Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


domingo, 26 de agosto de 2012

Interlúdio para breve auto-crítica literária


Não sei se será defeito de formação, até porque muito do que escrevo já era influenciado pelo espaço antes de pensar o que iria seguir, mas a verdade é que ao ler este diálogo entre Nuno Portas e Álvaro Siza Vieira não consegui deixar de me rever. Aliás, no texto que vos prometi aqui há uns tempos, e no qual quase não tenho pegado a sério ainda que ande sempre com ele, tal marca é clara.

"Nuno Portas -(...) Mas os espaços vazios não são sobras, são formas que ordenam a cidade. (...)
Álvaro Siza Vieira - Embora as formas também sejam construcções.
NP - Claro, porque estes vazios não são nada vazios.
ASV - Também há a tendência contrária. Quando há um espaço é preciso enchê-lo com qualquer coisa. Estátuas, bancos, caixotes do lixo. Não sou contra, mas denota um horror ao vazio que não anda muito longe do horror ao silêncio.
NP - Os vazios são formas que ordenam. São por vezes seculares e legíveis, durando mais do que os edifícios. (...)
ASV - Mais difícil é ver numa zona recente esse equilíbrio entre vazio como forma e a envolvente como definição do vazio. As duas coisas são importantes.
NP - (...) Concluindo: o espaço tem forma e desenho, daí o erro de Corbusier, quanto atacou a rua. Os limites entre rua e edifício são ambíguos. Um enforma o outro. Mas um precede o outro. Tudo ao mesmo tempo é excepção. E tal como os edifícios, as ruas também têm programa, que responde a necessidades colectivas que não podem ser resolvidas nos edifícios." - in JL, nº1903

sábado, 18 de agosto de 2012

Aviso à navegação

Este post deverá ser o penúltimo durante o que perspectivo, e espero, que seja um longo período tempo. Senão mesmo, o que seria ainda melhor, este post seria definitivamente o penúltimo deste blogue. Não escrevi durante quase dois anos, sem sentir nenhum grande sentimento de culpa por isso. E, se o voltei a fazer, é pela minha tendência de o necessitar de fazer aquando duma fase horrível. Surge-me uma sensação horrível que me consome todo o corpo e da qual não me consigo libertar, o desejo de me dedicar fielmente a bebidas fortes, a vontade de partir alguma coisa e de aproveitar a onda e me partir também, e, por último, a escrita.
Por ora, as sensações parecem-me razoavelmente controladas e a necessidade de escrever está em níveis baixos. Espero que a tendência se mantenha, perspectivando que as ondas se acalmem lentamente, no que poderá ir de umas quantas semanas a alguns meses num estado de latência a que me obrigo. Sou assim, nada a fazer.
Torno isto público como uma espécie de pré-aviso, mas também para, de certa forma, tentar obrigar-me a escrever esse último post que já falei, e a tentar torná-lo um pouco melhor. Provavelmente não será nada demais, o que tem a vantagem de não se tornar muito diferente dos restantes textos. Não mais do que uma pequena cortesia da fotografia aqui publicada, a qual me deu uma pequena e momentânea inspiração. Terá um efeito semelhante ao deste aqui, o meu último texto aquando da minha anterior partida. Não deixa de ter, igualmente, um efeito de terapia.
Por último, um agradecimento a quem visitou esta páginas nestes últimos tempos. Espero que tenham gostado.


sexta-feira, 17 de agosto de 2012

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

a tua ausência
revela-se aquando de sons cuja origem desconfio
responsáveis por outros ambientes, possíveis falas
rapidamente imaginadas, uma paisagem que surge
uma voz, um qualquer estímulo que me corta o pensamento
seguido por um outro que me resgata de um instante eterno
fazendo-me notar, tal como me tende a ocorrer com a vodka
em que após tudo bebido afinal nada mais no copo
para lá de um olhar perdido nas mãos que o vidro vê vaguear 

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Vincent Gallo, PJ Harvey & John Frusciante - Moon River


