Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


terça-feira, 28 de julho de 2009

Beijing

* Um muro em Beijing, China.

Vinha com ela pela mão e encostou-a aí. O muro, uma pequena tira branca em maior relevo, uma espécie de vermelho por cima, um pouco mais para dentro. Deixou o guiador inclinado, um vento passou e as folhas teriam voado se ainda na árvore, a sombra desta na roda da frente, a galgar um pouco e também no guiador. A roda de trás esquecida mas outra bicicleta a sair - esta de tons mais escuros, parece-me.
Passei a tarde a vê-la correr pelo muro, ao julgamento do Sol, não tive clientes e apoiei a cabeça no punho, ela a andar dum lado para outro apesar dos pedais direitos como se fossem pratos duma balança antiga. Tive pena da ventania que fazia, juro que a bicicleta mais pequena com o vento.
Aliás, logo que a vi pareceu-me abanar, ainda estive para dizer ao homem mas mal lhe vi a cara. Virou para este lado da rua, entrou umas quantas portas à esquerda, e só o vi subir as escadas. Sei que é um prédio onde há andares e andares cheios de escritórios - um amigo que mo disse, Deus me livre de lá entrar - embora não tenha o aspecto comum. Trabalho por aqui numa loja e mal se põe noite volto a casa.
Mas isto foi ontem. Não voltei a ver o homem e, hoje, mesmo antes de abrir a minha loja, lembrei-me e reparei que a bicicleta ainda ali estava. Falei com um comerciante aqui perto e ficou surpreendido, aos anos que ela já ali anda. Voltei para dentro e outra brisa, virei a cara e duas sombras na tira branca, a arvore como fundo e o ramo de outra não sei se atrás ou à frente que daqui só consigo ver a arvore. Parou um bocado e pode sair uns metros, as sombras a entrar no vermelho, a bicicleta encostada ao muro e outra a querer fugir, o outro comerciante diz que é sempre assim.
Vozes ao fundo, noutra língua de certeza ou então é da distância, se eu não conhecesse o dono como conheço - não nos cumprimenta-mos nem nada disso, mas uma vez entrou aqui dentro e bem lhe vi a cara - roubava-a e nunca mais me ponham a vista em cima, entrava muro adentro e quem me tirava de lá? A bicleta no muro e a sombra na roda da frente, as arvores em cima mas não sei qual em primeiro pois daqui não as vejo, dois homens ao fundos e, agora, já a cabeça de um no vermelho. O vento outra vez e folhas pelo o ar em forma de cone, quase que não se percebem. Entro para dentro da loja e fecho a porta, está um frio que não se pode.

(o post, até agora, onde, ao mesmo tempo, fui mais simples e labiríntico. à primeira não se vê (vá, quase) nada.)

2 comentários:

Joana M. disse...

Tenho pena de não ter tempo para te dedicar a atenção que gosto de te dispensar - estou em malas e bagagens.

Prometo voltar e deliciar-me aqui, Nuno.
Um beijinho, *

Marisa Fernandes disse...

A China fascina-te.
(Parece-me)
Será? =P