma imaginação fantástica :)
bj*
Uma surpresa :)
Fria e intolerante essa Maria...mas compreendo: quando não se quer, não há mesmo nada a fazer *
apaguei post e voltei a pôr - não me perguntes que pancas são estas x)
volto logo para ler com mais cuidado, Nuno.
são opções de vida. mais tarde virá o arrependimento.
eu também adorei esse capítulo, e fez-me ver que se tivesse no lugar do velhote também iria querer o mesmo. e mais, se eu fosse a família faria exactamente o mesmo. não há que ter medo nenhum da morte x)
quanto ao livro, sim tem partes muito secantes, mas adorei a crítica à sociedade (que é feita no início) e, como é óbvio, revi-me um pouco nesta passagem.. há outra que também me prendeu bastante, estava mesmo para a postar..
queria comprar outro livro do saramago, aconselhas algum ? :) *
Vivam os teus comentários que me arrancam sempre um sorriso xD muahaha
Gostei da tua interpretação do quadro. As cores quentes e vivas representam uma situação tudo menos calma. É assim que relaciono, talvez também tenhas ido por ai. Gostei também do carácter determinante de Maria, admiro a persistência de mulheres assim.
beijo
Essa irmandade da testosterona, Nuno!
Gosto tanto quando chegamos a um ponto de acordo, eu e tu :'D
Ora, eu só cheio os homens que apenas o são pelo género. Os que o são pelo espirito e essência, eu cá não resmungo - ponho-te nesse último grupinho, Nuno. :p
apetece-me é ler saramago, mas hei-de procurar esse então :) *
Foi o meu pior post até hoje, sem dúvida alguma.
Eu já sabia.. :x
Pois! Mas... mas. Mas nada.
Falta aqui um post novo para eu comentar.
Se eu disser 'fico à espera' minto, pois não consigo estar mais aqui. Mas vou ler, vou.
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