(...)
Como dirias a alguém? Não sei ao certo como o pôr e não sei se tenho mais medo que não compreendas esta minha dúvida ou, mesmo se a compreendas ou não, será que após ter dito o que queria dizer, ultrapassando assim esse primeiro ponto, me pedirias para repetir, como seu um erro meu no discurso, uma oportunidade para dizer que, afinal, estava a brincar, deixa para lá. Mas bem, é um pouco como aquela sensação que se apodera de ti e que parece apenas passível de ser derrotada ou pelo desespero ou por uma situação fortuita que a possa desbloquear. Vou tentar ser mais claro, enquanto te vejo, assim, sentada, imersa nos teus pensamentos, o que faz com que a minha certeza de que era sobre ti que queria falar se redobra. Não sei ao certo se já notaste algo, ou se haverá algo por notar, como sejam estes movimentos mais rápidos e desconexos por parte das minhas mãos, mesmo quando sentado como estou agora, dono de um olhar à procuro de um foco pelo chão, juro que qualquer coisa perdida por aqui. Bem, mas agora que penso que melhor, talvez até não seja sobre ti que queria falar. Quer dizer, não só sobre ti, ahh ...,  parte difícil agora, bem, como o dizer..., era sobre ti e o que poderia ser um nós, caso tenha eu sorte em que tal ser se materialize. Não me pareces estar a achar muita graça, e a verdade é que quanto mais te vejo a brincar com a câmara e a imaginar as tuas futuras fotos mais medo tenho de te dizer algo, de quebrar esta aparente harmonia com conversas que apenas sei ter comigo, perdido a imaginar, mas que facilmente me tendem para uma voz gaga e hesitante. Ahh?, não não, obrigado, estou bem assim, não é preciso nada, a sério. O que é mesmo o que estás a pensar fotografar?, ah!, sim, claro, parece-me óptimo. Não, falo a sério, em especial pelo contraste. Sim, pelo contraste, tanto em relação à cor como ao que pretendes representar, não te parece?
(...)
o berlinde deixou de cair como até aqui caía
sujeito de amplitudes largas e irregulares
capaz de fazer notar a rugosidade do chão na sua passada
por troca de um ritmo certo, contínuo
responsável por um atrasar dos ponteiros
e que apesar de ainda identificado com e por saltos e sons
passou a prestar especial cuidado às ondas sísmicas anteriormente causadas
movendo-se com maior parcimónia nas imediações
não deixando rasto sobre o pó, sem fazer tombar objectos
por ora, apenas embutido de reconstruir becos

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

se eu fosse sincero por um momento
não esquecendo que apenas por enquanto este se prolongar
poderei ser julgado no caso de questionado sobre estas palavras
diria que sorrio ao olhar para tudo pensando em nada
sem que com isso me chegue sequer a considerar louco
mesmo com um repetido e incentivador do riso torcer de língua

domingo, 12 de agosto de 2012

I have no more energy for this, to fight with myself for some more words, especially these...


sexta-feira, 10 de agosto de 2012

os dedos questionam o tampo da mesa
embora do tampo da mesa, tirando o dedilhar
a outra mão parte à descoberta de formas, ou talvez seduzida por elas
uma caneta que se torna intermitente
entre o estado de escrever após um simples carregar
e um estado em que recolhida tirando uso da mesma função
e observa-se, ainda, o tamanho e espessura da folha
como se o tamanho e a espessura da folha mentira
enquanto se dá o teste relativo à resistência capilar
o reconhecimento da face, os seus contornos, algo por dizer
que não é dito, nenhuma resposta qualquer indicação

surge o som da cigarra entre pensamentos perdidos
próprio da altura do ano, e da noite
com a particularidade de dar azo à imagem de eu lá fora
porventura fumando se fumasse, sentado
inquirindo buracos no chão gastando a sola
chegando grãos de terra a desfazerem-se aos meus ouvidos
atirando sem consciência de tal
o máximo de pedras que me fosse possível
até que do braço voltar a dar conta
finalmente obrigado a refugiar-me na paisagem
que decerto não distinguiria, ou teria dificuldade
caso não se trata-se de uma noite límpida
em que os contornos me fossem mais definidos
e aí me deixasse enlevar pelo jogo de cores
em oposição às repetidas em luz do dia

saído daí, o desejo foge-me para o rasgar da folha
sem que a folha culpa alguma, era capaz de jurar que sem culpa alguma
da inspiração ofegante que me invade os pulmões
trazendo na bagagem elementos e propriedades do ar
(ainda que sem poder contar com a nicotina)
detentores da capacidade de me fazer tomar consciência
de outros contornos até aí desconhecidos
artérias que se alongam, dolorosamente flexíveis
noutros recantos, não esquecer, joelhos que quebram sem estalar
ou de outro lado, a folha em si esmagada pela minha mão
num processo de reconhecimento da rugosidade na parede
e que vê ganhar novos tons vermelhos, tingida a pouco e pouco
numa velocidade constante, e que revela a principal vantagem
de a tornar mais maleável, ainda que, contudo, nada disto torne mais nítidas
as palavras com as quais me queria deparar
supondo eu que me queria deparar com algumas em concreto

