Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


terça-feira, 9 de junho de 2009

(?) - I

Tinha febre, o meu médico contou-me uns dias depois de o encontrar por acaso. No dia seguinte já não tinha, mesmo no próprio dia sentia-me bem; joguei futebol e tudo. Não sei de onde veio, nem estou seguro que a tive, embora me pareça possível. À cabeça vêem-me apenas pequenos flashes; e mal. Por isso, do que vêm a seguir, nada posso assegurar. Muito foi-me contado.
Ao que parece, saí de casa - não sem antes bater no médico, a minha esposa contou-me mal acordei. De lhe ter batido recordo-me vagamente, principalmente por ela ter exemplificado com gestos. Ainda estava um pouco zonzo e, aos poucos, ia-me recordando: ele estava em posição fetal sobre a porta e não me deixava sair, um murro chegou. Ela disse-me que foi mais ou menos assim. Depois perguntei-lhe porque já estava ele em casa; respondeu-me que depois do jogo me achou estranho, “e é sempre bom precaver”. Ele estava por ali – costuma passar algumas tardes em casa duns vizinhos nossos -, examinou-me enquanto falava-mos os três; deu-me um remédio, e acalmei. De seguida, eu comecei novamente a estar muito calado, daí passei para uns risos muito altos e, um pouco depois, estando já mais sério, falei-lhe mal sem razão para isso; eles não me respondiam, segundo ela por não saberem como eu reagiria. De repente sentei-me mesmo à frente dele – no chão – e não mexia um músculo. Felizmente nada se disse ou passou. Levantei-me calmamente, ria, bebi mais um bocado e quis sair. Ele pôs-se à minha frente e disse qualquer coisa que ela não chegou a ouvir, foi então aí que lhe bati. Eu saí a correr e mais ninguém me viu.
Perguntei-lhe ainda o que acontecera depois do jogo – pois até esse momento lembro-me bem. Ela diz que não houve nada mais do que lhe havia contado. Eu estava estranho e assim que entrei ela reparou. Bebia um bocado e não dizia nada; olhava para todos os lados, especialmente para ela, e ria. Foi por isso que o chamou. È tudo.
A seguir só me lembro de estar na mata. Mas já muito de noite, acho que estive a dormir. Estava frio e tinha a cara cheia de orvalho, tremia muito. Doíam-me as costas. Levantei-me devagar e olhei em redor.

1 comentário:

Joana M. disse...

Este enigma todo lembrou-me o "Efeito Borboleta".