Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


sexta-feira, 31 de julho de 2009

De cadeira para o céu



"Parece uma sesta serena mas não é. Este homem dorme à beira da estrada, recostado numa cadeira, em Carachi, Paquistão, devido ao efeito da heroína." Fotografia: Akhtar Soomro/Reuters in Público.

Estou tão bem aqui, era capaz de ficar assim horas, recostado neste divã, a música à minha vontade, palmeiras em redor a fazer sombra, a queda de água a dois ou três passos à minha esquerda, 4 ou 5 virgens a abanarem leques na minha direcção, a comida que me apetecer, outras duas a massajarem-me os pés.
Os leques são muito grandes e, isso, têm vindo a incomodar-me um pouco. Por vezes, abanam depressa demais, o que faz com que o cabelo se suma com os grãos de areia, chego quase a despir-me - não são poucas as vezes em que fico sem gravata -, a vodka abana na mesa ao lado e chega a cair ao chão - vidros por todo o lado e a bebida que se perde, o desperdício, ao andar dum lado para outro por vezes corto-me, e então com toda esta descontracção.
Pena só notar muito depois, ou talvez só pensar nisso depois. È que, quando tudo calha a acontecer de novo, quando estou no exacto momento, limito-me a ficar quieto e deixar passar. Apenas a admirar as palmeiras e as nuvens, e a sentir o conforto do divã e o relaxamento das massagens. Aí, e apesar de não perceber, nem me importo que comecem a falar - julgo que deve ser noutra língua, uma língua que exige um tom muito diferente e onde as palavras devem ser engraçadas a julgar pelo quanto as vejo rir, e isso ainda me dá vontade mais vontade de regressar, interessa-me aquele sorriso desalmado. Além disso, já tenho umas quantas da minha feição, aquelas que mais vezes vejo sorrir, dou valor a explosões de alegria. Tenho a certeza que, se continuar a voltar, e se as continuar a encontrar - por vezes desaparecem, mas como voltam sempre com um sorriso e as palavras do custome não me preocupo - irei perceber o que dizem e comunicar com elas o resto da vida, não deve ser assim tão difícil.

9 comentários:

Xaninha disse...

Está lindíssimo, adorei as imagens que me transmitiste :)
a ultima frase é uma delicia *

um beijo

pecado original disse...

No divã eu permanecia a vida inteira :)

. disse...

Dá mesmo vontade de ficar sentada por um instante somente :) *

A Coração disse...

Humm... que preguiça que agora me deu. Que sensação tão boa...

MafaldaMacedo disse...

Obrigada, de verdade.

Maria Francisca disse...

Tenho o privilégio de ter um divã em casa, que quando chove sabe tão bem estar lá deitado. Uma sensação que nem consigo descrever. (Talvez por nunca ter tentado.)
Às vezes é mesmo preciso momentos nossos e relaxantes. *

'stracci disse...

E quando se acorda?! Quando se volta ao real?!

Joana M. disse...

Era recostada que ficaria, a deliciar-me nos teus textos.

Deu-me saudades de ti e das tuas palavras.

Rita Silva Avelar disse...

gostei muito muito muito deste post.

beijinho