não param, ainda, os passos em volta, traçando rotas
em direcção a lugar nenhum, dados por nenhuma outra razão
que não seja a da impossibilidade de me manter fixo, imóvel
circunscrito a uma coordenada cujo sistema de referência
deveria ser definido por mim, mas que me insiste em negar
a projecção devida, isto dando fé nas gotas que tocam o chão, lentamente
uma a uma e que não tardam a secar, inscrevendo-se nele, fazendo parte dele
talvez pisando eu algumas, outras levando comigo transformando-as em marcas
devido a pegadas que deixo e posteriormente recordarei ao limpar
isto caso à limpeza me dedique, supondo que durarei suficiente tempo
para a algo me dedicar

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Mário Cesariny 09/08/1923 - 26/11/2006


No dia que marca o seu nascimento, em 1923, deixo aqui um poema daquele que é, ao lado de Herberto Hélder, o meu poeta português de eleição.

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Encontrei por aqui, esta notícia

Retenho a parte final, dado que se é verdade que "Os que viveram a experiência de permanecer nesta câmara durante um tempo prolongado começaram a ouvir os sons da sua respiração, o bater do coração e mesmo dos intestinos. Assim, a mente acaba por perder o controlo.", tenho a dizer que facilmente, e constantemente, oiço a minha respiração, o bater do meu coração, e, por vezes os meus intestinos e outras partes do meu corpo, sendo que nunca estive na tal "câmara anecóica (...) capaz de absorver 99,99 por cento do som", e em que, "Até agora, nenhum ser humano conseguiu ficar lá dentro mais de 45 minutos sem começar a desenvolver sintomas de falta de equilíbrio e perda de controlo." Posso imaginar que sejam intensidades diferentes, mas...

Tempo(s)

Supor que algo poderá voltar a ser como foi equivale a relegar o decorrer do tempo, conferindo-lhe ainda um tom quase mítico, como que cíclico. Fazendo fé no que aprendi, o sujeito que anuncia tal concepção coloca-se fora da história, dando-lhe um significado próprio a partir não só do que observa, mas do que traz consigo ao observar esse próprio momento, ou momentos. Trata-se de esquecer que uma enunciação desse género implica, só por si, um corte com o passado, algo que se torna distante não só pela distância temporal, como pelo que implica em relação ao presente, e futuro. Parte-se do princípio que existe uma identidade fixa, o passado, esquecendo-se não só a dificuldade do seu acesso como as múltiplas interferências que o dificultam, modificando-o. Desde logo, neste caso, o peso que esse mesmo passado, agora idealizado, apresenta face a um futuro, em que, quer acabe ou não por ter uma influencia determinante, ou sequer parta de um verdadeiro desejo de o levar em frente, a verdade é que, pura e simplesmente, o passado nunca se repetirá. A carga deixada pelo passado influenciará sempre a acção, mesmo que inconscientemente, para além de que o próprio contexto será diferente, tal como os sujeitos, bem como o tempo poderá apresentar novos ritmos. E, no entanto, o problema maior não é o passado não se poder repetir, nem o facto de ele não se anular completamente, mas, sim, o receio do sentimento de ausência em relação ao mesmo se perpetuar, dificultando, desse modo, o surgir do novo.

Completando, de forma bastante melhor, esta parte final:
"A recepção do novo não pode significar, porém, uma hospitalidade acrítica, pois ele vem morar numa terra já habitada por homens com racionalidade ética e com memória; e é pela comparação, logo suscitada pela pré-compreensão, que a densidade do “aumento de ser” que ele oferece deve começar a ser avaliada. Caso contrário, cair-se-á na reificação da novidade, como se o tempo fosse, tão-só, um infinito somatório de momentos sem passado e sem futuro entre si. E se, como bem ensinou Ernst Bloch, só quem espera o inesperado o poderá encontrar, tal atitude, em vez de passiva, tem de ser activa; deve-se agir para criar, mesmo sabendo-se, de lição colhida nos desmentidos da própria história, que a confirmação da expectativa é, tão-só, o selo da carta que, dentro, também traz o anúncio do seu fracasso. Como, algures, escreveu Paul Valéry, “prevejo, logo, engano-me”. Só neste risco – que é inerente à afirmação da vida – o futuro continuará aberto. Consequentemente, a história só será mestra da vida se, em primeiro lugar, a vida for mestra da história." (negritos meus) - Fernando Catroga, Ainda será a História Mestra da Vida?, pág.34

