Não é necessário que saias de casa. Fica
à mesa e escuta. Não escutes, espera apenas.
Não esperes, fica em silêncio e só. O mundo
virá oferecer-se a ti para que o desmascares,
não pode fazer outra coisa, extasiado, ´
contorcer-se-á diante de ti.

Franz Kafka, "Aforismos"


sábado, 13 de dezembro de 2008

A Praia - parte III

Éramos poucos apesar de isso não interessar, não sei quem eram, quando entravam, figuras tal como eu era, corpos com sombra, nada mais. Sentia-me parte dum clube secreto mesmo para os seus participantes, unidos por uma teoria involuntária do apocalipse mas igualmente pacifista. Nobres, genuinamente nobres por em momentos estarem fora de algo que se pudesse parecer humano, nem divino, coisas e com toda a beleza e singularidade de apenas coisas serem, incompreensíveis.
Era uma relação de dependência, como se uma voz me chamasse para algo irreal, um sonho enquanto dormia para outro sonho ir. A realidade era uma ténue linha entre o insólito e o ideal, uma mistura de ideias e sensações inexplicáveis como paz, tudo em troca dum despejo completo das frustrações do dia-a-dia, uma elevação espiritual sem alma, tudo em forma de carne, a sua base.
Foi estranho o dia em que descobri a Praia. Já antes tinha vontade de estar só num local tranquilo, num local onde pudesse realmente deixar de pensar, mas nesse dia quando vi outros parados num sítio de nenhures imediatamente senti-me atraído pelo silêncio, lembro-me de ver ao fundo os corpos no areal sem gestos completamente nenhuns, numa perfeita simbiose de companhia e afastamento. Apesar de me intrigar com a placa não temi e fui, fui sem alma e sem problemas também, pela primeira vez na minha vida tinha ido para um sítio sem problemas. Ao regressar não fazia a mínima ideia do que tinha acontecido, apenas a minha alma voltou e com ela o mundo, não fiquei triste, apenas com vontade de regressar e assim foi, sempre que pude, sempre que a Praia existiu.

1 comentário:

maria miguel disse...

obrigado ^^
tambem gosto muito da tua forma de escrever (: