Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


sexta-feira, 12 de junho de 2009

Hoje estou bem. Hoje os meus lados trocaram. Por isso estas palavras têm mais estéctica. Não é usual. Usualmente não é hoje. Hoje apetece-me ser uma candeia e caminhar para um outro sítio. Um sítio que se reconhece ao longe, outra luz. Hoje não sou eu - (assim que publicar este post arrependo-me, tenho orgulho nisso; agora não importa). - Daqui a uns momentos volto a mim; mas agora não interessa. O que me interessa é a candeia, que sei estar em mim sempre. Quase sempre a falhar. Quero que falhe, sou assim. Melhor, quero que nem chegue a falhar, nem uma faísca, nada. As intermitências fazem-me doer os olhos.
Gostava de lhe pôr um botão, à candeia. Hoje imagino um botão automático. Embora deixe um pé no travão. Gosto de controlar nas curvas e deixar a janela aberta, para o ar empurrar-me o cabelo aos olhos. Uma simbiose entre velocidades e máquina.
Noutros dias prefiro um manual. Quase todos os dias. Mas quase todos os dias não é hoje. È antigo, normal, dá-me mais jeito para controlar. Mudo apenas quando me apetece. Se não conseguir sei que a culpa não é minha. Hoje é capaz de funcionar. Hoje não, hoje não é dia de muitos controlos. Agora sei-o. Em muitos outros momentos também - embora nem sempre, conheço-me bem. Hoje não me conheço. Não me conhecer é hoje; é estar longe. È entrar nas palavras mais pelo gosto que me dão, não pelo jogo. Não jogar é hoje. Mas noutros momentos não é hoje, não penso tanto no botão, prefiro jogar e ganhar.
(admito que não fui capaz de resistir e joguei um bocadinho)
Hoje, primeiro o botão - acho que qualquer um -, desde que depois a candeia. Mas só hoje. Hoje é não ser eu e gostar. Hoje está longe. Hoje são estas palavras. Hoje é ser 6 da manhã e estar sentado. Hoje é estar sentado e pedir ao tempo para passar. Até ao raiar.

2 comentários:

Rita Silva Avelar disse...

Devias ser mais vezes insconcientemente feliz, como neste post. Por um lado acho que a escrita nos prende, nos mata, nos consome. Depois de escritas, as palavras perseguem-nos, estamos encurralados no que nós próprios escrevemos. Dizer é diferente. Dizer desvance-se no ar, dizer esquece-se. Escrever é para sempre. Escrever é mau e bom. Liberta-nos e prende-nos. Faz-nos felizes e infelizes. Por isso não podemos deixar a escrita "abusar" de nós. Acredita em mim.

Devia ser
"Hoje é não estar sentado e pedir ao tempo para não passar. "

Um beijo para ti *

maria miguel disse...

às vezes precisamos de dias assim. dias em que pedimos para tudo ser diferente, para o céu não ser azul e as luzes tocarem alto. faz-nos bem às vezes pararmos para outra personalidade, ou para outra ideologia.
um texto diferente, tens razão; mas que também me inspira.
um beijinho Nuno
[não tenho estado na net, quando falas.]