Por agora, o receio prende-se na incapacidade de esperar.

dei por mim com a necessidade de evitar movimentos bruscos
de não alongar demasiados os braços
ou, se com necessidade de tal
não esquecer de indo apalpar lentamente o ar
pedindo licença à matéria que encontro
de modo a algo poder agarrar, a algo me poder segurar

deveria ainda medir os meus efeitos sonoros
ter atenção ao alongamento pedido
às minhas cordas vocais, não me exigindo elas comprimentos de onda
aos quais não me sinto em condições de responder
pelo risco de trazer e expulsar consigo
o músculo principal que as faz mover
duvido se o canto pertencia ao pássaro que agora passou
tudo me aponta para a negação, são as dunas que não consigo avançar
o esqueleto que há tempos nada diz, o sol distante apesar do tamanho
a costa que a quilómetros e não oiço, ainda que vá deitando um olhos aos barcos
e dos barcos o que saí, turistas, marinheiros, mercadorias
que aqui não chegam, e por isso duvido da origem do canto

"Comecei a escrever com determinação aos trinta anos, quando corria o bairro des Abbesses, em Paris, para meter-me nalguma casa que tivesse a porta aberta, e ir dormir na retrete. Explico: em Paris, os três filhos de Deus debatiam-se com o árduo problema da dormida. Éramos um português e dois espanhóis, desaparecidos um dia de suas casas, das pátrias, e encontrados no acaso de vadiagens e bebedeiras. Tínhamos assuntos religiosos comuns. Para dormir, havia acidentais quartos de amigos, a entrada do metropolitano e, no bom tempo, as pontes do rio. Mas eu precisava de solidão e conforto (era a obra que, secretamente, se desenvolvia em mim) – e tomei como minha uma ideia que circulava pela cidade. Era possível dormir nas retretes, nas retretes privadas, nas retretes das casas das outras pessoas! A ideia abalou-me tanto que andei confuso e comovido durante dias. Fui ao ponto de escrever um poema inteiramente inspirado nela. Eu e os meus amigos, poucas semanas passadas sobre o início desta nova vida surpreendente, tínhamos já uma lista de cento e vinte e dois prédios onde devíamos tentar a entrada. Simples: estudávamos as portas de determinado bairro residencial, a ver se poderiam ser abertas de um modo qualquer, ou se as deixavam abertas. Chegava a hora do sono alheio, cada um subia até à sua retrete. Uma ascensão! Talvez Deus estivesse lá em cima à nossa espera. Claro que só escolhíamos edifícios antigos, com sentina de patamar para uso comum dos inquilinos. Acendia a luz, instalava-me fechado por dentro, e pensava ou lia, ou escrevia às vezes. Nunca a solidão foi para mim tão fértil. Se alguma pessoa vinha à retrete a meio da noite, eu puxava o autoclismo e saía como inquilino também, natural, desenvolto nos meus direitos. Defecação democrática, por ludíbrio, no seio da grande família burguesa. No dia seguinte reuníamo-nos os três, os filhos de Deus, para falar das nossas aspirações e meditações, da inspiradora solidão nocturna. 

Herberto Helder
Os Passos Em Volta
espero não desapontar
espero não considerar insuficientes estas palavras
gostaria de pensar que não se trata de culpa minha
ou, pelo menos, só minha
mas isso agora também poderá ser o menos importante

tenho a relatar um extravio
infelizmente, sem que possa dar mais especificações
não por vergonha, não por desconsideração em relação a si
mas por não saber ao certo o que foi

talvez não me entenda, admito que soe confuso
mas nunca acordou a achar que se esqueceu de algo
nunca deu uns passos para além dum local
ou mesmo após o simples fechar duma porta
e deu consigo a inquirir os bolsos, pois bem

infelizmente, e isso posso jurar, também não se trata nada disto
pelo menos, não ao certo, ou talvez seja ideia minha
o que é certo é não acreditar que assim tenha sido, posso-lhe assegurar
embora, no caso de me perguntar, pois é bem provável que o faça
aviso-lhe desde já que me refugiarei em evasivas
pois mesmo eu, como já lhe confidenciei, não sei ao certo o que contar

posto isto, aposto que você nada, bem me queria parecer
nem um auto, uma participaçãozita para amostra
(um papel para levar no bolso e que ateste a minha presença aqui
podendo-me desse modo virar a Deus, caso nele acreditasse
e olhá-lo de alto para baixo dizendo Aqui eu, dia x, assunto tal!)

certo que também responde a alguém, e de certo que ordens e regras
impossibilitando-me assim de fazer defesa dessa ficção
que dá pelo nome de propriedade privada, numa de suas várias formas
direitos sobre material, direitos sobre imaterial, outros que tais
jusnaturalismo e juspositivismo, com erros a apontar aos dois

contudo, peço-lhe que não desespere
sendo talvez precipitado da minha parte pressupor que assim reagiria
mas, apenas antes de ir embora, nada que eu possa fazer, um requerimento
ah, sem noção do que perdido nada feito, certo
a bem do gosto dos homens prácticos
pois bem, quando consciente da falta a ver se não me esqueço de passar por cá

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Les hautes solitudes - Philippe Garrel (1974)

Vi-o a primeira vez numa na Cinematea, na sala Luís de Pina, a qual, como bem sabe, não deverá dar ter mais de 50 lugares, e que se encontrava practicamente cheia nessa sessão. O filme é composto por fragmentos, pequenas imagens, situações, gestos, significados vários e sem que haja uma definição concreta e únia para cada um deles, filmando Jean Seberg (verdadeiro mito da Nouvelle Vague), Nico (à altura, namorada de Philippe Garrel, entrando em mais alguns filmes do mesmo, para além da sua participação nos Velvet Underground), Laurent Terzieff e Tina Aumont de uma tal forma que se torna possível distrinçar o que onde acaba a direcção e começa a espontaniedade e talento das actrizes/actor. Não me atrevo a considerá-lo um filme mudo, apesar de não haver diálogos nem sons, isto porque o silêncio que emana não traz só o seu toque, como é construído não só na nossa imaginação como nos próprios ouvidos,  ensurdecendo-nos, deixando-nos mais despertos para qualquer subtileza, vendo os filmes dos outros. Cada uma das pessoas presentes naquela sala construí, assim, o seu próprio filme, e assim continuaram, mesmo após as luzes acesas, em silêncio durantes mais uns minutos, até que, aos pouos, quando um se prepara para deixar naquela sala uma parte de si e colocar uma máscara para enfrentar o resto do mundo.
Ataques os há
mais constituientes de vida
do que as suas resoluções
o relógio deixou-se ultrapassar
observando eu os ponteiros, mesmo que imaginários
com um tom de castanho acentuado pelo tempo
dando ao contorno um ar distinto por razão nenhuma
dado que apenas concreto no meu delírio

tenho planos prodigiosos que ficaram por pensar
e nenhum sentimento de culpa associado, por enquanto
esquecendo-me a levantar dedos, enquanto escutam
as palavras que virão, à traição, sem outra ordem
para além da ordem que surge após um conflito comigo

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Agnes Obel - Over The Hill


estas palavras não estão mais sós

descuidei-me, abri a janela e deixei partir a brisa
as folhas suspensas nos ramos secos, agora no chão
deixadas a si, esquecidas depois do manto branco as tapar
demorando alguns minutos aos quais eu, de olhar fixo, acompanho
esfregando as mãos por distracção, ou distraído de as ter de esfregar

alguns passos em dificuldade
depois da vontade súbita de atravessar a porta, notando agora
estratos partilhados com pequenos galhos, antigos seres
sendo através da sua forma me permitido distingui-los

o vento traz consigo línguas estrangeiras
ganhando corporalidade ao longo do seu trajecto
riscos que desaparecem no ar, remexendo e levando consigo matérias
obrigando-me a espreitar por detrás dos ombros
pela sensação de algo prestes a chegar, ao menor deslize

domingo, 5 de agosto de 2012

Acredito existir um limite para o qual eu tenho consciência não só sobre o que quero escrever, como para a noção que eu possa ter sobre aquilo que escrevo - assim sendo, este texto poderá parecer, pelo menos um pouco, estranho. No entanto, acho que já não aguentava mais não te dizer nada. Deverá existir uma qualquer dimensão poética em enfrentar sozinho uma dor deste género, dimensão essa que eu, infelizmente, não devo possuir. 
A verdade, creio eu, é que se tiver de esperar que me sinta melhor para poder falar abertamente contigo, temo que, a continuar como recentemente me tenho sentido, tal acabe não só por se tornar bastante moroso mas, igualmente, bastante complicado. Existem alguns aspectos que tenho acumulado - e deixado acumular. Em especial, um tal de um silêncio com o qual a minha perícia não está a conseguir lidar, pelo menos de momento, da forma como me encontro. Assim, parece-me que o próprio facto de nada falar contigo possa estar a contribuir para que me mantenha desta forma.
Espero que acredites quando digo que não vejo este factor como culpa tua, e também não estou propriamente à espera de uma qualquer palavra ou frase tua em específico. Neste caso em concreto, parece-me que a minha imaginação, a qual ocupa um papel muito importante em mim, tem-me traído num imenso conjurar de hipóteses e situações, misturando realidade e ficção duma forma tal que acaba por retirar sentido à própria oposição entre dimensões.
Tenho-me perdido em memórias. Sendo que, ao falar da memória, é preciso não esquecer que esta "se coloca no lugar da coisa acontecida"sendo ao mesmo tempo o que procura substituir fielmente o que aconteceu como o que, nessa mesma tentativa, acaba por se encontrar em permanente reconfiguração. Daí a sua dimensão construtiva, criada por um real (tanto passado como presente) e criadora de real (não só no presente e futuro, mas também interagindo com o passado, alterando o que de facto ocorreu através da forma como observo) Em que tanto esqueço como lembro, esquecendo e lembrando tanto o que quero como o que não quero, estando a lembrança e o esquecimento em constante interacção, interacção essa sujeita a vários factores que nem sempre estão sobre o meu domínio e que me levam a várias interpretações, também estes em constante mudança. 
O tempo que passou, sensivelmente um mês, e mesmo sabendo que o seu decorrer possa ser percebido de diferentes formas, tem ajudado a construir e a consumir esse actual silêncio - tanto o teu como, e, talvez principalmente, aquele que crio e imagino. Assim, perpetuo o presente, tal como ele está ou, pelo menos, como dele agora me apercebo. A preservá-lo como se disso necessitasse e, de certa forma, me desse um estranho sentimento de contentamento no meio de uma qualquer tempestade que ajudei a criar, tornando-se na única coisa em que sinta segurança de agarrar, ainda que tratando-se de algo intangível.
Por vezes paro e, entre pensamentos perdidos, lembro-me da tua voz, de como respiras quando sorris, da forma como usas as mãos quando queres argumentar alguma coisa, de como o teu olhar acompanha as tuas expressões faciais, do teu lábio quando procuras confirmação do que dizes. Sorrio, acredito que um sorriso estúpido, pequeno, como se eu fosse transportado para outro lugar, e continuo assim. Lembro-me de como, em algumas situações, se notava um pouco das tuas orelhas por entre os teus cabelos compridos, em relação aos quais, posteriormente, costumavas indicar o lugar devido com as tuas mãos, num movimento perfeitamente simétrico dos teus braços. Mantenho-me desligado do resto do mundo, recordando uma pequena pausa que fazes quando pareces discordar de algo e, antes de dares a tua opinião, juro notar um não reticente que quase não se faz ouvir e que julgo aparecer quase por impulso, inspiras uma vez com maior convicção ao mesmo tempo que se observa os teus olhos a pedirem confirmação sobre o que dirás de seguida. (Poderia continuar, assim, simplesmente a escrever sobre expressões tuas.)
Existem outras situações que recordo, ou que tenho feito recordar, as quais despertam reacções bastantes diferentes da minha parte. Por exemplo, quando te conheci, a primeira vez que te vi, de longe, inclinado no primeiro piso do CCB, sentido o odor da calçada molhada e a serenidade que vinha do jardim em frente. Lembro-me quando tu chegaste com a tua amiga,   tendo-te visto primeiramente e só depois obtido a confirmação através das palavras de quem estava ao meu lado. Creio que as duas vinham debaixo do mesmo chapéu, e, depois, encontramo-nos nas escadas de acesso ao primeiro piso, tendo eu dito qualquer coisa à pressa sobre o concerto, tentando  esconder uma possível atrapalhação minha. 
Também recordo, muitas vezes, como a minha opinião sobre ti foi mudando, tendo existido uma altura em que, agora sinto-me à vontade para o dizer, não gostava muito de ti... Parecias-me distante, não gostar da minha presença e do que eu dizia. E, eu próprio, do que agora me lembro, parecia não gostar muito do que dizias e perguntavas, de como reagias, etc. (Apercebo-me agora de como a imagem que fui tendo, sobre a tua opinião que poderias ter sobre mim, foi tão importante.) No entanto, pelo menos pareceu-me, e sem que eu consiga explicar ao certo porquê, começaste a aturar-me e, inclusive, a ríres-te do que eu por vezes dizia, mesmo que se tratasse de simples parvoíces ou assuntos sem grande interesse, ao mesmo que tempo que passavas a gozar com algumas coisas sem que, com isso, mostrasses qualquer maldade.
Creio ter sido a partir desse momento que comecei a ver coisas onde elas não existiriam, mesmo que até as tenha preferido ignorar, isto porque, como te disse, a minha opinião sobre ti não era a melhor. Além disso, tenho de te confessar, por naquela altura, e já desde há um longo tempo, não estar com vontade de me envolver, fosse de que forma fosse, com alguém. Tinha, talvez por estupidez, a vontade de não voltar a ter o meu pensamento ocupado por ninguém, de não voltar a sentir falta de ninguém, e apenas deixar os meus dias correr, ocupando-me, se possível, com outras coisas, ou procurando dar um toque pessoal ao nada. Tudo contribuiu, ainda, para que eu percebesse que estava a tentar controlar algo que não depende apenas da minha vontade, pelo menos daquela que é supostamente racional e possível de controlar.
Depois, bem... depois comecei a ver-te de outra forma, ainda que não tenha sido uma imediata passagem do 8 ao 80. Aos poucos, passei a sentir-me muito mais à vontade contigo e a gostar de estar na tua companhia. Acho que nos passamos a entender muito bem, mesmo tendo opiniões algo diferentes. Isto poderá parecer um pouco estranho, ou pelo menos sem grande lógica, mas acredito que foi a partir daí que comecei a aperceber-me de que te via de outra forma, passando a pensar cada vez mais em ti, esperando que nos encontrasse-mos mais vezes.
Assim, e como não podia deixar de ser, surgiu a inquietação sobre como e quando te dizer, e, até, se te deveria dizer alguma coisa. Foi também aí que comecei a duvidar mais seriamente sobre o que pensava, sobre se, afinal, não seria tudo fruto da minha imaginação, ainda que mesmo que o fosse, já nada havia a fazer... Passou a ser ambíguo estar contigo, procurando ser o mais natural possível e tudo fazer para que nada notasses, até porque não tinha coragem para dizer nada, e, ao mesmo tempo, querer e gostar de estar na tua companhia. 
Acho que tudo se desequilibrou após o dia em que partiste de viagem. Se até então acho que estaria mais ou menos controlado, depois comecei a pensar cada vez mais que poderia nunca mais te ver, e, assim, passei o tempo até regressares, escrevendo e reescrevendo um texto que  depois não te cheguei a mostrar, perdido e deixando-me consumir nos mais variados pensamentos. Quando regressaste tinha para mim duas grandes opções, ou nada dizer-te e esperar que durante o Verão pudesse esquecer-te, ou, a segunda, arriscar, já que também pensava que não teria outro momento para tal. Além disso, também achava que te deveria contar, nem que fosse por uma questão de sinceridade. Toda a noite tive essa dúvida na minha cabeça, influenciada, inclusivamente, pela conversa que estávamos a ter, para além de outras situações anteriores, como já referi. Daí o meu comportamento algo estranho em alguns momentos nessa noite, daí os meus olhos vermelhos como reparam sem que eu próprio tivesse notado, sem que próprio tivesse notado que assim estava, com pequenas lágrimas esquecidas no canto do olho como tantas vezes me acontece por agora, sendo que, desta vez, com a agravante de estar ao teu lado. Finalmente, o esforço que fiz de forma a controlar-me, após saber a tua resposta...
De então para cá, ficaram dúvidas e inquietações, bem como uma luta sobre a melhor forma de reagir. Tenho pensado constantemente se eu não tinha, de facto, dado nada a entender, tal como tu disseste. (Se não tinhas notado nada, acho que ainda sou capaz de ficar mais preocupado com o meu comportamento.) Tenho pensado se a tua opinião sobre mim mudou muito. E tenho pensado um pouco de tudo isso ocupado a alimentar este blog, em especial no que diz respeito à forma como me tenho sentido. 
E, agora, mostro-te este canto de forma a ser capaz de te dizer o que de outra maneira provavelmente não seria capaz. Aquilo que me sinto pouco à vontade para falar, e que escrevendo até poderá soar melhor, ainda que não deixe de ser, ao mesmo tempo, uma fuga. Espero que não tomes as palavras aqui deixadas como se, ao mostrar-tas pedisse que me salvasses de alguma coisa, pois não estou. Eu próprio, que as escrevi, ou deixei que elas se escrevessem através de mim, não sei ao certo o porquê de as ter escrito, e, ainda mais, do porquê de tas mostrar.

P.S. Quando, cheio de receio e de forma algo atabalhoada, disse que gostava de ti, menti. O que deveria ter dito é que te amava, e, falando agora no presente, amo - verbo que, mesmo em palavra escrita, tenho dificuldade em conjugar, bem como a atribuir sentido.

sábado, 4 de agosto de 2012

esqueço os dedos entre terra seca
preocupados que estão com a erosão
enquanto me inquiro na amostra de reflexo
ondulante, obtida em sorte devido a imediações
para com um local adequado para se sentar

vezes há em que apenas procuro a paisagem
ajudando a minha percepção
a encobrir-me no plano de água
sendo que, talvez descuido, acabo por voltar

e investigo-lhe as feições, procurando traços
sendo que muitas vezes nada, outras, as há
em que aponto uma justificação, nem que fugaz

após, imagino o retrato no julgamento de outros
perguntando-me o que se salientava, o que se esquecia

por fim, o porquê destas imagens não partilhar



sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Ornatos Violeta - Capitão Romance

Canção a surgir neste blog com, sensivelmente, dois anos e meio de atraso, mas que, de certa forma, e apenas através de uma forma bastante subtil mesmo que não deixe de estar presente, se relaciona com isto aqui, dado que, pelo menos um joelho, se chegou a inclinar, houve uma redefinição do eu e o contacto chegou a estabelecer-se (sem ter sido circunscrito temporalmente a umas meras horas), mesmo que, materialmente, tenha sido o que se possa chamar um não-contacto. 


Não vou procurar quem espero
Se o que eu quero é navegar
Pelo tamanho das ondas
Conto não voltar
Parto rumo à primavera
Que em meu fundo se escondeu
Esqueço tudo do que eu sou capaz
Hoje o mar sou eu
Esperam-me ondas que persistem
Nunca param de bater
Esperam-me homens que desistem
Antes de morrer
Por querer mais do que a vida
Sou a sombra do que eu sou
E ao fim não toquei em nada
Do que em mim tocou
Eu vi
Mas não agarrei
Parto rumo à maravilha
Rumo à dor que houver pra vir
Se eu encontrar uma ilha
Paro pra sentir
E dar sentido à viagem
Pra sentir que eu sou capaz
Se o meu peito diz coragem
Volto a partir em paz
Eu vi
Mas não agarrei

A Ler - Terra firme

Este recente post, por parte de alguém que não conheço e cujo blogue descobri recentemente, defini-me  em inúmeras situações.

"E é verdade que esse meu coração é vaidoso e facilmente seduzido pela hipótese de existir alguém que goste de mim; é a minha maior fraqueza, essa filha do desamor que sinto por mim mesmo. E por isso não é por crueldade ou frieza que recuso o convite mas sim pelo conforto de saber quem sou. Ser gostado seria o mesmo que perder-me em súbita indefinição. Prefiro ficar de pé, obrigado."

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

sinto-me recompor a cada avanço no terreno
sendo por vezes um riso de timbre e respiração próprias
capaz de me sugar, encurtando distâncias sem a direcção mudar
bloqueando outros sons, avenidas inteiras por ora esquecidas
sofrendo igual sorte as filas que no meu passeio se cruzam
deixadas para trás por um rosto que juro reconhecer
até me assegurar que afinal não é, e que afinal bem longe...